segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

FRANKENSTEIN (RS)

Foto: Cláudio Etges



SOB OLHAR DA CONFRONTAÇÃO, ESPETÁCULO TRIUNFA NA CENA ATUAL


por Diego Ferreira*

" Frankenstein" é o novo e ousado projeto do Coletivo Gompa, que a cada novo trabalho nos coloca diante de novas possibilidades no campo das artes da cena. Fica difícil categorizar e encaixotar em rótulos as produções deste coletivo que nos últimos cinco anos tem se dedicado a pesquisa de linguagem e levado a risca o hibridismo em suas produções. A chamada pós-modernidade teatral articulou novos padrões de encenação, requisitando do espectador uma percepção centrada nas sensações, ora desconstruindo a fábula e evitando qualquer significado racional, ora centrando a experiência estética no campo mítico ou performático da representação. E "Frankenstein" vai ao encontro destes dois vértices, que ao mesmo tempo eclode com a fábula presente no original de Mary Shelley buscando a essência da narrativa para expandir o conceito de pertencimento, além de trazer a tona questões sobre beleza, aceitação, mutilação, através de um olhar crítico e contemporâneo que evidencia o corpo e partes dele, pedaços, composições, deformações que vão criando fragmentos de um monstro que podemos fazer um paralelo com temas que estão sendo discutidos na atualidade como amputações, doação de órgãos, mutilações entre outras interferências e violências que nosso corpo está propenso a receber. Camila Bauer na direção do espetáculo mais uma vez surpreende, pois percebe-se que sua busca está sempre voltada para a reinvenção de si e dos códigos cênicos colocados em cena, sua direção passa a ser mais do que uma construção, mas a interrogação dos sentidos sob o olhar da confrontação de idéias e isso é louvável, pois o que vemos na cena é sempre algo novo, provocante sob a perspectiva contemporânea. 
Fabiane Severo é uma artista múltipla da cena, que mesmo nas montagens teatrais sempre evidencia a sua técnica apurada e refinada, com um corpo disponível que emana energia e que se comunica fortemente com o espectador. Sua performance em "Frankenstein" está nada menos que sensacional, com uma entrega que torna um corpo expansivo, conseguindo articular pequenas tensões através de um corpo presente e expressivo, um trabalho espetacular que fica na nossa memória como aqueles espetáculos inesquecíveis pela entrega de seus realizadores. Douglas Jung demonstra um corpo experiente, hábil para fazer qualquer coisa em cena, através de uma técnica apurada. Através de sua performance conseguimos visualizar pequenas pulsões de vida/morte, percepções de movimentos que tornam a experiência radical, no sentido em que vislumbramos a potência de um corpo preparado e habilitado para dialogar com a cena fragmentada e repleta de climas e tensões que é "Frankenstein". Um trabalho imagético e com uma paisagem sonora que é um novo personagem em cena, pelo fato de provocar os corpos e o espectador a adentrar nesse universo de terror. Alvaro RosaCosta é mestre em criar essas  paisagem que ultrapassam o que convencionamos a chamar de trilha sonora, cria uma paisagem sonora pois é elemento fundamental para a construção e fruição do espetáculo. Assim como a iluminação de Ricardo Vivian que auxilia na construção de texturas e delimitação do tempo/espaço da cena. Cabe citar o inventivo cenário de Élcio Rossini e os figurinos de Renan Vilas que são provocativos em sua essência e dentro da proposta dão o tom necessário para nos provocar e nos colocar dentro do clima da cena.
O projeto Gompa mais uma vez está de parabéns não apenas pelo trabalho, mas pelo conjunto de sua obra que a cada novo passo eleva as produções gaúchas a outros patamares, qualificando tecnicamente o teatro feito por aqui, prova disso é o reconhecimento que o coletivo vem conquistando por onde passa. 
Bravo!!!


FICHA TÉCNICA

​Direção: Camila Bauer
Elenco: Fabiane Severo e Douglas Jung
Composição e cena sonora: Álvaro RosaCosta
Coreografia: Fabiane Severo e Douglas Jung
Provocações coreográficas: Carlota Albuquerque
Cenografia e objetos: Élcio Rossini
Iluminação: Ricardo Vivian
Figurinos: Renan Vilas
Dramaturgia: Camila Bauer, Carina Corá e Pedro Bertoldi
Arte gráfica: Jéssica Barbosa
Fotografia: Regina Protskof e Cláudio Etges

Produção e realização: Projeto GOMPA


*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. 

domingo, 15 de dezembro de 2019

OS SALTIM(B)ANCOS (RS)


SIMPLICIDADE EFICIENTE

por Diego Ferreira*


"Os Saltimbancos" é um das mais importantes obras do nosso país. Lançado no ano de 1977, o disco infantil “Os saltimbancos” foi um projeto composto por importantes figuras da música popular brasileira. A inspiração desse disco aparece como uma adaptação da obra literária “Os músicos de Bremen”, criada pelos lendários irmãos Jacob e Wilhelm Grimm.
Essa obra trata da união de um grupo de animais contra a exploração realizada por seus patrões. Ao longo das canções vemos que cada um dos animais canta as suas angústias e decidem se reunir para que tivessem a oportunidade de mudar o rumo de suas vidas. Os protagonistas envolvidos são um jumento, um cachorro, uma galinha e uma gata. Cada um reclama da exploração que sofria e contam com suas diferenças para se tornarem livres.
De modo geral, essa obra  assinada por Fabrizio Gorziza tem uma elaboração interessante  e bastante simples e explora de modo muito eficiente o uso de elementos lúdicos calcados na fisicalidade  dos atores e nas canções executadas ao vivo com arranjos bastante simples também, porém eficientes. As crianças apreendem a história com grande facilidade e podem aprender sobre valores muito importantes. Questões como união, solidariedade, justiça e diversidade são alguns dos conceitos que a narrativa dos saltimbancos consegue transmitir aos que tem a oportunidade de apreciá-la. Contudo, não podemos entender que “Os saltimbancos” seja uma simples obra pensada para crianças. A história desses animais tem uma relação muito importante com o contexto histórico vivido no Brasil daquela época. Ao falar sobre união, exploração e justiça, os animais que figuram essa fábula davam voz a uma série de questões políticas que marcavam o regime militar brasileiro e que infelizmente estão muito atuais pelo fato das atrocidades e retrocessos estarem de volta com a ascensão do governo atual. Não tendo liberdade para abertamente se opor ao governo da época, era comum que os artistas utilizassem de elementos e recursos estéticos que de forma indireta expressassem as suas opiniões. Na produção do Coletivo Teatral o único elemento cenográfico que depois se transforma na lua, é uma esfera, um picadeiro, com a bandeira do Brasil estilizada que já denota um pouco destas referências. O elenco Lucas Sampaio, Luciano Pieper, Leticia Paranhos e Yuri Niederaurer conseguem valorizar o enredo da peça e numa obra com um tempo bastante condensado, conseguem explorar as características dos personagens, cantando e encantando a platéia.
Percebemos que “Os Saltimbancos” é um rico documento histórico capaz de marcar adultos e crianças. Para o universo infantil, percebemos a construção de uma ferramenta didática capaz de introduzir a reflexão de valores muito interessantes para a formação dos pequenos. Aos adultos, uma obra que hoje atesta a falta de liberdade artística que impunha desafios e estratégias para se falar o que se pensava naquela época. Assim, temos um rico universo de questões educacionais e históricas a serem notadas por meio desse memorável disco.

FICHA TÉCNICA:

Direção Fabrizio Gorziza
Elenco:
Jumento - Lucas Sampaio
Cachorro - Luciano Pieper
Galinha - Leticia Paranhos
Gato - Yuri Niederaurer
Iluminação: Nara Maia
Figurinos e Cenário: Diãne Sbardelloto 
Duração: 50min
Faixa Etária: Livre

*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle.