terça-feira, 11 de abril de 2023

TRAGO SORTE, MENTIRA & MORTE (RS)




15 ANOS DE TRABALHO CONTINUADO E REFERENCIA DO TEATRO GAÚCHO


por Diego Ferreira*


O grande mérito de assistir "Trago sorte, mentira & morte" já inicia pelo próprio título do espetáculo, esse jogo de palavras dúbias que se instala durante toda a produção. Esse "trago" que pode ser do verbo "trazer" a sorte mas ao mesmo tempo o "trago" se refere a bebida, a cachaça que embriaga as mentes e corações das figuras que desfilam durante a narrativa. Nessa produção onde o grupo Cerco comemora 15 anos de competente pesquisa teatral, o coletivo se arrisca no sentido de a cada trabalho estar se reinventando em relação a sua própria linguagem e poética de trabalho. No novo espetáculo o que me surpreende de imediato é a dramaturgia proposta por Celso Zanini, uma escrita que utiliza o recurso da rima enquanto um recurso estilístico, que traz a montagem um ritmo, uma sonoridade e principalmente uma musicalidade na palavra, alias um bom trato a palavra escrita e tornada viva na performance dos atores.  "Trago sorte, mentira & morte" é um espetáculo com uma narrativa atemporal, uma típica comédia de trapaças com personagens caricatos e cômicos inspirados na comédia dell'arte. A narrativa coloca em um bar decadente, personagens boêmios que vivem imersos em bebidas, jogos e sedução. Nesse ambiente degradado lutam por sua sobrevivência e pelo seu prazer. "Trago Sorte Mentira & Morte" é uma opereta rock repleta de malandragem e feitiçaria onde a ganância mortal encontra a morte e o sobrenatural. Na trama tem trapaças, ambição e a disputa pelo poder e dinheiro.  Encontramos Valentin, um trambiqueiro malandro, e Tom, um trapaceiro de jogos de azar,  que têm seu caminho cruzado por Marquito, um político argentino, e Lívia, uma sedutora femme fatale. Interessados pelas habilidades de Valentin, Marquito e Lívia o inserem no mundo da política ambicionando o enriquecimento. E partindo dessa premissa Celso Zanini presenteia o espectador com uma trama cheia de idas e vindas numa escrita alucinante recheadas de números musicais que também são destaques da montagem. Com canções do próprio Zanini e direção musical de Simone Rasslan,  que mais uma vez é cirúrgica na direção e construção de uma dramaturgia musical, constroe junto a banda que é no mínimo espetacular uma dramaturgia sonora que está totalmente integrada ao enredo do espetáculo. E como isso funciona bem no todo, as canções entram de modo orgânico e não apenas como uma inserção mecânica, as trilhas fazem parte do todo e é um dos pontos altos da produção que sempre se faz presente nos trabalhos do Grupo Cerco, mas aqui verticalizam o seu uso pelo fato de ser apresentado como um musical onde os atores cantam, dançam e representam afinados musicalmente e fisicamente. Coisa boa assistir essa produção que celebra o ato de estar no palco, a vida, a alegria após momentos tensos. Momento de celebração, de compartilhamento de alegrias e de pequenos momentos de suspensão do nosso cotidiano para adentrar no espaço/tempo fabular do espetáculo que é uma delícia de assistir. E apenas para citar um desses momentos de suspensão que é a cena que invoca a morte, uma cena que tem o caráter espetacular, com alto teor de uma poética que se manifesta no todo, mas ali é uma cena de puro deleite onde estão justapostos a teatralidade, a estética e a criatividade. Desde a concepção a execução o grupo Cerco é impecável na unidade do seu elenco, na acertada direção de atores e direção musical, e na criação estética do espetáculo que tem figurinos, maquiagem, iluminação e cenários todos a serviço dessa grande festa que se torna o espetáculo. Uma das boas estreias da retomada do teatro. 


FICHA TÉCNICA

Criação coletiva: Grupo Cerco

Direção Cênica: Inês Marocco e Kalisy Cabeda

Direção Musical e Preparação Musical: Simone Rasslan

Dramaturgia: Celso Zanini

Elenco: Anildo Böes, Bruno Fernandes, Camila Falcão, Elisa Heidrich, Manoela Wunderlich, Martina Fröhlich, Philipe Philippsen

Banda: Frigo Mansan, Gabriela Lery, R. Fernandez

Composição Original das Canções: Celso Zanini e Sanatório Rock Blues

Arranjos: Frigo Mansan, Gabriela Lery, R. Fernandez e Simone Rasslan

Cena Sonora Original: Grupo Cerco e Banda

Desenho de Luz: Ricardo Vivian

Operação de Luz: Roger Santos

Desenho de Som: Rodrigo Rheinheimer

Cenografia: Rodrigo Shalako

Concepção de Figurinos: Valquíria Cardoso

Confecção de Figurinos e Adereços: Valquíria Cardoso, Alex Limberger e Mari Falcão

Maquiagem: Anildo Böes, Camila Falcão, Manoela Wunderlich e Martina Fröhlich

Preparação Corporal: Anildo Böes e Manoela Wunderlich

Preparação Vocal: Philipe Philippsen e Simone Rasslan

Programação Visual: Marina Kerber

Gestão de Redes Sociais: Elisa Heidrich

Fotos para Divulgação: Adriana Marchiori

Assessoria de Imprensa: Tatiana Csordas

Produção e gestão: Daniela Lopes / Cardápio Cultural

Apoio: Copystar, Grupo Press e Pastel com Borda

Realização: Grupo Cerco


*Diego Ferreira - Editor do Olhares da Cena. Dramaturgo, Professor e Crítico de Teatro. Graduado em Teatro/UERGS. Curador do 28º Porto Alegre em Cena. Integrante da Comissão Julgadora do 9º Prêmio Nacional de Dramaturgia Carlos Carvalho. Vencedor do Prêmio Açorianos 2021 na categoria Ação Periférica com o projeto "Três tempos para a Dramaturgia Negra no RS."