terça-feira, 8 de dezembro de 2020

ENCANTO ZUMBI (RS) - CRÍTICA

 



Por Diego Ferreira - Especial MOSTRA CURA*

 

Uma das reflexões que a CURA me provocou ao ler seu manifesto e ver sua programação é o de perceber o fato de o corpo negro ocupar o espaço do protagonismo na cena        e ter uma mostra para chamar de sua. Pode parecer simples, mas isso de fato é o grande diferencial e repleto de significados, pois estamos em Porto Alegre capital do Rio Grande do Sul e isso já diz muita coisa por se tratar de um estado colonizado          e que cultua isso de forma arraigada através de suas tradições. Estamos numa cidade onde a branquitude domina em todos os campos e até mesmo nas artes cênicas e o corpo negro precisava de um espaço onde fosse o centro das atenções, não por egocentrismo ou narcisismo, mas para demarcar territórios negros num estado branco. E Gil Collares através do seu “Encanto Zumbi” demarca um território na cena através do corpo negro potente de seu interprete. “Encanto Zumbi” trás a cena Ganga Zumba e sua chegada ao Brasil na condição de escravizado. Ao chegar é resgatado por negros fugidos e levado a Palmares onde se transforma num grande líder do quilombo transformando o espaço numa fortaleza contra os colonizadores donos de escravos. Após sua morte, seu sobrinho Zumbi, assume o quilombo. A produção faz esse diálogo entre Gamga Zumba e Zumbi neste formato apresentado na CURA, sabendo que “Encanto Zumbi” na sua origem é um musical com elenco numeroso. Mas essa experiência que assistimos num formato pocket, desvela uma justaposição de imagens ricas potencializadas pelo câmera man, onde num primeiro momento acompanhamos Ganga Zumba e depois Zumbi, materializados no corpo de Gil Collares. A versão apresentada é entremeada de canções e fragmento de textos que evocam essas figuras históricas que povoam o imaginário histórico, canções e textos que tem como proposta revelar um episódio da história do Brasil a partir do olhar do contestador, desconstruindo convenções tradicionais, pois aqui Zumbi é elevado ao posto de herói, contrariando a história oficial. Evocar Zumbi na atualidade é reafirmar o valor da história real principalmente após os incontáveis equívocos propagados por esse governo atual principalmente na figura de Sérgio Camargo a frente da Fundação Palmares que tem feito movimentos gravíssimos de apagamento da memória do povo negro. Então resgatar a figura de Zumbi é reafirmar a luta incessante pela transformação social e dignidade do povo negro.

Gil Collares e sua equipe conseguem provocam, mesmo que de modo virtual um arrebatamento que chega aqui do outro lado da tela, principalmente pela potência do corpo negro no centro da cena, assim como a profusão de imagens que esse corpo e voz emanam na cena. Os textos e canções vêm impregnados de uma revolta necessária para um levante que se faz urgente. Das imagens que o trabalho propõe uma que fica para mim é das mãos negras presas por correntes e que em seguida é libertada das correntes, um gesto simples para alguns, mas extremamente simbólico para outros por representar a descolonização desse corpo e de tudo que foi acometido durante todos esses anos de escravização.                                                                                                                                                                                                                                                                                 Direção/Autoria/Adaptação: Gil Collares

Elenco / performers:Gil Collares, Daniel Braga e Cássio Machado

Iluminação:José Renato Lopes

Trilha Sonora:Gil Collares

Figurino:Fabrízio Rodrigues e Gil Collares

Duração:50 minutos

Classificação:Livre

                                                                                                                                                                                            *Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve críticas no blog Olhares da Cena. Integrante da GIRADRAMATÚRGICA – Grupo de Estudos em Dramaturgia Negra. Integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. Foi jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle.