quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

REVERB (FIN/BRA)

 


Por Diego Ferreira*

 

Paisagem

Corpos a margem abandonada

Preto

Branco

Preto

Trapiche

Imagem bucólica

Águas

Frio

Lá fora a neve

Contraste

Contraste da neve e o negro dos corpos

Preto e branco

Cabelos

Verde

 

Há muita simbologia neste REVERB, no rio que passa e não volta e nos corpos que correm e voltam. Existe muito afeto na relação destes corpos com o espaço e isso é muito forte e representativo. Corpos negros dançando na neve é muito representativo. É político. Dialoga com a performance anterior de “Corpos Ditos” com a idéia do passaporte  e das pessoas em mover-se. É importante se mover.  A vídeo-performance utiliza uma estética sem cor e isso reflete justamente na cor. Os corpos tem cor. O espaço tem cor. É o corpo negro se deslocando num espaço branco repleto de neve. Percebe as múltiplas possibilidades que uma única obra pode possibilitar? E isso é fantástico. “Reverb” é tão poético e belo. Ancestral e simbólico. Quando assisto a performance me permito a senti-la ao invés de tentar encontrar justificativas racionais que venham a dar conta de efêmero que acontece ali.  O rio passa, mas os corpos permanecem. E permanecem dançando, o que de fato é um ato político. Reverb fez o encerramento da mostra Cura de forma grande. Uma performance que me provocou e deixou na minha memória uma série de caminhos a trilhar no campo das artes.

 

 

Direção:Ana Paula Mathias

Coreografía:Mario Lopes e Malu Avelar

Trilha Sonora: Erica Navarro

Gravação e Mixagem:Adonias Souza Júnior

Gravação e Mixagem:Adonias Souza Júnior

Desenho Sonoro:Ruben Valdes

Intérpretes: Mario Lopes e Malu Avelar

Formato de realização: Videodança

Duração:60 minutos

Duração:10 minutos

Classificação:Livre

 

                                                                                                                                                                           

*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve críticas no blog Olhares da Cena. Integrante da GIRADRAMATÚRGICA – Grupo de Estudos em Dramaturgia Negra. Integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. Foi jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle.                                                                                                                     

 

CORPOS DITOS (RS)

 


Por Diego Ferreira*

Quando comecei a estudar sobre o negro no teatro, ainda dentro da universidade a principal dificuldade era encontrar bibliografia e referências a respeito do tema e principalmente vislumbrar na cena corpos negros em ação. De minha parte, havia um total desconhecimento dessa história e da complexidade que ela encerrava. Essa compreensão só veio se dando na construção de sentidos no tempo e espaço. E em Porto Alegre no que se refere a teatro negro o Caixa Preta é um dos coletivos que abriram portas a muitos artistas que hoje exercem o seu trabalho e na atualidade o Pretagô é uma forte e agradável referencia por se engajar na luta do enfrentamento ao racismo a partir de vozes e corpos que trazem novos ângulos ao discurso negro nas artes cênicas, o que se constitui numa excelente oportunidade para aprofundar reflexões.

Por essa razão, considero “Corpos Ditos” uma afronta a tudo o que temos passado neste ano pandêmico. Trata-se de uma reunião de pretos celebrando nossos discursos. A partir da investigação de elementos que caracterizam a performance arte em acordo com a poética desenvolvida pelo Pretagô, os performers exploram imagens e áudios captados através de seus smartphones e criam cenas motivadas por um discurso escolhido por eles. E isso provoca um grande impacto, pois cada ator provocados por estímulos que desconhecemos criam uma performance a partir do seu lugar de fala e “de casa”. E cada quadro nos provoca a partir das imagens propostas e dos textos e narrativas que existem em cada ação. Cosmovisões negras que firmam territórios de embates e sutilezas. “Corpos Ditos” é de uma singeleza e ao mesmo tempo de uma potência aterrorizante, como aparece num dos quadros essa palavra: “aterrorizada”, no sentido de perder as esperanças. Ao acompanhar e assistir o Pretagô minha esperança é renovada pois existe um trabalho muito sério e muito atual.

“Mover-se é um milagre”

“Mover-se dói.”

É bastante representativo o quadro em que o Bruno aparece com um passaporte e seu discurso fala de mover-se. É representativo. É triste e feliz ao mesmo tempo justamente pela questão de mobilidade  e as possibilidades que temos em mover-se pelo país e mundo. Assim como toda a proposta tem uma dimensão do que é ser negro no Brasil. E do que representa ser artista negro no Brasil. Sons, textos, discursos, imagens, corpos. Negros. Corpos negros em deslocamento. Corpos negros se movendo. Corpos negros se movendo para curar toda e qualquer dor que esses corpos carregam. A parformance tem humor, ancestralidade, sustentabilidade, metáforas que constroem leituras pretas do momento que vivemos. E tudo tem poesia, beleza e embate. Tem diversidade. Afeto. Sutileza. Liberdade. “Corpos Ditos” é uma pausa em nosso cotidiano para parar, sentir e refletir sobre o nosso lugar dentro da sociedade. Um momento belo para celebrar a vida através dos corpos ditos e também dos malditos. O importante é celebrar e isso o Pretagô tem feito.

 

 

 

Direção:Bruno Fernandes e Silvana Rodrigues

Autoria: Pretagô, baseado em discursos de diversos autores

Elenco:Bruno Cardoso, Camila Falcão, Kyky Rodrigues, Laura Lima, Manuela Miranda e Thiago Pirajira

Trilha Sonora: João Pedro Cé e Vini Silva

Direção e edição de imagem: Marina Kerber - Macumba Lab

Fotografia: Anelise De Carli

Produção e Realização:Grupo Pretagô

Duração:36 minutos

Classificação: 14 anos

                                                                                                                                                                           

*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve críticas no blog Olhares da Cena. Integrante da GIRADRAMATÚRGICA – Grupo de Estudos em Dramaturgia Negra. Integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. Foi jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle.                                                                                                                     

ORI ORISTÉIA – UM RITO SACRIFICAL (RS)

 


Por Diego Ferreira*

 

A presença do grupo Caixa Preta na CURA é bastante significativa por se tratar de um grupo que abriu portas e possibilidades da representatividade de muitos artistas negros da cidade Porto Alegre se enxergarem no palco e ver que é possível estar nesse espaço também e ser representativo. O Caixa Preta também foi o responsável de realizar o Matriz - Encontro de Arte de Matriz Africana em Porto Alegre, importante encontro que promoveu encontros, espetáculos e reflexões que com certeza teve desdobramentos que muitas vezes não conseguimos nem mensurar mas o que é possível perceber que a cena gaúcha está mais negra e isso é reflexo destas iniciativas. Assistimos “Ori Oristéia” por questões técnicas que impediram de acontecer outra ação agendada. Rever o trabalho faz resgatar toda teatralidade que é muito característica nos trabalhos do grupo dirigido por Jessé Oliveira. Assistimos o espetáculo em formato digital numa gravação com uma câmera fixa e de um plano geral, o que para o espectador que não assistiu a montagem de modo presencial impede de perceber expressões e nuances dos atores que no presencial são fantásticos e que envolve o espectador justamente por isso. Mas neste formato percebemos o pulso forte que Jessé tem enquanto encenador e vislumbramos toda a engrenagem cenográfica que utiliza vários planos. Conseguimos captar também o canto forte do elenco e uma gama de imagens que recriam o universo da trilogia Orestéia recriadas aqui por um universo pop aliados ao universo dos ritos de matriz africana. Esteticamente é potente e extremamente atual e espero ansioso que o Caixa Preta retorne aos palcos juntamente com toda a sua pesquisa séria de linguagem que faz dele um dos grupos mais emblemáticos do nosso teatro.

 

Direção:Jessé Oliveiras

Assistente de direção:Juliano Barros

Elenco / Performers:Adriana Rodrigues, Diego Nayà, Éder Rosa, Glau Barros, Juliano Barros, Marcelo de Paula, Mariana Marmontel, Pâmela Amaro, Viviane Juguero e Wagner Madeira

Dramaturgia:Viviane Juguero

Argumento: Jessé Oliveira

Consultoria teórica:Barbara Kastner (Alemanha)

Trilha sonora original:Viviane Juguero e Grupo Caixa Preta

Colaboração nos arranjos e sonoplastia:Wagner Madeira e Diego Naià

Consultoria musical: Álvaro RosaCosta

Cenário:Rodrigo Shalako

Artista Gráfico:Waldemar Max

Iluminação:José Luis Fagundes Kabelo

Assistência em preparação corporal:Éder Rosa

Direção de Produção e Elaboração do Projeto:Jessé Oliveira Produção

Produção:Silvia Abreu

Duração:1h55 min

Classificação: 14 anos

 

 


*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve críticas no blog Olhares da Cena. Integrante da GIRADRAMATÚRGICA – Grupo de Estudos em Dramaturgia Negra. Integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. Foi jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. 

 

 

O FEMININO SAGRADO: UM OLHAR DESCENDENTE DA MITOLOGIA AFRICANA (RS)

 


Por Diego Ferreira*

O presente texto visa construir uma reflexão sobre a presença e a representação feminina no espetáculo “O feminino sagrado”, trazendo para o diálogo aspectos característicos da transmissão de saberes das religiões afro-brasileiras, focando no trânsito da performance ritual sagrada para a performance artística. Aqui, saliento a importância da CURA enquanto plataforma de promoção de trabalhos e performance negra, de protagonismo do corpo negro na cena contemporânea em tempos pandêmicos e também enalteço a mostra enquanto construção da memória a partir dos materiais virtuais produzidos para a mostra mas que permanecem enquanto documentos vivos para a posteridade e isso é de suma importância enquanto construção das nossas próprias memórias, algo que precisa ser repensado nas artes cênicas. E falar sobre o trabalho de Iara Deodoro a frente do seu Afro-sul é remexer e enaltecer a memória e a cultura de resgate do povo negro gaúcho e aqui especificamente enaltecer mulheres fortes, mulheres reais. O trabalho é uma espécie de documentário que mescla a fala das mulheres/bailarinas que presentificam no espetáculo as Yabás e os espíritos ancestrais femininos ali representados, sob a perspectiva da relação corpo x espiritualidade e as associações possíveis com as mulheres contemporâneas. E neste doc. é apresentado fragmentos do espetáculo filmado anteriormente e agora pontuado com a fala dessas mulheres. O trabalho por si só já é emocionante por resgatar toda a história e importância do Afro-sul na cena e nas manifestações populares e por colocar Iara Deodora num lugar de destaque por seu importante trabalho não apenas na cena, mas em projetos sociais que evidenciam que falamos aqui muito além do que assistimos na cena. Ouvir a fala destas mulheres e ao mesmo tempo ver fragmentos do espetáculo é emocionante por trazer consigo um misto de emoções e de vir carregados de significados e de vivências que extrapolam a cena e borram vida/arte. Ao mesmo tempo em que identificamos uma narrativa que busca aproximar as lendas e mitologias dos orixás femininas, também acompanhamos a trajetória de mulheres reais, fortes, mães que estão ali expondo suas lutas e dores, suas vitórias e memórias diante do olhar atento dos espectadores. O fragmento final onde mostra a própria Deodoro em cena é de embargar o coração e se permitir a expurgar as emoções e lágrimas. Parabenizar os profissionais que construíram esse documentário, pois conseguiram na medida explorar e expor o humano e o artístico se é possível separar isso. Resistência, representatividade, ancestralidade, negritude e o protagonismo estão a frente deste projeto importante e necessário na vida cultural da cidade, estado e país. Que possamos valorizar cada vez mais o trabalho de instituições como o Afro-sul e vislumbrar a maravilha do feminino sagrado.

Direção: Iara Deodoro

Bailarinos:T habata Ferreira, Carla Souza, Maria Da Graça Penha, Edjana Deodoro, Leciane Ferreira, Taila Souza, Taise Souza, Jaqueline Jesus, Fernanda Pereira, Camila Camargo, Gisele Mendonça, Mauren Martins, Deise Freitas, Leonardo Da Silva, Nathalia Dornelles, Miguel Rosa, Bruna Marcondes.

Bailarinos mirim: Murilo Deodoro, Ana Clara Martins, Enrico Baraibar, Isabela Martins, Lorenzzo Martins, Yasmin Souza, Marina Freitas, Pedro Henrique Freitas, Bruno Amaral, Alice Martins.

Trilha Sonora: Maestro Marco Farias

Músicos: Janaína Caceres, Carine Brazil, Gustavo Vasques, Philipe Vasques, Paulo Romeu Deodoro

Figurinos: Luiz Augusto Lacerda

Iluminação: Paulo Renato Costa

Sonorização: José Derli Rodrigues

Poetas: Ana Dos Santos Poetisa, Isabete Fagundes Almeida, Jorge Fróes, Maumau De Castro, Nádia Lis Severo

VJ: Augusto Santos

Fotógrafo: Bruno Gomes

Intérprete dos poemas: Camila Coronel

Duração: 60 minutos

Classificação: Livre


*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve críticas no blog Olhares da Cena. Integrante da GIRADRAMATÚRGICA – Grupo de Estudos em Dramaturgia Negra. Integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. Foi jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. 

TECNOLOGIAS DO SUL: VOLTEI A FALAR COM AS ÁRVORES / FRUTA DO FUTURO (BRA/FIN/FRA)

 




Por Diego Ferreira*

 

A dança não é só algo bonito ou agradável de ser ver, ela é um importante veículo de discurso político, social e artístico. Os espetáculos que compõem a Mostra CURA apresentam sempre questões ou manifestações de corpos que de alguma forma estão à margem. São espetáculos que possuem estéticas voltadas para temas de impacto social e a celebração de manifestações artísticas oriundas do processo da diáspora africana. Aqui em “Tecnologias do sul – Voltei a falar com as árvores/ fruta do futuro” existe de fato um corpo negro que dança as margens.

Um corpo dança as margens de um lago.

Mesmo assim está na margem.

Árvore.

Trapiche.

Plataforma.

Um corpo dança as margens.

As águas passam e o corpo permanece, assim como as raízes da árvore.

Imageticamente o solo de Mario Lopes é rico, pois ao mesmo tempo que explora as possibilidades espaciais com uma beleza extraordinária, poética e metafóricamente consegue criar uma reflexão deste corpo naquele espaço físico e emocional. A beleza também somada à bela trilha de Dandara Modesto que diz que “toda a cura vem de uma dor”. E justamente vem dialogar com a proposta da CURA, que é o de
reivindicar outro olhar em relação às artes da cena contemporânea negra e de raízes africanas, ao qual, muitas vezes é vista como algo acessório ou lúdico, ou até mesmo folclórico quando é proposto o debate sobre racismo, ativismo negro e ação política. Um espetáculo de dança tem a capacidade de comunicar muita coisa, de criar um canal de diálogo único com quem assiste. Corpos negros dançando significam muita coisa, a carga expressiva é imensa. Um corpo negro dançando é uma mensagem política.

A performance aborda relações da ancestralidade na contemporaneidade ao transitar entre memórias pessoais e estudos propostos por Anna Tjé, conforme a palestra proferida posterior a vídeo/dança.
Interessante perceber as interferências das memórias na criação e interpretação em dança contemporânea. O resgate da memória da avó ao conversar com as árvores e o que isso possibilita na criação em arte. Através da pesquisa teórica-prática, na relação com os vetores, ao qual pude compreender as possíveis relações entre as memórias do artista - sensações, imagens, aprendizados e percepções - e o processo de criação em dança. A proposta é linda, tanto o momento da vídeo-dança, quando do diálogo proposto pelos criadores que nos provocam sobre resiliências e resistências e da arte enquanto lugar de cura. Um mergulho radical a partir do corpo/memória. Um mergulho as margens. Dançar nas margens pode dizer tanto para nós. Um corpo negro dançando as margens diz muito para mim.




Idealização:Mário Lopes

Performers conferência:Anna Tjé e Mário Lopes

Curta-metragem: Tecnologias do sul - voltei a falar com as árvores”: Mário Lopes

Tradução ao vivo FR/PT:Maelys Meyer

Realização:Veículo SUR

Duração:50 minutos

Classificação: 14 anos

 


*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve críticas no blog Olhares da Cena. Integrante da GIRADRAMATÚRGICA – Grupo de Estudos em Dramaturgia Negra. Integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. Foi jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. 

RETROSPECTIVA PRETA 2020 (MG/SP)

 


Por Diego Ferreira*

“Retrospectiva Preta 2020” utiliza a estrutura de um telejornal com direito a bancada e apresentadores para fazer de fato uma retrospectiva que evoca e potencializa apenas notícias pretas. O que de fato foi notícia em 2020 valorizando o negro em vários segmentos. Chega de blá blá blá e de mi mi mi e está na hora de exaltar o negro. Um dos fatos é a candidatura da bancada negra e de esquerda de Porto Alegre. Entremeado de provocações sonoras propostas por Barulhista e pautando questões negras. São tantas referencias que dá conta de uma visibilidade e representatividade. Um projeto ousado e completamente diferente de tudo o que já tinha visto. Um desfile de notícias críticas e políticas como o ato de colocar um adesivo do Boulos então candidato a prefeitura de São Paulo. Um programa divertido e que tem um tecido mais profundo partindo desta gama de referenciais. Os apresentadores divertem e se divertem com as noticias e fatos levantados. Uma performance que contém ironia.

Uma performance que contém ironia.

Uma performance que contém visões e cosmovisões afrofuturistas.

Uma performance que contém.

Uma performance que contém negros.

E ali eu vi que o futuro é preto.

Eu vislumbro um futuro preto.

Eu afirmo que o futuro é negro.

Uma performance que informa e evoca aos que vieram antes de nós e os que virão depois de nós, parafraseando Brecht. A performance termina com a seguinte frase: “O futuro pode estar a sua frente, ou as suas costas, basta você dar meia volta” de Amadôu Ampâté Bâ e reflete muito mais o que as aparências evidenciam. Um texto crítico. Um discurso que vai além das aparências. Uma retrospectiva negra.

 

 

Direção:Grace Passô

Dramaturgia:Dione Carlos e Grace Passô

Performers: Grace Passô e Novíssimo Edgar

Criação e performance sonora:Barulhista

Direção de Fotografia: Wilssa Esser

Produção:Nina Bittencourt

Duração:60 minutos

Classificação: 14 anos

 

*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve críticas no blog Olhares da Cena. Integrante da GIRADRAMATÚRGICA – Grupo de Estudos em Dramaturgia Negra. Integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. Foi jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. 

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

ENSAIO SOBRE A CEBOLA (RS) - CRÍTICA



Por Diego Ferreira - Especial MOSTRA CURA.*

Fonte de inspiração na esfera artístico-literária, a cebola metaforiza não só as camadas de memória, mas também fases da vida e, de certa forma, o próprio sujeito como ser sociocultural e historicamente situado que se constitui nas relações intersubjetivas e dialógicas. Percebe-se, ainda, que essas camadas também se presentificam nos discursos que emergem nas distintas esferas da atividade humana — sejam eles em linguagem verbal, sejam em não verbal como as imagens propostas no ensaio, justamente por serem multiformes os usos da linguagem; ou seja, entretecidos por uma multiplicidade de ‘camadas’. A cebola configura-se como um convite ao espectador a desvelar a outra face da existência das coisas, haja vista seus sentidos situarem-se “além dos limites da própria cultura”. Valéria Barcellos alcança, com efeito, uma amplitude e profundidade em seu discurso espetacular.

“Ensaio sobre a cebola” trás a multiartista Valéria Barcellos num solo que se utiliza da metáfora da cebola enquanto elemento de construção de uma narrativa ácida que combina textualidades que vai descascando a cebola ao mesmo tempo em que vai desvelando histórias e marcas que confundem vida e arte da performer. Primeiramente preciso destacar o texto da própria Valéria que consegue mergulhar profundamente em temas que provocam um estranhamento na sociedade. Valéria se revela uma dramaturga com uma potencia reveladora. Sua escrita se situa no que diz Conceição Evaristo, enquanto escrevivência, uma escrita que nasce do cotidiano, das lembranças, da experiência de vida da própria autora e isso de fato está presente em seu ensaio.

Uma mulher.

Uma mulher negra.

Uma mulher trans negra.

Uma cebola.

Um ensaio.

Extremamente inteligente a relação metafórica que consegue criar relacionando suas experiências com uma cebola. Um tubérculo. Casca. Camadas e mais camadas. Cinco camadas. E o que isso provoca: cheiro, acidez, gosto. Exótico. Indigesto. Alguns gostam, outros não. Uns comem. Outros não.

Ela afirma: “eu sou o caos” e a partir disso discorre de forma contundente sobre preconceitos, racismo, gênero, sexualidade entre tantos outros temas sem em momento nenhum resvalar em tom didático ou panfletário, pelo contrário, constrói um ensaio crítico e revelador sobre a humanidade por trás do preconceito. Nomes, nomenclaturas, categorias. Tentativas de encaixotar. Categorizar. Diminuir. Esvaziar. Relativizar. Esconder. Extinguir. Combater.

Camadas e mais camadas.

As pessoas só vêem o que querem ver. 

As pessoas só vêem o que querem ver. 

As pessoas só vêem o que querem ver. 

E o que você quer ver?

De que forma a presença de Valeria te atravessa?

O que de fato eu e você apreendemos desta experiência?

Camadas e mais camadas.

Sensações

Revolta

Dor

Corpo negro

Valéria Barcellos é uma verdadeira potência e constrói a partir dessa performance uma arquitetura que mescla ficção, fricção e realidades. E isso é muito bom. Meu desejo é que esta cebola alcance o maior número de pessoas possíveis e faça chorar através de sua acidez, mas também faça repensar nossa postura diante de tantas atrocidades que são acometidos esses corpos negros, esses corpos trans, esses corpos femininos.

 

 

Direção:Valéria Barcellos

Autoria:Valéria Barcellos

Elenco / performer:Valéria Barcellos

Iluminação:Equipe Piquet Coelho

Trilha Sonora:Valéria Barcellos

Figurino:Jeffe Souza

Duração:60 minutos

Classificação: 16 anos

 

*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve críticas no blog Olhares da Cena. Integrante da GIRADRAMATÚRGICA – Grupo de Estudos em Dramaturgia Negra. Integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. Foi jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. 

SOBREVIVO (RS) - CRÍTICA

 


Por Diego Ferreira - Especial MOSTRA CURA.*

 

“Sobrevivo – Antes que o baile acabe” se coloca neste momento pandêmico como um documentário poético, o que de fato é, um documento vivo sob a perspectiva de um coletivo de jovens artistas pretos de Porto Alegre. É necessário e urgente documentar e expor as memórias pessoais sob o olhar do negro e não mais apenas sob o viés branco e colonial. “Sobrevivo” confronta, articula e reafirma outras visões e paradigmas de ser negro e periférico no sul do Brasil. De ser negro, periférico e artista no sul do país e isso implica em muitos aspectos.

O documentário abre a discussão sobre o protagonismo negro e a autodeterminação, que pretende rever processos sociais históricos de exclusão e de racismo; além de seus reflexos na construção da “persona negra” no âmbito das linguagens artísticas. E a cena reflete isso revelando em caráter experimental o hibridismo de linguagens que vão de matrizes periféricas como o samba, o rap, o funk, o sample agregando textos e narrativas que falam daqueles jovens e a partir deles de tantos outros.

Quais caminhos percorrer para se manter vivo? O que fazer para não se tornar estatística de ser mais um negro morto a cada 23 segundos? Sobreviver é uma saída? Qual o plano de fuga para sobreviver e a partir disso criar um grande contraponto nessa construção de uma sociedade mais negra e a partir dela constituir um discurso sobre a realidade brasileira, sobre o genocídio, feminicídio, o racismo estrutural e, principalmente, propor uma evidência da negritude que seja outra humanidade possível. E aí a idéia de “Sobrevivo”, que trás esse conceito de encruzilhada, um quilombo, que é uma reunião fraterna e livre, um território imaginário, um território imaginado, um território pensado, um território onde se possam constituir outras formas de relação, mas que, sobretudo se faça onde nós estamos. Descolonizar o teatro, por todos os meios necessários, e aqui o meio escolhido foi através das plataformas digitais, mas que ecoa do lado de cá da tela e impacta por seu apelo urgente.

“Sobrevivo” trás um misto de possibilidades e imagens, corpos negros em deslocamentos pela cidade, vozes negras afirmando que o nosso país é nosso lugar de fala, utilizando a referencia de Elza Soares. Uma cena que coloca de cara Elza e Baco Exu do Blues para abertura dos trabalhos já ganha o meu respeito justamente pelas referencias que eles trazem consigo. Assistimos relatos, desabafos, vozes, depoimentos, tensões. Vejo corpos que dançam, corpos que simplesmente já são simbólicos pelo fato de estar ali, pelo fato de ser e estar, pelo fato de sobreviver. Vejo ruas, a cidade como plano de fundo, placas de trânsito. Desvie. Pare. Sinal verde: avance. Sinal vermelho: pare. Imagens que representam e dialogam com a realidade destes jovens. Até onde posso avançar? Quando devo parar? Devo parar? E o que faz sentido? Como propõe um dos atrozes: “vamos beber do que faz sentido”. O que faz sentido dentro desta selva chamada sociedade?

Quero dizer que a Rede Espiralar consegue nos provocar um misto de reflexões através de um trabalho extremamente sério e potente, um desvio na forma de construir nossas narrativas a partir de muitas referencias. Um salve especial para o elenco e todos envolvidos que nos brindas com suas potencias que são combustíveis para muitas reflexões. Suas subjetividades perpassam a tela e nos tocam do lado de cá.

 

Direção:Sandino Rafael da Silva Rosa

Dramaturgia:Espiralar, com trechos do texto intitulado A missão em fragmentos: 12 cenas de descolonização em legítima defesa, de Eugênio Lima.

Elenco / performersEslly Ramão, Cira Dias, Gabriel Faryas, Letícia Guimarães, Maya Marqz, Phill.

Figurinos:Espiralar

Duração:60 minutos

Classificação: 14 anos

 

*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve críticas no blog Olhares da Cena. Integrante da GIRADRAMATÚRGICA – Grupo de Estudos em Dramaturgia Negra. Integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. Foi jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. 

 

MACUMBA VIRTUAL (RS) - CRÍTICA

 


Por Diego Ferreira - Especial MOSTRA CURA. *

Pequenos respiros para o momento pandêmico. Essa é a definição para Macumba Virtual da Saskia.  O trabalho é uma provocação multidisciplinar que se apresenta como uma espécie de colagem virtual. Em 50 minutos, o espectador está convidado a assistir a uma mistura de vídeos, performances cênicas, imagens e textos. Tudo de uma só vez. Além de ressignificar, remixar, materiais que já estavam prontos, a performance faz um cruzamento de múltiplas linguagens como proposta. Um verdadeiro mergulho em pesquisas sobre as tecnologias possíveis a partir das plataformas digitais. Mas tudo isso para dizer que “Macumba Virtual” é um trabalho conceitual e anti-conceitual no sentido que toda e qualquer palavra que eu diga aqui não vai representar o que eu senti ao experimentar de fato essa macumba. Frases, sons, batidas, recortes, artes visuais, teatro, imagem, fragmentos de imagens, documentário, música, poesia e muito mais, materializados e orquestrados por Saskia. Pura adrenalina e loucura a sensação que me provocou esse hibridismo artístico.

Me mata

Não entendam

ANTES DE SER VOCÊ É

Viajo por salas e chats, entre línguas e traduções.

SEMPRE QUE PUDER ME ENTENDE

Linguagens

Línguas

ON / OFF

“Macumba Virtual” é um potente imaginário imagético que nos permite explorar diferentes possibilidades instigantes que te elevam ou simplesmente te levam a outros mundos.

Cores / cortes/ brusco

ARÉA DE TRABALHO

Cores

Verde-amarelo x preto

Verde –amarelo x coturno negro

Verde-amarelo x polícia

Bandeira nacional

Brasil

Imagens – sempre que puder me entenda

Me mata mas não me entenda

Sempre que puder me entenda

Saskia eu não te entendo mas me permito a navegar pelas tuas ondas, me permito a entrar e sair das tuas salas, me permito a trocar um papo reto contigo no chat

Me conecta no zoom, me dá teu whatts pois preciso falar contigo sobre essa macumba virtual

Ou melhor

Não preciso falar

Não necessito compreender

Vou fechar meu olhos agora e me permitir a macumbar nas tuas pirações virtuais

 

Direção, performance e trilha sonora:Saskia

Duração:50 minutos

Classificação:Livre

*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve críticas no blog Olhares da Cena. Integrante da GIRADRAMATÚRGICA – Grupo de Estudos em Dramaturgia Negra. Integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. Foi jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle.