sexta-feira, 13 de setembro de 2019

ABOBRINHAS RECHEADAS - DANCE A LETRA (RS)


ABOBRINHAS RECHEADAS COM MOLHO DE INOVAÇÃO E CRIATIVIDADE

por Diego Ferreira*

É possível hoje criar algo novo na dança contemporânea? 
Ainda é possível se desvencilhar de códigos e convenções batidos e já ultrapassados? 
Sim, é possível ainda se utilizar da criatividade e inovação na dança para criar novos mecanismos, e para isso acontecer é necessário retroceder para avançar na construção de novos paradigmas quando tratamos de criação em dança.
A obra "Abobrinhas Recheadas - Dance a Letra" se constrói com diversos vocabulários corporais e apresenta um espetáculo repleto de elementos cômicos, apresentados de forma teatral, levando ao público uma série de coreografias em duplas, solos e em grupos, fazendo referência a cultura pop mas com alta sofistificação criativa e inventiva. 
Assim se dá uma dança-rapsódia-infernal irreverente, brincalhona, provocadora, indecente, furiosa, astuciosa e sensual. Uma dança emanada por um corpo carregado de outros, de contradições, ambiguidades, bens e males, ou seja, um corpo humano, de gente, da nossa gente e ainda ri de si e de nós. O mais interessante é a pesquisa ddança com o humor e o quanto isso acarreta na qualidade do trabalho. Para fazer rir é necessário ser sério antes, é é justamente essa seriedade que percebo no trabalho da Macarenando Dance Concept, nas suas ações e modos de produção e como isso acarreta nos modos de sobrevivência do seu trabalho e a interferência na cultura local.  
O espetáculo é bastante simples se o espectador desavisado atentar apenas para as coreografias que codificam literalmente as letras de música do nosso cancioneiro popular, porém penso que o trabalho é consistente justamente por fomentar as discussões sobre estereótipos em diversos tipos de dança e isso não é tão simples como parece, pois é preciso pensar, experimentar para conseguir desconstruir e construir novos paradigmas no cenário da dança. E o grande mérito da Macarenando é esse, pois apresenta um trabalho autoral, coerente e extremamente engraçado. Diego Mac e Gui Malgarizi foram muito feliz na concepção do espetáculo e Daniela Aquino, Diego Mac, Juliana Rutkowski e Nilton Gaffree são brilhantes em suas composições, através dos seus gestos e coreografias conseguimos nos identificar com o demonstrado em cena. Todos os bailarinos destilam competencia para criar pequenos números de dança neste grande picadeiro e destilam humor e capacidade de extrair de seus corpos em movimento graça e comunicação direta com o espectador. 


FICHA TÉCNICA  
 Direção e coreografia: Diego Mac e Gui Malgarizi  Bailarinos: Daniela Aquino, Diego Mac, Juliana Rutkowski e Nilton Gaffree  Produção: Sandra Santos  Assistência de produção: Giulia Baptista Vieira e Arthur Bonfanti  Iluminação: Gui Malgarizi e Sandra Santos  Operação de som: Dani Dutra  Fotos: Gui Malgarizi e Dani Dutra  Arte gráfica: Diego Mac  Duração: 75 minutos  Classificação etária: livre  Realização: Macarenando Dance Concept 


*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. 

sábado, 7 de setembro de 2019

VIRA E REVIRA - NA COZINHA TUDO VIRA POESIA (RS)


BOA RESSIGNIFICAÇÃO DE OBJETOS NO TEATRO DE ANIMAÇÃO

*Diego Ferreira


O espetáculo "Vira e revira - na cozinha tudo vira poesia" coloca em cena dois cozinheiros que estão meio amargurados da vida e encontram um renovo entre os utensílios da sua cozinha. O espetáculo se utiliza de várias linguagens para exaltar a poesia cênica como o teatro de animação de objetos, a linguagem clownesca,  o teatro físico aliado a uma língua inventada e a participação da platéia. Em sua essência a produção é bastante simples em todos os aspectos, mas a relação com os objetos é potencializada através do deslocamento da sua função original  e conferindo-lhes novos significados, sem transformar, porém, a sua natureza, explorando uma dramaturgia que se vale de figuras de linguagem, em detrimento da importância da manipulação propriamente dita. Dentro deste conceito, novos significados foram dados a colheres e utensílios que todos temos na nossa cozinha, sem transformar a sua natureza, por meio de associações que se podem dar pela forma, pelo movimento, pela cor, pela textura, pela função do objeto. Neste aspecto o Teatro Nó Cego consegue grande êxito que é o de dar vida a objetos inanimados. No aspecto das figuras clownescas penso que o grupo juntamente com a direção poderia aprofundar um pouco mais a essência do clown, uma linguagem que coloca em cena o ridículo das relações calcado na verdade do intérprete. As vezes o jogo estabelecido é rompido pelo fato das figuras potencializarem a caricatura ao invés de uma energia característica da linguagem do palhaço. Mas Morgana Rosa e Alexandre Malta tem segurança, empatia e domínio do trabalho e conseguem apresentar um espetáculo cativante. Outros elementos como cenário, figurinos, iluminação e trilha sonora são extremamente simples mas cumprem sua função dentro do espetáculo que tem como destaque a participação ativa do espectador, que embarca na poesia criada através do mundo dos objetos. Um espetáculo leve, divertido e indicado a todas as idades.

FICHA TÉCNICA:
Direção: Juliano Canal
Elenco: Alexandre Malta e Morgana Rosa
Apoio técnico: Brenda Fernandez
Classificação: Livre
Duração: 50 minutos

*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. 

5 MARIAS (RS)


RESGATE DE BRINCADEIRAS EM ESPETÁCULO INFANTIL

por Diego Ferreira*


"5 Marias" é um espetáculo bastante simples voltado ao público infantil que retrata no palco a perda da inocência da criança e implica no ato de suspensão da brincadeira. A começar pelo título a produção resgata o valor da brincadeira na infância através da arte teatral através de um pequenino trabalho. A dramaturgia da peça se constrói através de uma linguagem não verbal, numa lingua inventada, uma espécie de gromelô e versa sobre o ato de brincar. Como o espetáculo é sem palavras o elenco poderia se permitir a brincar mais em cena, potencializando o jogo através de brincadeiras e a utilização de um gestualidade que se comunicasse melhor com o espectador. O cenário e iluminação são belíssimos e conseguem provocar o espectador a adentrar neste outro universo lúdico. Cabe também a necessidade de criar atmosferas que aproximem o público da proposta do trabalho.

Já que o espetáculo trás as brincadeiras a tona de uma maneira muito lúdica, uma dica seria a de perceber o pequeno espectador na platéia, não fechando a quarta parede, pelo contrário ver em que momento incluir ele na brincadeira pois na sessão que fui tinham crianças que estavam ávidas para participar, porém o elenco estava fechado e por isso perde-se a possibilidade de incluir o pequeno espectador no ato de brincar e se o trabalho se propõe a isso, o interessante seria estar atento as reações da platéia. Outra questão que vale ressaltar no espetáculo é quanto ao elenco formado apenas por atrizes que representam uma diversidade, colocando em cena atrizes que já tem uma grande experiência e estão ali, disponíveis embarcando na grande aventura teatral.
A direção consegue perceber as possibilidades que seu elenco oferece e transforma tudo em poesia e brincadeiras.
Mas no geral o espetáculo é lindo em sua essência, carecendo aprofundar a relação do brincar com as atrizes, e estarem atentas ao pequeno público.



Ficha Técnica:
Direção e Dramaturgia: Leticia Kleemann
Assistência de Direção: Italo Cassará
Atuação: Danielle Salmória, Elizabeth d ́Avila Seadi, Maria Schwertner, Maria Cacilia Sandri e
Maria Cristina D Schuler
Cenografia: Coletivo Tramando Arte
Sonoplastia: Adriano Kleemann
Técnica de Áudio: Pedro dos Santos
Criação de Luz: Leandro Gass
Operação de Luz: Veridiana Matias
Figurino: Grupo
Arte e Fotografia: Jean Pierre Kruze
Assessoria de Comunicação: Amanda Hamermüller
Produção: Valeska Barcellos
Assistência de Produção: Everson Silva
Realização: Nós - Cia de Teatro

*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. 

domingo, 1 de setembro de 2019

INIMIGOS NA CASA DE BONECAS (RS)


TRANSPOSIÇÃO ATUAL DE IBSEN NA CENA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA

por Diego Ferreira*


"Inimigos na casa de bonecas" do Projeto Gompa é uma livre transposição para a cena contemporânea dos textos "Um inimigo do povo" e " Uma casa de Bonecas" de Ibsen. Na história atual do Brasil vivemos num tempo de incertezas, retrocessos e todos os dias somos bombardeados com notícias sobre os esquemas de corrupção, manipulação da opinião pública, jogos e armações políticas e as notícias falsas sobre o triste cotidiano que estamos vivenciando. E baseados nestes fatos o projeto consegue encontrar paralelos na obra de Ibsen que ressoam muito na realidade do Brasil pois tanto a obra do autor quanto a dramaturgia criada para o espetáculo chamam a atenção pela sua atualidade ao destacar a preocupação com a fragilidade de um sistema político que muitas vezes se pauta na opinião de massa e no caso de Ibsen muito antes do uso das "fake news". A dramaturgia de Marco Catalão, Pedro Bertoldi e Camila Bauer é efetiva na medida em que consegue encontrar esses pontos de ressonância com a nossa realidade e faz ecoar na cena pautada pela fragmentação, procedimento apropriado para uma dramaturgia que busca uma visão integrada de mundo através de um processamento dialético do conhecimento e que reflete diretamente num modelo experimental da prática cênica,como se verifica na encenação que se apoia no texto, mas tem forte utilização da performance, dança, música, além de forte apelo estético. A dramaturgia ainda se pauta no procedimento da revelação das contradições, despedindo-se  da narração linear e do realismo para investir em narrativas que enfatiza o discurso e tensões que estamos vivendo agora. O fragmento em "Inimigos na casa de bonecas" é visto como texto que pode variar no tocante à extensão, gênero ou tipo de linguagem cênica, funcionando como "unidades em si", onde são apresentados minidramas, imagens, cenas alegóricas e metafóricas e visões que unificam a obra de Ibsen ao Brasil. Com isso a dramaturgia do espetáculo é forte pois torna-se um produtor de conteúdos, abrindo-se a subjetividades do espectador, pois se assistirmos ao espetáculo com a expectativa de entendimento de uma linha de tempo linear, ou até mesmo buscar encontrar o cerne do drama de Ibsen talvez ocorra uma frustração, pois a lógica aqui é outra, na minha visão o texto de Ibsen é utilizado apenas como pretexto e mola propulsora para enfocar uma série de conflitos éticos e divergências políticas que movem tanto nosso país como a dramaturgia do autor noruegues. 
No que tange a encenação de Camila Bauer, o espetáculo parte de cruzamentos das diferentes artes do espetáculo e tem forte apelo estético se pautando na performance, fisicalidade, música, projeções e iluminação, assim como os figurinos e mascaras que com suas cores e texturas conseguem expandir o campo de fruição. Assim como a criação sonora de RosaCosta que sempre é efetiva e dialoga diretamente com a obra.
Destaque para o elenco de peso que o projeto conseguiu reunir encabeçado por Sandra Dani, Nelson Diniz, Liane Venturella, Lauro Ramalho, Janaína Pelizzon, Fabiane Severo (que com sua presença física cria subjetividades e atemporalidades na obra, cavando espaços para manifestar o que palavras não dão conta), Alvaro RosaCosta e Pedro Bertoldi destacando os dois últimos que com propriedade colocam em cena relatos fortes sobre temas atuais, mas todo o elenco é coeso e consegue colocar em cena toda a provocação estética e que possibilita diferentes camadas de leituras dentro de um contexto contemporâneo de proposição teatral, mantendo a coerência que a encenadora Camila Bauer vem desenvolvendo ao longo dos anos.

Ficha técnica
Elenco:

Sandra Dani

Janaina Pelizzon

Nelson Diniz

Liane Venturella

Lauro Ramalho

Álvaro RosaCosta

Fabiane Severo

Pedro Bertoldi

Direção: Camila Bauer

Dramaturgia: Marco Catalão, Pedro Bertoldi e Camila Bauer, a partir das obras Uma Casa de Bonecas e O Inimigo do Povo, de Henrik Ibsen (tradução Leonardo Pinto Silva), em colaboração com o elenco.

Direção coreográfica: Carlota Albuquerque            

Composição e desenho sonoro: Álvaro RosaCosta

Iluminação e videografia: Ricardo Vivian

Cenografia: Elcio Rossini

Figurinos e maquiagem: Liane Venturella

Desenhos e pinturas figurino: Lipe Albuquerque

Criação e confecção de máscaras: Fábio Cuelli

Mídias sociais e criação de memes em vídeo: Laura Hickmann

Assessoria de imprensa: Lauro Ramalho

Arte gráfica: Jéssica Barbosa

Fotografia: Adriana Marchiori

Realização e produção:
Projeto Gompa


*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle.