Por Diego
Ferreira*
A dança não é só algo bonito ou agradável de ser ver, ela é
um importante veículo de discurso político, social e artístico. Os espetáculos
que compõem a Mostra CURA apresentam sempre questões ou manifestações de corpos
que de alguma forma estão à margem. São espetáculos que possuem estéticas
voltadas para temas de impacto social e a celebração de manifestações
artísticas oriundas do processo da diáspora africana. Aqui em “Tecnologias
do sul – Voltei a falar com as árvores/ fruta do futuro” existe de fato
um corpo negro que dança as margens.
Um corpo dança as margens de um lago.
Mesmo assim está na margem.
Árvore.
Trapiche.
Plataforma.
Um corpo dança as margens.
As águas passam e o corpo permanece, assim como as raízes da
árvore.
Imageticamente o solo de Mario Lopes é rico, pois ao mesmo
tempo que explora as possibilidades espaciais com uma beleza extraordinária,
poética e metafóricamente consegue criar uma reflexão deste corpo naquele
espaço físico e emocional. A beleza também somada à bela trilha de Dandara
Modesto que diz que “toda a cura vem de
uma dor”. E justamente vem dialogar com a proposta da CURA, que é o de
reivindicar outro olhar em relação às artes da cena contemporânea negra e de
raízes africanas, ao qual, muitas vezes é vista como algo acessório ou lúdico,
ou até mesmo folclórico quando é proposto o debate sobre racismo, ativismo
negro e ação política. Um espetáculo de dança tem a capacidade de comunicar
muita coisa, de criar um canal de diálogo único com quem assiste. Corpos negros
dançando significam muita coisa, a carga expressiva é imensa. Um corpo negro dançando é uma mensagem
política.
A performance aborda relações da ancestralidade na
contemporaneidade ao transitar entre memórias pessoais e estudos propostos por
Anna Tjé, conforme a palestra proferida posterior a vídeo/dança.
Interessante perceber as interferências das memórias na criação e interpretação
em dança contemporânea. O resgate da memória da avó ao conversar com as árvores
e o que isso possibilita na criação em arte. Através da pesquisa teórica-prática,
na relação com os vetores, ao qual pude compreender as possíveis relações entre
as memórias do artista - sensações, imagens, aprendizados e percepções - e o
processo de criação em dança. A proposta é linda, tanto o momento da
vídeo-dança, quando do diálogo proposto pelos criadores que nos provocam sobre
resiliências e resistências e da arte enquanto lugar de cura. Um mergulho
radical a partir do corpo/memória. Um mergulho as margens. Dançar nas margens
pode dizer tanto para nós. Um corpo negro dançando as margens diz muito para
mim.
Idealização:Mário Lopes
Performers conferência:Anna Tjé e Mário Lopes
Curta-metragem: Tecnologias do sul - voltei a falar com as árvores”:
Mário Lopes
Tradução ao vivo FR/PT:Maelys Meyer
Realização:Veículo SUR
Duração:50 minutos
Classificação: 14 anos
*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve críticas no blog Olhares da
Cena. Integrante da GIRADRAMATÚRGICA – Grupo de Estudos em Dramaturgia Negra.
Integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado
por Diones Camargo. Foi jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio
Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e
Unilasalle.