Por Diego Ferreira - Especial MOSTRA CURA *
Beco
Ladeira
Homem
Homem negro
Homem negro descendo a ladeira
Panfleto
Panfletagem
Mochila velha
Mochila desgastada
Caixa de som
Beco
Panfletagem
Ta me escutando?
Ta me escutando?
Ta me escutando?
Sim, estou te escutando e tentando
compreender as múltiplas camadas que esse muro trás
Panfletagem política;
Sim e não
Não e sim
Descendo a ladeira
Urbanidade
Periferia
Rua
ISSO NÃO É TEATRO?
Já antecipa o homem negro do vídeo
Se isso não é teatro não existe
ator
Descendo a ladeira, viro a
esquerda, eu disse, viro a esquerda, a esquerda e encontro o muro. Sim, lá está
ele, grande e imponente.
“O Muro” é um experimento cênico
audiovisual proposto por Denilson Tourinho onde coloca no front um trajeto
real, se utilizando da imagem deste muro que divide espaços, segrega, parte em
dois. O muro enquanto metáfora de um homem que é dividido e fragmentado. A
espetacularização do real é mote para falar de diversidade, negritude e
hostilidades. O ato do performer de panfletar notícias reais de atos violentos
sobre corpos negros e de distribuir essas notícias pela cidade é de uma
necessidade urgente, um ato simbólico tão potente que faz refletir sobre como
são propagadas esse tipo de notícia, principalmente quando se trata de atos
violentos contra corpos negros. Denilson através desse experimento é um agente
político tão poderoso por conseguir imbricar nas questões que tangem ao real,
do que está de fato acontecendo lá, no ato da performance e da relação com o
espaço e com os transeuntes, do impacto das notícias que ficam no espaço das residências
das pessoas e também nas questões que tangem ao objeto artístico, a performance
que assistimos de modo virtual que consegue se relacionar com uma diversidade
de signos muito fortes e subjetivos e que conversam diretamente comigo. O que
de fato é real, o que de fato é ficção? Na verdade não interessa muito, mas o
que realmente importa é esse relação que consegue criar diretamente com o
espectador e da relação com o corpo e a narrativa estabelecida. O momento da
performance onde ele se refere ao paredão, prática que a polícia militar costuma
fazer e nesse caso de um espetáculo na parada de /ônibus para vários
espectadores. Gestos e ações reproduzem uma batida policial: “mãos na cabeça”, “encosta no muro” não são
ditas mas fortemente representadas. Ao terminar de assistir a vídeo-performance
me questionei como um vídeo curtinho, feito na rua consegue alcançar uma
potencia geradora de muitos signos e que dialogam com as questões de um homem
negro mineiro, gaúcho ou de qualquer lugar. Bateu forte aqui esse ato
político-artístico proposto pelo Denilson Tourinho. Ah, e respondendo ao
Denilson sobre isso não ser teatro eu creio que sim, é teatro real, teatro
pulsante, da vida que escorre nas vias e vielas do nosso Brasil. É
metalinguagem. É metafórico. É maravilhoso.
Atuação, concepção e edição:Denilson Tourinho
Filmagem:Camila Figueiredo
Estilo:Experimento cênico audiovisual
Duração:30 minutos
Classificação: 12 anos
*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve críticas no blog Olhares da Cena. Integrante da GIRADRAMATÚRGICA – Grupo de Estudos em Dramaturgia Negra. Integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. Foi jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle.