Por Diego Ferreira*
O presente texto visa
construir uma reflexão sobre a presença e a representação feminina no
espetáculo “O feminino sagrado”, trazendo para o diálogo aspectos
característicos da transmissão de saberes das religiões afro-brasileiras,
focando no trânsito da performance ritual sagrada para a performance artística.
Aqui, saliento a importância da CURA enquanto plataforma de promoção de
trabalhos e performance negra, de protagonismo do corpo negro na cena
contemporânea em tempos pandêmicos e também enalteço a mostra enquanto
construção da memória a partir dos materiais virtuais produzidos para a mostra
mas que permanecem enquanto documentos vivos para a posteridade e isso é de
suma importância enquanto construção das nossas próprias memórias, algo que
precisa ser repensado nas artes cênicas. E falar sobre o trabalho de Iara
Deodoro a frente do seu Afro-sul é remexer e enaltecer a memória e a cultura de
resgate do povo negro gaúcho e aqui especificamente enaltecer mulheres fortes,
mulheres reais. O trabalho é uma espécie de documentário que mescla a fala das
mulheres/bailarinas que presentificam no espetáculo as Yabás e os espíritos
ancestrais femininos ali representados, sob a perspectiva da relação corpo x
espiritualidade e as associações possíveis com as mulheres contemporâneas. E
neste doc. é apresentado fragmentos do espetáculo filmado anteriormente e agora
pontuado com a fala dessas mulheres. O trabalho por si só já é emocionante por
resgatar toda a história e importância do Afro-sul na cena e nas manifestações
populares e por colocar Iara Deodora num lugar de destaque por seu importante
trabalho não apenas na cena, mas em projetos sociais que evidenciam que falamos
aqui muito além do que assistimos na cena. Ouvir a fala destas mulheres e ao
mesmo tempo ver fragmentos do espetáculo é emocionante por trazer consigo um
misto de emoções e de vir carregados de significados e de vivências que
extrapolam a cena e borram vida/arte. Ao mesmo tempo em que identificamos uma
narrativa que busca aproximar as lendas e mitologias dos orixás femininas,
também acompanhamos a trajetória de mulheres reais, fortes, mães que estão ali
expondo suas lutas e dores, suas vitórias e memórias diante do olhar atento dos
espectadores. O fragmento final onde mostra a própria Deodoro em cena é de
embargar o coração e se permitir a expurgar as emoções e lágrimas. Parabenizar
os profissionais que construíram esse documentário, pois conseguiram na medida
explorar e expor o humano e o artístico se é possível separar isso. Resistência,
representatividade, ancestralidade, negritude e o protagonismo estão a frente
deste projeto importante e necessário na vida cultural da cidade, estado e
país. Que possamos valorizar cada vez mais o trabalho de instituições como o
Afro-sul e vislumbrar a maravilha do feminino sagrado.
Direção: Iara
Deodoro
Bailarinos:T
habata Ferreira, Carla Souza, Maria Da Graça Penha, Edjana Deodoro, Leciane
Ferreira, Taila Souza, Taise Souza, Jaqueline Jesus, Fernanda Pereira, Camila
Camargo, Gisele Mendonça, Mauren Martins, Deise Freitas, Leonardo Da Silva,
Nathalia Dornelles, Miguel Rosa, Bruna Marcondes.
Bailarinos mirim: Murilo
Deodoro, Ana Clara Martins, Enrico Baraibar, Isabela Martins, Lorenzzo Martins,
Yasmin Souza, Marina Freitas, Pedro Henrique Freitas, Bruno Amaral, Alice
Martins.
Trilha Sonora: Maestro
Marco Farias
Músicos: Janaína
Caceres, Carine Brazil, Gustavo Vasques, Philipe Vasques, Paulo Romeu Deodoro
Figurinos: Luiz
Augusto Lacerda
Iluminação: Paulo
Renato Costa
Sonorização: José
Derli Rodrigues
Poetas: Ana
Dos Santos Poetisa, Isabete Fagundes Almeida, Jorge Fróes, Maumau De Castro,
Nádia Lis Severo
VJ: Augusto
Santos
Fotógrafo: Bruno
Gomes
Intérprete dos poemas: Camila
Coronel
Duração: 60
minutos
Classificação: Livre
*Diego
Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve críticas no blog Olhares da Cena.
Integrante da GIRADRAMATÚRGICA – Grupo de Estudos em Dramaturgia Negra.
Integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado
por Diones Camargo. Foi jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio
Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e
Unilasalle.