domingo, 28 de setembro de 2014

A LÁ PUCHÁ! UMA COMÉDIA GAÚCHA (RS)


A lá puchá!Tradicionalismo em cena

"A lá pucha" Uma comédia gaúcha" já explicita no título a que veio: fazer rir construindo todo o seu enredo a partir da expressão "A lá puchá!" e tem o simples intuito de fazer comédia. Baseado nesta premissa o espetáculo cumpre muito bem o papel a que se destina. A dramaturgia de Rafael Barcellos se sustenta através de uma disputa entre Mariana e seus dois pretendentes que precisam passar pela aprovação de seu pai Juca das Flores para conquistar o coração da jovem. O espetáculo é essencialmente uma comédia de costumes, onde faz uma análise comportamental dos personagens focado nas relações humanas e no contexto social. Temos aqui tipicas figuras do imaginário gaudério: o pai extremamente conservador que cuida da filha que é frágil e sem voz ou autonomia, os dois pretendentes gaúchos que se utilizam de todas suas qualidades (ou não) para conquistar o coração da menina e até mesmo a presença de uma comadre fofoqueira, figuras pertencentes ao folclore dos pampas.
O elenco do espetáculo é desequilibrado, sendo que a força está centrada nas figuras masculinas, tanto nas atuações quanto na dramaturgia, pois a mulher no espetáculo está relegada a segundo plano, sendo que as interpretações de Analu Bastos e de Vianês Amaral está muito aquém do elenco masculino. E aqui cabe uma questão: porque tanto na dramaturgia e no trabalho de atuação está força é desequilibrada?   Pois a narrativa já reforça uma série de questões que não engrandecem a figura feminina e ainda por cima estas figuras são apagadas? Penso que poderia se subverter isso, repensando o papel das mulheres dentro do espetáculo, e fortalecendo esta relação.
Quanto ao elenco masculino, penso que conseguem criar um jogo muito interessante, ágil e que consegue comunicar muito bem. Destaque para a figura construída pelo ator Édi Terra na figura de Juca das Flores, uma figura forte e imponente. 
A direção de Rafael Barcellos é eficiente, e consegue articular todos os elementos da encenação, devendo atentar apenas para o uso excessivo da trilha sonora em alguns momentos e de repensar a função do cenário, cuidando para não ser apenas ilustrativo. 
Com tudo isso "A lá puchá!" é um espetáculo com um apelo popular muito forte, que consegue agradar em cheio a todos espectadores, pela identificação imediata que tem ao trazer a cena questões do tradicionalismo gaúcho, e acima de tudo com boas soluções cênicas. Vida longa ao espetáculo!

Diretor: Rafael Barcellos
Autor: Rafael Barcellos
Operador de Som: Rafael Barcellos
Criador da trilha sonora: Rafael Barcellos
Operação de luz: Léo Bizarro
Criador da iluminação: Léo Bizarro
Maquiador: Grupo
Criador da maquiagem: Grupo
Figurinista: Daniel Machado
Cenógrafo: Daniel Machado & Édi Terra
Elenco: 
Vianês Amaral
Analu Bastos
Léo Cardoso
Daniel Machado
Édi Terra





O CHAPELEIRO MALUCO (RS)



Equivoco em produção voltada aos pequenos

"O chapeleiro maluco" é uma produção do Grupo Teatral Leva Eu direcionada as crianças e é exatamente por aí que eu começo minha analise. Fazer teatro é uma responsabilidade muito grande, e quando direcionamos o fazer teatral ao público infantil esta responsabilidade tem de ser redobrada. O que eu percebo nesta montagem de "O chapeleiro maluco" é uma sucessão de equívocos, que podem e devam ser trabalhados para que esta experiencia possa ser potencializada. 
Quando o espetáculo inicia percebemos um palco com poucos elementos, uma limpeza na cena que poderia servir para a criação de imagens em ação, mas a medida que o espetáculo avança vem a tona uma série de esteriótipos do teatro infantil como o uso exagerado de intenções didáticas, que tem que se ter um pouco de cuidado, pois a criança é um ser dotado de inteligencia e que por isso não precisa ser tratada como não fosse inteligente. A criança tem a capacidade de interpretar o que vê, portanto não é saudável mastigar tudo e entregar ao público. A dramaturgia peca no sentido de explorar um moralismo, onde Aninha é boa/Juca é ruim e o professor é o espelho que tem que ser seguido. O texto poderia usar as contradições destes personagens, explorar melhor o universo dos sonhos que é o universo do Chapeleiro, explorar sensações diferenciadas que evidenciem este universo paralelo. 
Os figurinos tem uma preocupação em se comunicar com o espectador quando utiliza a mesma estampa para o figurino dos irmãos, até mesmo no inusitado figurino do Chapeleiro, mas penso que os demais elementos estéticos como a trilha sonora que em nenhum momento ajuda a encenação, a criar climas e tensões, pois são músicas conhecidas, mas que são deslocadas do contexto da narrativa e acabam se tornando clichês. As coreografias são muito bonitas, mas também não auxiliam, pois são apenas coreografias, sem sentido na encenação, assim como a iluminação que poderia ter papel fundamental aqui, mas é pouco explorada, poderia criar climas e suspensões na proposta. 
Tudo precisa ser repensado, até mesmo a relação com a platéia, pois nem sempre nas produções infantis é necessário esta relação, e aqui a relação é forçada. 
Sugiro então repensar o trabalho no sentido de aprofundar as personagens no sentido dramatúrgico e no sentido das atuações, no sentido das convenções e fugir dos esteriótipos e do politicamente correto, sujar mais as figuras, construindo uma dualidade inerte ao ser humano. 
Como já conheço outros trabalhos do diretor Igor e sei desta humildade e gana em trabalhar com teatro, sei que ele vai filtrar todas as questões e vai triunfar em seus novos projetos. 

Direção: Igor Ramos
Elenco: Gabriel Rocha, Giordano Freitas e Juliana Johan
Cenografia: O grupo
Figurinos, coreografia, maquiagem e trilha sonora: Juliana Johan
Iluminação: Igor Ramos

O AUTO DA COMPADECIDA (RS)


Arrebatador!

O espetáculo “O auto da compadecida” foi até aqui a grande surpresa do Montenegro em Cena, pois conseguiu me arrepiar desde a primeira imagem que vi do trabalho. Temos aqui um trabalho que acerta em tudo. Um trabalho com uma concepção apurada e com idéias muito claras e concisas. 
A encenação parte do texto de Ariano Suassuna, mas tem forte referencia na adaptação televisiva que mesclou a dramaturgia o cerne de dois de deus textos: “O auto da Compadecida” e “O santo e a porca”. Poderia ser um demérito esta referencia ao filme ou minissérie, porém o grupo se apropria muito bem de tudo isso e vai além, pois agrega a cena uma forte musicalidade. A trilha sonora é toda executada ao vivo pelos atores e isso é realmente fantástico, pois este elemento é um fator muito forte na encenação e que por isso se potencializa. Neste aspecto o grupo recria algumas canções do cancioneiro popular e contextualiza no enredo da peça, e isso faz com que a trilha se torne um forte elemento que não está apenas para criar climas e tensões, mas está ali para comunicar, para narrar e a musicalidade cumpre um papel fundamental. É lindo de se ver e ouvir um elenco afinado, cantando e se divertindo com tudo isso. 
Outro elemento estético que é muito favorável na peça são os figurinos assinados por Fabrizio Rodrigues, pois todas as peças comunicam por si só, dialogam com o todo e foram muito bem explorados em suas estampas, cores, cortes e tipo de tecido. Um visual que impressiona desde o primeiro momento. A iluminação também cumpre um papel fundamental pois além de iluminar os atores, cria jogos e espaços de criação que auxiliam na encenação. 
Os outros elementos estéticos foram muito bem pensados em seu minimalismo, como a maquiagem que não é exagerada, é no tom certo, exato que auxilia os atores a comporem suas figuras, assim como o cenário e os adereços, que são móveis, transformam-se e estão ali a serviço da cena. 
Saliento que o espetáculo foi aplaudido em cena aberta duas vezes, e isso deve-se ao equilíbrio alcançado pelo elenco e direção. O elenco é coeso, todos tem espaços para criação, com exceção de Ivan Lauermann, que faz o padeiro, e Leandro Lotermann que faz o cangaceiro, pois estes dois atores poderiam, com o auxilio de seu diretor de aprofundar um pouco mais seus personagens, a modo que possam crescer e aparecer mais em cena, não chegam a destoar do todo, porém podem conseguir resultados mais próximos aos demais atores. 
Quanto ao restante do elenco, conseguem imprimir aos seus personagens uma verdade e entrega, e tenho que destacar a Fabíola e Nicole Orth que fazem João Grilo e Chicó, pois conseguem imprimir uma verdade a estes personagens que já tem um registro televisivo muito forte no nosso imaginário e que por isso conseguem subverter esta lógica alcançando resultados ótimos. Ana Ledur, em minha opinião, é a que melhor se aproveita da sua personagem, conseguindo imprimir a sua personagem “a mulher do padeiro” um tom na medida exata, me ganha com sua malemolência e força, mas não apenas por isso, mas também pela personificação da figura do demônio, que com todos os adereços e figurinos Ana consegue criar uma figura grande, enorme que extravasa na cena, por isso merece meu destaque. 
Júlio Schuster é para mim uma revelação enquanto diretor, já conhecia seu trabalho de ator, mas na direção eu realmente me impressionei muito. O grupo dá a entender que se trabalha no coletivo, que não fazem nada sozinho, mas quem assina e quem trás propostas é o Júlio e por isso merece o meu respeito por nos apresentar um produto estético tão apurado, tão bem amarrado em todos os aspectos. Júlio foi feliz em todas as suas escolhas e isso é realmente maravilhoso quando acontece. Ou seja, temos aqui um grupo de jovens atores com uma maturidade incrível que às vezes não encontramos em coletivos profissionais. 


Diretor: Júlio Schuster
Autor: Ariano Suassuna Classificação etária: Livre
Contra-regra: 
Operador de Som:
Criador da trilha sonora: O grupo 
Operação de luz: Júlio Schuster
Criador da iluminação: Marcos Cardoso
Maquiador: O Grupo
Criador da maquiagem: Tuti Kerber
Figurinista: Fabrizio Rodrigues
Cenógrafo: Júlio Schuster
Elenco: 
Fabiola Orth
Nicole Orth
Isadora Dahmer
Samuel Vier
Ana Vier
Ana Ledur
Ivan Lauermann
Vanessa Hilgert
Leandro Lotermann















sexta-feira, 26 de setembro de 2014

OS DESCASADOS (RS)



“Os descasados” é uma comédia que trás a história de Mariana e Sezefredo, um casal que vive aos trancos e barrancos na vida conjugal. O espetáculo é nos apresentado como uma farsa e é perceptível alguns elementos muito forte deste gênero em cena como gestualidade grandiloqüente, enchimentos, maquiagem exagerada e uma corporalidade exacerbada. 
As figuras construídas por Everton e Gina chamam a atenção desde o primeiro momento que aparecem no lado de fora do teatro e começam ali a sua interação com a platéia, mas no palco penso que os dois atores poderiam apurar melhor o jogo e relação entre estas duas figuras, demasiadas vezes percebo que o jogo funciona muito mais com quem está assistindo (principalmente os que estão dispostos sobre o palco), do que interagindo entre eles. Penso que os atores poderiam exercitar uma escuta entre os dois, para que a cumplicidade entre eles possa se fortalecer e fazer o jogo efetivamente acontecer. Em alguns momentos isso acontece, é quando é gostoso de estar assistindo aquelas figuras, porém em outros momentos o jogo enfraquece e cria-se uma ampla abertura para o improviso, que se for utilizado de forma inteligente tudo bem, porém o resultado pode se dar de modo desastroso.
Na apresentação que o Grupo realizou no Festival o que percebi foi que por esta falta de escuta e interação entre a dupla, acaba ocorrendo uma sucessão de erros em cena, e estes erros são percebidos pela platéia. Muitos destes foram super bem resolvidos através do olhar apurado do Everton que se safou e muito bem de alguns destes imprevistos, porém outros não tiveram como serem corrigidos. Mas se o espetáculo tiver esta abertura para o improviso é aceitável, o que percebo é que “Os descasados” não é um espetáculo fechado, porém nem tão aberto para apenas ficar consertando cenas e improvisando. Por isso é extremamente importante exercitar sempre o estado de jogo e a escuta entre os atores, que pelo fato de estarem a muitos anos apresentando a mesma peça pode se desgastar.
Os elementos constitutivos da cena estão a serviço do trabalho, através de um cenário simples, uma luz básica sem grandes movimentos e uma trilha que auxilia a contar a narrativa. Os figurinos jogam com cores opostas o que contribui para a relação dos atores.
Quanto as atuações percebo o trabalho que Gina e Everton conseguem sustentar e se aproveitar muito bem, sendo que na maioria das vezes Everton consegue se sair melhor, justamente por ir ajustando tempo/ritmo durante o espetáculo, consegue ir da sutileza para o grandiloqüente, ao contrário de Gina que já imprime a sua personagem uma energia muito grande desde o inicio, chegando até mesmo a faltar o ar em algumas vezes. Gina poderia aproveitar mais sutilezas, jogar com o grande e o pequeno e crescer com isso. 
Contudo isso, “Os descasados” é um espetáculo que se centra na figura dos atores e quando estes estão fragilizados o espetáculo não se mantém, mas mesmo assim, não deixa de ser prazeroso assisti-los.   


DIREÇÃO GERAL: EVERTON SANTOS
ELENCO:
GINA SAMANTA
EVERTON SANTOS
OPERADOR DE SOM / LUZ: DAIANE CARDOSO / BIANCA FLORES
ASSESSORIA: JOSI AZEREDO / MATEUS FRENA / ANDRÉA LUCENA
MAQUIAGEM: GINA SAMANTA
TRILHA SONORA: EVERTON SANTOS
FIGURINO/CENÁRIO: RENASCENÇA


VALSA Nº 6 (RS)


OUSADIA NECESSÁRIA
“Assistir ao espetáculo “Valsa nº 6” no Montenegro em Cena desperta em mim um misto de alegria e satisfação. Primeiro destaco a qualidade que o Grupo Art in fato consegue alcançar com a sua produção. Segundo que vejo aqui neste coletivo a possibilidade da criação e pesquisa tão forte e ousada, onde jovens atores unidos a uma também jovem diretora conseguem alcançar resultados estéticos bastante apurados e equilibrados. 
Parto da premissa de que se trabalhar com textos conhecidos e clássicos sempre é um tabu, pois adaptar uma dramaturgia que já é carregada de significados e que no momento em que a adaptação é feita, corre-se o risco de traí-la, já é um desafio. Mas os jovens atores conseguem (e por sinal muito bem) vencer esta etapa, conseguindo utilizar o texto do Nelson Rodrigues como um pretexto para a criação de um espetáculo imagético, onde a figura da personagem Sônia (que no original é uma personagem única porém com uma personalidade esfacelada), aqui é diluída, dissecada, fragmentada, coletivizada e experimentada pelo grupo de dez atores, que trazem a cena, os fragmentos da mente atormentada de Sônia, assim como as figuras que permeiam a sua alucinação como o Pedro e o Dr. Junqueira. 
E é neste sentido que este Valsa nº 6 me surpreende, pois consegue colocar em cena uma gama de signos teatrais e metafóricos que faça com que o espectador se envolva com o trabalho, não por uma via racional, mas através de uma linha sensorial, até porque talvez quem não conheça o texto, não consiga se envolver aos pormenores da dramaturgia textual, mas consegue se envolver através da dramaturgia cênica, que é extremamente original e viva. 
Percebo a mão precisa da Bianca Flores enquanto diretora e as possibilidades que ela explora ao criar sua encenação. Bianca propõe e isto é muito saudável. Quando estamos dispostos a criar um trabalho coletivo e nos colocamos nele com disponibilidade de propor, de arriscar e de brincar com novas possibilidades. Quando isso acontece é louvável, pois neste caso a direção tem muito material, muitas possibilidades para se criar e jogar e aí chega o momento de potencializar certas escolhas, de ajustar tempos, ritmos, ocupação do espaço, evidenciar algumas cenas, trabalhar as sutilezas, enfim, amadurecer uma proposta que já se sustenta muito bem. 
O espetáculo em sua totalidade é extremamente lindo, repleto de ações físicas, de partituras cênicas e de um gestual que as vezes é coletivo, se utilizando muito da figura do coro, as vezes tem ênfase em uma atriz, enfim, o espetáculo consegue se comunicar muito bem com esta força imagética e poética. Destaque para a cena do estupro, feita com sombras, e da cena onde os rostos aparecem na parede, onde também se utiliza de um tecido que dá um efeito sensacional a cena. E o bacana de ver é que estas imagens se constroem e se diluem num ritmo alucinado. 
Penso que a direção poderia investir mais nas transições de algumas cenas, pois às vezes se constroem imagens belíssimas, porém são muito rápidas não dando tempo do espectador se deleitar. Outra questão a ser trabalhada seria a voz e articulação de todo o elenco, principalmente nas cenas coletivas, pois fragiliza quando não está equalizada e uníssona. A cena que atriz rompe com a quarta parede também não auxilia na encenação, pois a aproximação com a platéia fragiliza as imagens que estão sendo propostas no palco e fragiliza a relação da atriz com o espectador. 
Quanto ao elenco, percebo que é coeso, entregue e está muito disponível para experimentar, para arriscar-se e isso é muito bom, pois quando encontramos jovens disponíveis a criação teatral que parte de princípios e códigos que são experimentais na sua essência, vejo que temos aí, um terreno fértil para que esta parceria se aprofunde cada vez mais. Não destaco ninguém do elenco pois os atores estão num nível de representação muito coletivo, ninguém joga sozinho, todos estão a disposição do todo, e isso é que é bacana de se observar, quando todos estão jogando juntos. 
Por isso ressalto que o Grupo Art in fato foi realmente uma grata surpresa, pois soube utilizar muito bem um texto conhecido a seu favor, nos oferecendo um trabalho de qualidade e beleza. Parabéns a todos e que esta experiência possa ser um trampolim para novos vôos.

Direção: Bianca Flores
Autor: Adaptação da obra de Nelson Rodrigues, por grupo Art in Fato Classificação etária: 15 anos

Operador de Som: Aline Fetter
Criador da trilha sonora: O Grupo
Operação de luz: Bianca Flôres
Criador da iluminação: Fernando Tepasse
Maquiador: Maria Paula Correa
Criador da maquiagem: O Grupo
Figurinista: Shana Domingues
Cenógrafo: O grupo

Sinopse da peça:
O Grupo Art In Fato traz para a cena uma adaptação desafiadora da obra de Nelson Rodrigues, em que a história gira em torno de Sônia, uma menina assassinada aos 15 anos, que tenta montar o quebra-cabeça de suas memórias e reconstituir os acontecimentos de sua vida. 


Elenco 
01 Andressa Erbes
02 Mateus Frena
03 Jaqueline Rhoden
04 Maiara Schneider
05 Maiara Baumgarten
06 Cintia Orth
07 Ivan Käfer
08 Chrystian Arnhold
09 Ana Paula Ne











O MÉDICO QUE RECEITAVA LIVROS (RS)


Espetáculo didático sem ser panfletário

O espetáculo “O médico que receitava livros” é uma deliciosa comédia dirigida a todas as idades. Uma proposta que é didática, sem ser panfletária, traz em sua essência uma pedagogia sem cair na pieguice de ter um professor em cena ao invés de atores.
O espetáculo é centrado na força poética do texto de Totonho Lisboa, que é uma revelação enquanto dramaturgia e letrista da bela canção do inicio do espetáculo, pois consegue articular muito bem as referencias literárias dentro da narrativa, apostando num texto que provoque muito mais pelas situações e personagens bem delineados do que pelo riso ou propostas rasas. O riso acontece, mas de acordo com as situações propostas pela cena.
A encenação inicia com a entrada do médico Millor e sua movimentação inicial é suja, sem motivação, apenas para montar a cena, o que leva a crer que o entra e sai dos livros não passa de uma ação que serve para preencher a duração da canção inicial. Passado este primeiro momento, que poderia ser melhor decupado, o espetáculo vai ganhando força e ganhando a platéia através de sua poesia literária e cênica. O elenco é coeso e consegue equalizar muito nas interpretações, e o grande destaque da peça é a presença de Caroline Oliveira, que consegue criar uma personagem que tem uma empatia muito grande com o espectador, pois recheia suas ações de sutilezas numa interpretação arrebatadora. Carolina através de sua presença constrói ainda um novo personagem que não está em cena, porém a presença é forte, que é o porteiro. A sua relação com esse personagem fictício é de uma veracidade que acreditamos que este personagem irá adentrar na cena a qualquer momento. Samuel dos Santos consegue sustentar a figura deste Doutor maluco e visionário. Consigo embarcar na sua criação que pelo fato de ser ao mesmo ator e diretor poderia ser melhor apurada, mas esse fato não tira o frescor de seu trabalho. Já Alan Krug que faz três personagens tem a facilidade de construir tipos, auxiliados por figurinos que ajudam muito na composição, talvez o primeiro personagem pudesse ser um pouco mais explorado, para não ficar só na caricatura, mas com as demais participações consegue se mostrar a que veio. 
Penso que o grupo poderia investir na criação destes universos paralelos provocados pela leitura dos autores citados em cena, pois através disto poderia criar nuances necessária a cena, uma desconstrução da figura do Doutor investindo mais na criação de outros mundos, auxiliados pela iluminação que aqui é bastante neutra, mas que não compromete em nada a peça, assim como a composição dos figurinos. 
Outra aposta seria a do grupo investir mais nas convenções teatrais, como entradas e saídas dos personagens de cena, pois do modo como se apresentam são previsíveis.  
O espetáculo carece de ajustes que de maior coerência ao que já alcançam e o resultado alcançado é muito bom, através de um trabalho criativo e limpo. Portanto reitero que "O médico que receitava livros" é uma pedra preciosa que está em fase final de lapidação, pronta para brilhar... 

Diretor: Samuel dos Santos
Autor: Totonho Lisboa Classificação etária: livre
Contra-regra: Dani Reis
Operador de Som: Constantino Azevedo
Criador da trilha sonora: Gilnei Lucas
Operação de luz: Constantino Azevedo
Criador da iluminação: Samuel dos Santos
Maquiador: o grupo
Criador da maquiagem: o grupo
Figurinista: o grupo
Cenógrafo: Samuel dos santos


quinta-feira, 25 de setembro de 2014

AS CINCO PONTAS DE UMA ESTRELA TORTA (RS)


Texto criativo em montagem destoante"

" As cinco pontas de uma estrela torta" trouxe poesia imagética para o palco do Montenegro em Cena. O inicio do espetáculo é de uma beleza extraordinária, assim como muitos momentos da peça. A direção do espetáculo consegue ser precisa, pois a peça tem ações e marcações extremamente limpas, num espetáculo belo, porém extremamente rígido em sua composição, a começar pela dramaturgia que em sua concretude não é de fácil entendimento. A narrativa se estrutura a partir da vida de Savine, e sua vida é contada através das três fases de sua vida: infância, adolescência e adulta, sendo que estas três facetas são colocadas em cena de modo separados e em outros momentos estão as três facetas em cena, evidenciando a reflexão poética a cerca da humanidade. O texto é muito bom, pois coloca no mesmo caldeirão reflexões acerca de filosofia, física quântica, ciência e arte. Os diálogos são ásperos as vezes, em outros momentos são depoimentos, contribuindo para a concretização de uma cena que pulveriza questões teatrais contemporâneas. 
A iluminação tem um papel fundamental, pois consegue ser um signo bastante presente na composição da cena, cuidando apenas para em determinados momentos dosar a sua utilização, assim como a trilha sonora, que é linda, porém utilizada de forma demasiada, faltando a peça, momentos de silêncio, onde a cena possa respirar e crescer com isso. 
Outra questão é a linearidade como são tratados os textos, falta criar cores, climas e intensidades diversificadas diferentes das que já foram atingidas. E elenco bom se tem para efetivar isso. Destaco no elenco a presença de Marta Brito, a Savine adulta, pois sua presença em cena é hipnotizante, com ações comedidas e sutis, tem força e presença cênica surpreendente. Ana Sphor e Bruna Johan também tem registros interessantes e Juliano Rangel enquanto urso é um pouco caricato, mudando quando entra como Cristovão. 
"As cinco pontas..." é tocante, bonito e complexo em sua essência e em seus textos bem estruturados, que consegue elevar a qualidade do festival, trazendo um espetáculo com uma outra linguagem, que não é a que estamos acostumados a ver em festivais. Que bom que temos grupos assim, que pesquisam e não se deixam levar por propostas fáceis e de resultados rápidos. 

Duração: 45min Diretor: Maurício Fulber
Autor: Maurício Fulber Classificação etária: 12 anos
Contra-regra: Claudir Fulber
Operador de Som: Maurício Fulber
Criador da trilha sonora: Maurício Fulber
Operação de luz: Casemiro Azevedo
Criador da iluminação: Casemiro Azevedo
Maquiador: o grupo
Criador da maquiagem: André Schenkartkzuk
Figurinista: Vergílio Lopes
Cenógrafo: Vergílio Lopes
Elenco 
Ana Spohr Savine Criança
Juliano Rangel Dante/Cristóvão
Martha Brito Savine Adulta
Bruna Johann Savine Adolescente



LA VITTA É VECCHIA (RS)


REMINISCÊNCIAS DE UMA VELHA SENHORA

"La vitta é vecchia" é um espetáculo solo onde Luise Scherer personifica a figura de Dona Firmina, uma velha senhora que vive solitária em sua casa e para passar o tempo trás a tona suas reminiscências.
Luise consegue sustentar sua figura durante todo o espetáculo, o que falta a montagem é a definição de uma dramaturgia que consiga amarrar as diversas histórietas que estão em cena. Em muitos momentos a narrativa se impõe através de uma descrição, por exemplo: quando ela diz, vou tomar vinho, e o mais interessante seria transformar essa descrição em ação. Outro problema é a direção de Régis D'ávila que tem um material potente em suas mãos, porém não consegue explorá-lo de modo a transformar a encenação em algo que consiga ao mesmo tempo divertir a platéia e mostrar a que veio a personagem. As cenas não conseguem criar uma dramaturgia que auxilie a mostrar as diversas facetas desta figura, são fragmentos soltos que muitas vezes não levam a nenhum lugar. 
Penso ainda que algumas cenas em que abre para a platéia o jogo se fragiliza e não se estabelece. A ideia de passar o biscoito aos seus visitantes é boa, porém dependendo do tipo de plateia o jogo pode não se efetivar, como acontece de certo modo em Montenegro.
As ações de Firmina não são orgânicas e muitas vezes tendem a colocar a figura no esteriótipo da velha. 
O cenário realista ao extremo prende um pouco a atriz, sendo que uma dica fosse o grupo apostar mais na teatralidade da cena, onde cenas como a do rádio possam ganhar mais espaço na peça.  
Penso que este espetáculo possa ganhar muita força ao investir primeiro numa dramaturgia mais redondinha, segundo numa direção que não deixe a atriz tão solta e terceiro que pudesse ser apresentado num espaço mais intimista, com uma platéia reduzida, para que a comunhão possa acontecer efetivamente.

Diretor: Régis D’Ávila
Autor: Luise Scherer e Régis D’Ávila
Classificação etária: 12 anos
Contra-regra: Luciano Gabbi
Operador de Som: Jeferson Ilha
Criador da trilha sonora: Folclore italiano
Operação de luz: Régis D’Ávila
Criador da iluminação: Régis D’Ávila
Maquiador: Camila Borges
Criador da maquiagem: Camila Borges
Figurinista: Cândice Lorenzoni
Cenógrafo: O grupo

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

A MOÇA BONITA DA LINHA DO TREM (RS)


Megera domada dos pampas

"A moça bonita da linha do trem" é o espetáculo de abertura do 3° Montenegro em Cena, e na minha opinião começamos os trabalhos muito bem. O espetáculo traz a cena a história de amor de Maria Helena e Danilo, história essa que tem como pano de fundo a colonização da região de origem do grupo. 
O espetáculo é cheio de méritos a começar pela direção presente e eficiente de Marcos Cardoso, que consegue articular muito bem todos os elementos da encenação, assim como o elenco numeroso (14  jovens atores). 
Quando o espetáculo começa salta aos nossos olhos o imenso cenário, que além de ambientar a peça tem um papel fundamental no andamento da história. Ele auxilia nas trocas de ambientes e climas e tem um serviço de contra-regragem bastante eficiente e preciso, realizado pelos próprios atores. Esta contra-regragem é o momento onde a teatralidade aflora na cena, é o momento em que os atores despojam-se de suas figuras para brincarem de fazer teatro, é o momento da quebra da ilusão, e isso é bastante positivo. O cenário móvel valoriza as cenas de ação e joga com o poder da imaginação do espectador, pois sugere a presença de um trem, provocado apenas pelo movimento de vagões e lanternas, assim como as galinhas dentro da gaiola, ou seja, elementos que estão presentes, mas provocados pelo imaginário criado pelo espetáculo. 
Outro destaque é a dramaturgia que consegue criar uma narrativa que contemple tanto os elementos regionais que é um dos motes de pesquisa do grupo dentro de uma chamada Trilogia Campestre (esta é a segunda parte da trilogia), e consegue contemplar o elenco, distribuindo as figuras criadas, onde cada um tem um papel fundamental dentro da peça.
Como é bom ver um trabalho continuado com atores na faixa de 10 a 17 anos... É engraçado falar isso, trabalhado continuado com pequenos, mas neste trabalho percebemos no palco, as peculiaridades que são advindas desta prática.
A encenação é de uma limpeza na sua concretização, tudo está a serviço da cena conduzidos por um tempo-ritmo ideal para se contar a história. A iluminação é pontual sem grandes movimentações e trocas, assim como a trilha que tem o papel de pontuar as ações e trocas de cenas, as vezes utilizada de forma demasiada, as vezes para tentar provocar através da inserção sonora a emoção do público, fato que é desnecessário, senão vira melodrama, fica over, fato que não chega a comprometer, pois a ação já está me dando estes elementos direto na cena que não seria preciso de interferência sonora.
Os figurinos estão totalmente dentro da proposta da encenação, sem exageros, simples, porém conseguem dizer muito a respeito de cada figura representada. 
As passagens de tempo são de uma sutileza poética que pela forma como são executadas cativam o espectador e voltar com o casal de enamorados ao final do espetáculo dá uma sensação de circularidade, pois aquele casal do final pode ser o mesmo lá do inicio, ou até mesmo pode ser um novo casal, até mesmo seus filhos, pois histórias assim sempre costumam acontecer.
E quanto ao elenco, posso dizer que seguramente é coeso na sua totalidade, todos estão entregues, não há como dizer que ator A é o principal e o B é coadjuvante, pelo fato que a direção consegue equalizar muito bem o jogo e a construção destas figuras, evidenciando o que cada um tem de melhor, e isso é tão bom de se ver em cena, quando todos conseguem brilhar a serviço da encenação. 
O espetáculo está de parabéns, pela proposta de colocar no palco as suas histórias, seus dilemas, suas memórias construindo uma dramaturgia que se alimenta do seu chão, sua terra. O texto tem inspiração em "A megera domada" de Shakespeare, mas apenas parte de inspiração e motes, criando uma história totalmente original e bem diferente da do Bardo, conseguindo um resultado totalmente positivo. Está de parabéns por colocar em cena atores tão jovens (o mais novo tem 10 anos), e tão íntegros e entregues no seu ofício. 
Vida longa ao Deixa Quieto e viva a diversidade cultural e regional!!!
   
Diretor: Marcos Cardoso


Autor: Marcos Cardoso

Contra-regra: o Grupo
Operador de Som: Marcos Cardoso
Criador da trilha sonora: Marcos Cardoso
Operação de luz: Lenin Souza
Criador da iluminação: Dionatan Rosa
Maquiador: Mirella Renner
Criador da maquiagem: Mirella Renner
Figurinista: Marcos Cardoso
Cenógrafo: Marcos Cardoso













segunda-feira, 4 de agosto de 2014

BUKOWSKI - HISTÓRIAS DA VIDA SUBTERRÂNEA (RS)

Foto: Izabel L.

Propriedade e profundidade em transposição teatral

Assim como a obra de Bukowski é minimalista, o espetáculo “Bukowiski – Histórias da vida subterrânea” é extremamente minimalista e detalhista. O grupo Depósito de Teatro faz um mergulho vertical na obra do autor maldito e refaz sua vida através de fragmentos de uma obra estilhaçada e pautada por uma literatura autobiográfica. 
A obra de Bukowiski é de um estilo extremamente livre e imediatista, não transparecendo demasiadas preocupações estruturais. Dotado de um senso de humor ferino, auto-irônico e cáustico. E a encenação do Depósito vai direto neste ponto, sendo extremamente fiel a este universo Bukowiskiano, recriando no Teatro de Arena uma atmosfera que auxilia ao espectador a adentrar no clima da história. A produção espalha por todo o teatro dezenas de garrafas de bebidas, embalagens de cigarros vazias e uma cama que avança pela plateia; além de uma geladeira, responsável por refrigerar as bebidas consumidas pelos atores durante o espetáculo. 
A dramaturgia de Modesto Fortuna é pautada pela fragmentação, utilizando recortes da obra do autor, conseguindo concentrar no espetáculo uma obra que teria diversos caminhos a serem escolhidos, porém penso que a estrutura proposta por Fortuna foi muito acertada, pois trás a cena episódios fragmentados, mas pela forma como foi costurada demostra exatamente um Bukowski humano, com as suas fraquezas e qualidades expostas, trazendo a tona personagens marginais, prostitutas, sexo, alcoolismo, ressacas, corridas de cavalos, pessoas miseráveis e experiências escatológicas através de uma verborragia que dá o tom ao trabalho. 
Após assistir ao espetáculo penso que este projeto pode (senão é?) ser considerado um projeto de vida de seu mentor Roberto Oliveira, pois o resultado é de tamanha propriedade e profundidade que é difícil pensar este projeto sendo executado por outros artistas de Porto Alegre. Digo isso e abro um parênteses para falar que acompanho a trajetória do Roberto frente ao Depósito há algum tempo, e que nas tradicionais Bagasextas já havia ali um pouco deste universo anárquico Bukowskiano, lógico que tratava-se de coisas totalmente diferentes, mas a essência estava ali, assim como nas encenações de Plínio Marcos, outro maldito. Assisti as encenações de “O auto da compadecida”, “O pagador de promessas”, “Hilda Hist in Claustro”, “Medusa de Rayban”, “Grávidas”, “O que seria do vermelho...”, “Solos Trágicos” e “Aquelas Duas” e digo sem pestanejar que “Bukowski” é uma das grandes obras primas do Depósito, juntamente com a “Compadecida”. Isso demonstra minha admiração pelo trabalho do grupo, mas chega de saudosismo e retornamos ao projeto atual que no meu ponto de vista eleva a qualidade dos trabalhos apresentados neste ano em Porto Alegre. 
Roberto Oliveira está soberbo em cena, personificando o velho safado com nuances que demostram as várias facetas, ora é duro, violento, sarcástico, ora é tenro, tranquilo, ora verborrágico, sexual, escatológico, ora pensativo e reflexivo. Oliveira demostra através de sua experiência que tem todas as qualidades que um ator precisa ter para interpretar um personagem como este: complexo e cheio de nuances, e Roberto acerta muito. Como atua e dirige ao mesmo tempo credito parte dos seus méritos a IsandriaFermiano, sua assistente, que deve ter auxiliado muito na construção deste e demais personagens. 
Os demais atores estão muito bem, conseguem alcançar registros excelentes que apoiam a atuação de Roberto Oliveira, que só não é o centro das atenções por se cercar de atores tão bons quanto ele. Marcelo Johann triunfa em suas construções, criando figuras diferentes que auxiliam no desencadeamento da narrativa onde as mulheres são o foco, interpretando a figura de Jimi e o pai. Elisa Heidrich é entregue e sua presença é fundamental no desenvolvimento do espetáculo. Francine Kliemann é intensa e imprime uma verdade nas suas construções. Aline Picetti é uma revelação, não conhecia seu trabalho e surpreende muito com sua Tami. O elenco feminino é ótimo, mas o destaque fica com PittiSgarbi que arrasa nas construções de Jane e Edna, que entrega fantástica, que atriz maravilhosa, que mergulho sensacional, pois consegue construir personagens tão humanos que chegam a hipnotizar tamanha a entrega, revelando uma angústia tão grande que faz um contraponto a figura construída pelo Roberto. 
A produção como um todo está de parabéns, desde a iluminação de Fabiana Santos, a trilha sonora pesquisada de Oliveira e Kliemann, os figurinos de Elisa que auxiliam muito na composição da cena, o cenário que reconstrói o Arena, enfim, tudo está a serviço do espetáculo. 
Destaco também as ótimas ilustrações que são projetadas nas paredes do teatro, assim como os vídeos utilizados em cena, que diferente de outros espetáculos autodenominados pós modernos, são muito bem aproveitados em cena, como demostra no ótimo tempo da cena da Tami com sua amiga conversando com Bukowski ao telefone. 
Enfim, o que mais posso dizer de um espetáculo repleto de méritos, que trás a tona um dos autores mais emblemáticos e celebrados da literatura mundial e que consegue com muito sucesso fazer valer a transposição para a cena de todo o universo do referido autor, e digo mais, se Bukowski vivo fosse, estaria com certeza honrado com tamanha entrega, respeito e propriedade que sua obra está sendo encenada no palco. 

Direção: Roberto Salerno de Oliveira
Assistência de Direção: Isandria Fermiano
Dramaturgia: Modesto Fortuna
Elenco: Roberto Oliveira, Marcelo Johann , Elisa Heidrich, Francine Kliemann, Pitti Sgarbi e Aline Armani Picetti.
Iluminação: Fabiana Santos
Cenário: Modesto Fortuna 
Figurinos: Elisa Heidrich
Orientação coreográfica: Andrea Spolaor 
Produção Áudio Visual: Pátiovazio
Fotografia e Arte Gráfica: Jéssica Barbosa 
Assessoria de Comunicação: Liane Strapazzon
Divulgação nas redes sociais: Fernanda Fávero
Produção Executiva: Joice Rossato
Produção Geral: Depósito de Teatro
Classificação: 18 anos


#Viva Bukowski vivo! Viva o bom teatro! 
#vivaobomteatro


quarta-feira, 28 de maio de 2014

MARCHA PARA ZENTURO (SP/MG)


marcha
Foto: Guto Muniz






ARREBATADOR JOGO DE TEMPOS E APARÊNCIAS

"Marcha para Zenturo" é um espetáculo arrebatador! Arrebatador e complexo em suas diversas interfaces. A começar pela dramaturgia de Gracê Passô, que mais uma vez impressiona pela qualidade e ousadia. O texto demostra que Passô segue sua inquietante pesquisa na dramaturgia contemporânea e aqui realiza um jogo onde evidencia a questão do tempo. Os personagens da narrativa não conseguem se comunicar, ao se encontrar após 18 anos para comemorar o réveillon de 2441. Poderíamos dizer que trata-se de um espetáculo futurista, com temática a frente do nosso tempo, porém o comportamento dos personagens detona que o enfoque é muito atual, pessoas que se encontram mas não conseguem se comunicar, conversam mas não se entendem, mas o texto vai muito além disso. Consegue articular elementos complexos e arrojados tratando-se de dramaturgia. Poderia dizer que o texto é o grande destaque da  encenação, mas "Marcha para Zenturo" é um grande espetáculo em sua totalidade, a direção de Luiz  Fernando Marques é magnifica, pois consegue articular diversos elementos contidos na dramaturgia e em virtude disso, a cena teatral pulveriza a percepção e dá ênfase a aspectos que no texto teatral seriam considerados irrelevantes. Informações desconexas, ações desencontradas, tempos e contratempos. Tudo isso é colocado em cena de forma teatralizada, articulada e inovadora, mostrando que o teatro para nos emocionar realmente é necessário que esteja ao mesmo tempo distante e próximo, assim como os personagens da trama, seja algo inesperado e esperado, e todo tempo isso é colocado em jogo.
Quanto ao elenco, é um coletivo tão coeso que é difícil destacar alguém. Mérito do diretor. Mérito dos atores que se colocam no tempo/espaço da narrativa, disponíveis e entregues ao projeto, ninguém destoa do todo. E isso é possível graças ao trabalho de grupo e aqui é o trabalho de dois grupos, dois dos mais inventivos do atual teatro brasileiro. O coletivo atravessa todo o trabalho e isto evidencia a qualidade da interpretação. Grace, Gustavo, Janaína, Juliana, Marcelo, Paulo, Rodolfo e Ronaldo tornam Zenturo um grande jogo de tempos e aparências em que o espectador tem que ter a disponibilidade de entrar e jogar. Um misto de angústias, revelações, metáforas e desencontros que me fazem pensar: é isto mesmo que estou assistindo ou meu relógio está errado? 
O cenário evidencia estes aspectos acimas abordados, colocando todos num espaço reduzido, pois o palco delimita o espaço da ação, todos estão muito perto uns dos outros e ao mesmo tempo muito longe. A presença do elemento gelo em cena, além de ser um elemento esteticamente interessante, brinca com uma metáfora, pois o gelo é o estado sólido da água, sua densidade é inferior a da água, e seu ponto de fusão é de 0 ºC a uma atmosfera de pressão. A mesma massa de água em estado líquido ou sólido tem volume diferente. Ao meu ver, os personagens representam exatamente estes estados do gelo, mergulham em densidades diferentes, ora se diluem, ora se constituem, congelam aparências e se desmancham diante situações limites, e ao final o que resta são situações liquidas, diluídas onde não há espaços para se esconder, não há espaço para se desencontrar, afinal o tempo é o agora e não podemos fugir disso. 
Tarefa difícil discorrer sobre este trabalho tão belo e tão complexo em sua essência. Espetáculo instigante e imperdível! 

#palcogiratoriors

Concepção: Grupo XIX de Teatro e espanca!
Direção: Luiz Fernando Marques
Dramaturgia: Grace Passô
Elenco: Grace Passô (Nina), Gustavo Bones (Gordo), Janaina Leite (Noema), Juliana Sanches (Lóri), Marcelo Castro (Patalá), Paulo Celestino (Bóris), Rodolfo Amorim (Marco) e Ronaldo Serruya  (Konstantin)
Iluminação: Guilherme Bonfanti
Projeto Áudio-visual: Pablo Lobato
Treinamento de View Points: Miriam Rinaldi
Oficina de Interpretação: Ana Lúcia Torre
Cenário: Luiz Fernando Marques, Marcelo Castro, Paulo Celestino e Rodolfo Amorim
Figurino: Gustavo Bones, Janaina Leite, Juliana Sanches e Ronaldo Serruya
Trilha Sonora: Luiz Fernando Marques
Técnicos e Operadores de Luz: Amanda Magrini e Edimar Pinto
Assistente de Ensaios: Thiago Wieser
Produção: Aline Vila Real (espanca!) e Graziela Mantovani (grupo XIX)
Duração: 90 min
Classificação: 14 anos

espetáculo realizado com recursos do projeto “Co-Habitação”, do Grupo XIX de Teatro – patrocinado pela PETROBRAS através do Programa PETROBRAS Cultural.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

PEEP CLÁSSIC ÉSQUILO (SP)


NOVOS PARADIGMAS DO TEATRO BRASILEIRO

Nos dias de hoje, em função da diluição da fábula e da desconstrução de sentidos, o reconhecimento da dramaturgia clássica cede lugar, na dramaturgia moderna e pós-moderna, ao reconhecimento do espectador com base no seu horizonte de expectativa. 
Roberto Alvim através de sua estética em “Peep Clássic Ésquilo” pode ser considerado um reformador do teatro contemporâneo, mas indo além, dado a importância e a amplitude de suas proposições. 
O projeto compreende a encenação de todas as tragédias de Ésquilo, através da radicalidade que é transpor estes clássicos para nossos dias, mas Alvim e sua Club Noir vão muito além, por transgredir códigos teatrais e textuais. Em lugar da peripécia da dramaturgia clássica, tem-se no confronto do espectador com o novo proposto em cena, uma série de peripécias de intenções e sentidos, o espectador reconhece o texto clássico, porém a encenação propõe uma eclosão de sentidos ao propor através do minimalismo uma grande gama de sentidos. 
A chamada pós-modernidade teatral articulou novos padrões de encenação, requisitando do espectador uma percepção centrada nas sensações, ora desconstruindo a fábula e evitando qualquer significado racional, ora centrando a experiência estética no traço mítico ou performático da representação. Mas em “Peep Clássic Ésquilo” o que surpreende é justamente o fato de contemporizar uma série de tragédias, mas sem cair em clichês pós-modernos, pois Roberto Alvim propõe ao espectador uma reinvenção teatral através de uma perspectiva que retira o espectador da sua zona de conforto, e o coloca em uma zona de confronto com a poética empregada em cena. 
Adentramos no teatro e temos apenas um cubo vazado, uma luz branca que permite que o espectador apenas enxergue a silhueta dos atores que quase imóveis destilam seus textos, e aqui o texto é potente, é forte, é a força que move a encenação. Os atores ficam imobilizados e quando se movem é de modo imperceptível, são corpos falantes, e o texto é ação. A palavra é ação. A palavra é intenção. A palavra é coração, É pulsante, é viva. 
Enquanto espectador, nos momentos iniciais fiquei incomodado com a proposta do Club Noir, tentava ver o rosto dos atores, queria ver movimentação, queria ver ação, queria ver teatro. Mas isso não durou muito tempo, pois logo em seguida, fechei os olhos e me deixei ser levado pelo novo, e o novo sempre assusta e incomoda. A partir deste momento percebi que diante de mim estava acontecendo algo diferente e que enquanto espectador de uma sociedade contemporânea, eu deveria estar aberto para conseguir fruir uma nova possibilidade estética. E a partir desta abertura pude então me maravilhar com o projeto, que eu não precisava ver o rosto do ator, que eu não precisava de grandes movimentos de luz, que tampouco precisava de uma trilha sonora para ter uma experiência teatral verdadeira. 
O espetáculo se constrói através de uma linha tensa, através das presenças intensas dos atores. E nunca se falou tanto em “presença” no teatro feito na atualidade, e aqui não vemos o ator e sua expressão facial, mas temos a presença viva e orgânica deste elenco vigoroso, que demostra que para estar vivo no palco, é desnecessário uma série de acrobacias e pirotecnias corporais, mas o uso certo e potente das vozes, a palavra concreta, levada as últimas consequências para provocar o espectador e não apenas emocioná-lo. 
O diretor do espetáculo constrói determinados paradigmas por meio de vários sistemas de significação da cena, mas creio que é a abertura do espectador que faz com que este projeto se torne tão significativo diante do oásis que está o atual teatro brasileiro, necessitando de propostas como esta para se tornar inventivo e representativo diante de tantas banalidades contemporâneas. 
Salve Roberto Alvim e o elenco da Club Noir por proporcionar a plateia de Porto Alegre uma obra potente e radical. Recomendaria o espetáculo, mas me parece que Porto Alegre foi a última estação deste projeto tão necessário que contribui efetivamente na construção de novos paradigmas no teatro brasileiro.

Ficha técnica


Direção, tradução e adaptação: Roberto Alvim / Texto: Ésquilo / Elenco: Juliana Galdino, Paula Spinelli, Gabriela Ramos, Martina Gallarza, Bruno Ribeiro, Fernando Gimenes, Marcelo Rorato, Renato Forner e Ricardo Grasson / Figurino: Juliana Galdino / Iluminação: Roberto Alvim / Produção Executiva: Marcelo Rorato / Recomendação etária: 16 anos / Duração: 50 minutos (cada dia)

sábado, 12 de abril de 2014

O RINOCERONTE (RS)

Foto: Alisson Fernandes





O esfacelamento das aparências

Ao assistir “O Rinoceronte” na Usina do Gasômetro, me veio à mente outro espetáculo que eu assisti este ano, "Medida Provisória", pelo fato que este trabalho trazia à tona a questão das políticas públicas sobre o projeto Usina das Artes, e sobre a questão precária do espaço público destinado a cultura. E a questão do espaço em “O Rinoceronte” é muito latente, principalmente em dois aspectos. O primeiro é relacionado à questão do espaço físico, do espaço destinado à representação, o espaço da Sala 309, que por questões de infiltrações e de segurança não pode contar com iluminação teatral, sendo que a produção teve que improvisar uma iluminação parca e precária para dar conta da peça, sendo que os profissionais tiveram que trabalhar com mínimas condições para não cancelar o espetáculo, como aconteceu com outros trabalhos no inicio do ano em vários teatros da cidade. 
O outro aspecto é relacionado ao espaço da encenação teatral, da boa utilização da sala 309, sendo que a medida que a narrativa avançava, o cenário ia sendo destruído e re-construído, a cada novo espaço, desvelando sob a ótica absurda comportamentos banalizados de uma sociedade conformista. 
Guadalupe Casal através de sua direção consegue dar ao trabalho uma abordagem inusitada e contemporânea, conseguindo retirar do texto de Ionesco uma série de questões atuais, principalmente as metáforas relacionadas ao questionamento de velhos hábitos e comportamentos enraizados, e da própria condição humana, possibilitando a apresentação da realidade sob um ponto de vista inusitado, incitando um pensamento crítico sobre o ser humano e sobre o mundo. 
O elenco é coeso e está a altura da proposta de renovar o texto de Ionesco através de uma abordagem contemporânea, característica do grupo Sarcáustico que potencializa a fisicalidade dos atores e sua disponibilidade. Todos estão entregues e submersos no universo paquiderme, porém destaco a cena final entre Rafael Becker e Amanda Novinski, pois justamente ali, temos a síntese de toda a peça, ou seja, a transformação de hábitos e pensamento de toda uma sociedade, o esfacelamento das aparências. 
Trata-se de um bom espetáculo, demostrando que para se fazer teatro é preciso uma direção criativa, um elenco disponível que abrace a concepção e um público receptivo, se puder contar com uma bela iluminação, ok, se não puder contar, conto com ideias criativas, e isso se tem muito neste grupo. 


Elenco: Amanda Novinski, Carla Gasperin, Daniela Reis, Débora Maier, Heloisa Medeiros, Lucas Schmitt, Paula Souza, Rafael Becker e Thaize Ribeiro. 
Direção: Guadalupe Casal.
Colaboração cênica: Ricardo Zigomático.
Iluminação: Maíra Prates.