domingo, 26 de abril de 2020

BATE-PAPO OLHARES DA CENA


Prezados leitores, devido a pandemia do COVID 19 nosso blog Olhares da Cena também entrou de quarentena, pois nosso material de trabalho para redigir nossos textos são os espetáculos que estão sem nenhuma atividade prevista e sem previsão de retorno. Então a forma que encontramos de continuar dialogando com os artistas foi através de LIVES no canal do Instagram do @olharesdacena. E hoje publicamos aqui a versão do ator, diretor e dramaturgo Thiago Silva que por questões técnicas não pode participar através da Live, mas gostaria de participar de alguma forma e nos presenteia com um grande (em extensão e conteúdo) bate-papo. A mediação do bate-papo foi realizada por Diego Ferreira*. 

BATE-PAPO OLHARES DA CENA – THIAGO SILVA


Thiago Silva é Ator, professor e dramaturgo experimental. Cinéfilo patológico estudante de Direção Teatral/UFRGS. Mestre em História Cultural/Feevale. Graduado em História/Feevale. É diretor do Coletivo Nômade e foi vencedor do Prêmio Olhares da Cena, na categoria Ator por seu trabalho no espetáculo "Alice - Além da toca do coelho". 


OLHARES DA CENA - Antes de tudo, te agradeço por ter aceitado o nosso convite e já te pergunto, em tempos de pandemia e isolamento, o que tens feito para se manter?
THIAGO SILVA - Muito obrigado pelo convite, fico muito feliz em estar aqui conversando com vocês nesses tempos tão incomuns e difíceis para todos e todas nós. Então, tenho feito muitas coisas para me manter ocupado, sem que o isolamento seja algo que me atinja negativamente. Dentre elas, tenho lido várias obras de literatura que estava me devendo há tempos, assistido muitos filmes (que é algo que naturalmente eu já faço, mas agora é praticamente um hábito diário, o que antes não era possível), escrito muitas coisas novas, além de ter me ocupado em trabalhar à distância com correção de textos diversos como meio de subsistência financeira. Também entrei em dois processos novos de trabalho no Departamento de Arte Dramática, onde trabalharei como dramaturgista, e os encontros seguem acontecendo, mesmo que à distância. Tenho conversado muito com as pessoas, trocado sensações, angústias e experiências. Acredito que esse momento tão atípico possa servir para nos unir de alguma forma, mesmo que estejamos longe uns dos outros.
Como tu entendes e processa o momento atual político do país?
Preocupante. Muito preocupante. É dilacerante responder essa pergunta, sobretudo porque não tenho respostas exatas, ainda que me coloque radicalmente contra uma série de acontecimentos que vem se desdobrando em nosso país. Tenho formação em História, e, com frequência, amigos artistas me perguntam acerca do que penso e de como projeto um cenário político para daqui os próximos meses ou anos. E eu realmente não sei responder com precisão esses questionamentos. É tudo muito instável e incerto. Porém, é inevitável constatar que estamos vivenciando um dos piores momentos políticos na História do Brasil, com o presidente mais vil, despreparado e insensível aos problemas da população que já tivemos. Discursos equivocados, ações em benefício apenas de si próprio e atitudes indignas do cargo que ocupa são constantes em sua manifestação política e me sinto envergonhado por viver em um país assim. Somos um país tão rico e com um povo tão bom… Não merecíamos isso. Entendo esse momento que vivemos de muitas formas, mas, grosso modo falando, não posso qualificá-lo como uma democracia verdadeiramente fortalecida. Não mais. Sei que temos um governo democraticamente eleito, porém, quando esse governo endossa um viés de governabilidade autoritário, censório e que não atende aos interesses da maioria de sua população, penso que não respiramos uma democracia plena e comprometida com o bem estar comum.
Por que teatro?
Por muitos motivos, mas, principalmente, como salvação de mim mesmo. Pode soar como um motivo egocêntrico e egoísta. Mas não é. A arte (e o teatro, especificamente) me salva de todas as maneiras que um ser humano pode ser salvo. Todos os dias. E, salvando a mim mesmo, salvo todos que me rodeiam e trocam comigo: alunos e alunas, colegas, público. A salvação, no sentido mais pleno que essa palavra pode carregar, é sempre coletiva. Teatro é salvação, festa, contestação. Teatro é algo que está marcado em minha pele. Sem ele, nada em mim existe e o outro que me habita também desaparece.
DELINQUÊNCIA ou a lei do olho em alerta
Como foi o processo/trajetória até tu te tornares um ator/diretor/dramaturgo?
Desde a infância eu queria ser escritor. E isso desde a mais tenra idade, pois lembro de mim, aos 4 ou 5 anos, carregando livros e contando histórias para quem quisesse ouvir. Minha mãe conta que eu estava sempre escrevendo, cheio de cadernos e livros em minha volta. E eu me recordo disso com uma força impressionante. Nunca pensei em ser outra coisa nesse período da infância: queria escrever. Aos 9 anos de idade, entrei no grupo de teatro da escola pública na qual eu estudava, no interior gaúcho. Ali, descobri que atuando eu poderia contar histórias por um outro viés: vivenciando-as, me tornando elas. Esse processo foi lindo e, a partir daí, decidi que queria ser ator. Porém, nunca deixei de amar a escrita. Segui atuando, fazendo teatro escolar, depois amador e por fim profissional, mas nunca deixei de escrever muito, simultaneamente a isso. O processo de direção foi o que veio mais tarde. Quando eu tinha 17 para 18 anos, comecei a dar oficinas de Teatro em uma escola pública (cujo trabalho nela eu desenvolvo até hoje) e, a partir daí, percebi que amava pensar a cena, conceber uma peça esteticamente, refletir com carinho e dedicação o processo de direção de elenco, etc. Nesse tempo, eu já estava cursando a faculdade de História e, nos cinco anos seguintes, fui professor de Teatro enquanto estudava com profundidade os processos históricos na graduação. Ser professor de Teatro e me tornar um historiador, ao mesmo tempo, amadureceu a minha vontade de ser um diretor de Teatro. Então, após a faculdade e o Mestrado, decidi cursar Direção Teatral no Departamento de Arte Dramática da UFRGS e me aprofundar nessa área específica. E, com certeza, foi a melhor decisão da minha vida em termos profissionais, pois me abriu um universo de possibilidades que hoje fazem toda a diferença no artista e profissional que me tornei.
Atuar ou dirigir ou escrever ou Atuar/dirigir/escrever?
Todas as alternativas (risos). Sempre me perguntam isso, se eu tenho uma preferência e respondo que depende do momento. Quando estou em cena, atuando, atuar é o que mais amo fazer. Quando estou em casa, escrevendo, isso é o que me dá mais prazer. Mas quando estou em uma sala de ensaio, com um elenco maravilhoso que me desafia e me inspira, quando preciso pensar na mecânica de uma cena ou fazer escolhas na concepção de um espetáculo, ser diretor é o que mais prezo nessa vida. Então, não existe “ou”, mas sempre “e”. E, às vezes, faço todas as coisas junto, embora, cada vez mais, goste de trabalhar apenas com uma delas por vez, a fim de me aprofundar nas especificidades que a função exige.
Comente tua paixão pelo cinema e tua relação com ele e se tens alguma experiência com esta linguagem?
Minha paixão pelo cinema é algo que me acompanha diariamente. Sou cinéfilo desde que me conheço por gente e os filmes dialogam comigo de uma maneira muito próxima e especial. Através dos filmes me inspiro, tiro ideias, faço um paralelo entre eles e as obras que desenvolvo. Sempre apreciei assistir cinema, porém, ao longo do tempo, a linguagem cinematográfica perpassou minha construção artística e hoje faz parte daquilo que sou enquanto artista criador. Na última peça que dirigi, “Velhos Hábitos”, a encenação utilizou conceitos e premissas próprias ao universo cinematográfico em diálogo direto com o campo teatral. Foi uma pesquisa de dois anos, onde cinema e teatro estiveram intimamente ligados. Tenho mais dois projetos que estão em fase de desenvolvimento que também se valem desse diálogo e atualmente estou escrevendo meu projeto de doutorado, no qual pesquisarei Teatro, linguagem cinematográfica e o cinema de horror contemporâneo, continuando a pesquisa que iniciei no meu estágio em Direção Teatral. 
O que é mais difícil para um artista da cena?
Com certeza sobreviver com dignidade de sua arte e não desistir no meio do caminho, quando todos, inclusive o próprio meio artístico, dizem para você abrir mão do que mais ama. Não é uma área fácil. Continuar e não desistir é o maior dos desafios.
Alice - Além da toca do coelho

Thiago, tua atuação no espetáculo Alice nos surpreendeu pelo fato de te enxergarmos mais enquanto dramaturgo e diretor, como foi esta experiência e de ter recebido o Prêmio Olhares da Cena por este trabalho?
Fiquei honrado e muito feliz com o Prêmio Olhares da Cena de Melhor Ator, sobretudo porque não estava esperando. Mas também porque estava concorrendo com atores maravilhosos, que desenvolvem um trabalho maduro e potente que admiro muito. Rodrigo Waschburger, Guilherme Fêrrera, Lauro Fagundes, Jardel Rocha que é meu colega no Coletivo Nômade e que desenvolve um trabalho lindo como Junho Frank… Todos os indicados mereciam muito. Então, meu respeito a todos e minha enorme gratidão por ter recebido esse prêmio. Fico feliz, especialmente, por ter recebido o reconhecimento pelo meu trabalho em “Alice”, que é um espetáculo pelo qual tenho um imenso carinho e que fala sobre tantos assuntos que são essenciais serem discutidos com o público infantil. Ser reconhecido em um trabalho assim torna tudo ainda mais especial. Obrigado.
Como você (sobre) vive na arte?
De muitas maneiras: dando aula de Teatro, atuando, escrevendo em várias frentes, dando assessoria de escrita, realizando oficinas de Teatro em espaços diversos e tudo mais o que for necessário fazer em termos de artes cênicas. Infelizmente, nem sempre é possível apenas atuar, escrever ou dirigir. No país em que vivemos, é necessário se reinventar a todo instante para sobreviver de nossa arte. Amo tudo o que faço, mas sinto falta de um tempo maior para desenvolver projetos com mais tranquilidade. Isso seria o ideal para todo artista.
O que está faltando (se está faltando) para que o teatro gaúcho tenha uma estabilidade, qualidade e notoriedade e que consiga uma projeção maior?
Oportunidades e um olhar mais cuidadoso por parte do poder público. Temos um Teatro de muita qualidade no estado, grupos que produzem coisas maravilhosas com pouquíssimos recursos. Porém, muitas pessoas desistem e não seguem na carreira por causa da falta de incentivos. É preciso mais espaço e investimento, bem como ter um olhar mais respeitoso com jovens artistas que estão começando e desenvolvem um trabalho tão bom quanto quem já está na estrada há tempos. Sinto que, principalmente em Porto Alegre, muitas vezes não existe confiança com o trabalho de artistas jovens, o que faz com que muitas pessoas simplesmente vão embora do estado e desenvolvam suas carreiras em outro lugar. Isso é triste, porque poderíamos ter uma pluralidade e uma riqueza artística muito maior. Tem sim espaço pra todo mundo. Basta oportunizá-lo.
Como é o teu processo de trabalho em cada especificidade (ator, diretor, dramaturgia)?
São processos bem diversificados, em cada uma dessas áreas. Tudo
depende das especificidades do trabalho no qual estou envolvido. No caso do meu trabalho como dramaturgo, vai depender se é uma dramaturgia própria ou coletiva, se é um texto que escrevo em casa ou que nasce do processo de ensaio, etc. Mas, sempre sou atravessado por questões, temáticas e provocações que me inspiram. O cinema me ajuda muito, nesse sentido, gosto muito de promover esse diálogo entre filmes e teatro na minha escrita. No caso da direção, depende do projeto e, principalmente, do elenco com o qual estou trabalhando. Sou um diretor que ama trabalhar com pessoas e construir arte junto com elas. Obviamente existe uma concepção de direção, um projeto de encenação sempre. Mas jamais trabalho de forma despótica e alicerçada apenas em visões minhas. Atores, atrizes, músicos, iluminadores... Toda a equipe sempre terá espaço para propor e construir junto comigo. No caso da atuação, acredito que eu tenha um processo um pouco mais individual, ainda que sempre em diálogo com meus e minhas colegas de elenco. Gosto de pesquisar muito sobre o personagem que estou fazendo, gosto de buscar inúmeras referências para ver o que serve ou não, gosto de discutir, debater e me debruçar de forma
intensa sobre o meu trabalho. Sou assim, gosto de ir bem fundo, acho bom e divertido ser dessa maneira. E isso só depende de mim, por isso considero esse um processo mais individual que o de escrever ou dirigir, embora também seja coletivo, de certa forma.
JUNHO - Uma aventura imaginária
E o Coletivo Nômade? Como se caracteriza a criação e vivência em
grupo? Quais os projetos e influências que norteiam o trabalho de vocês e se tem projetos novos?
O Coletivo Nômade é um grupo lindo e inspirador que me fortaleceu e me projetou como artista e pesquisador da área cênica. É um grupo de vivências e trocas coletivas, portanto, de referências e fontes diversas. Se cada um dos membros fosse falar sobre sua própria experiência com Teatro, teríamos inúmeras trajetórias e referenciais. Mas, com certeza, algumas das nossas grandes referências são os professores e professoras do Departamento de Arte Dramática da UFRGS, uma vez que o nosso coletivo nasceu e prosperou dentro desse espaço. Tudo o que aprendemos tem ligação com esse lugar e com as trocas que fizemos nele. Quanto aos projetos novos, temos um em processo, que é uma peça sobre a vida e obra da cantora Nina Simone, e outro em estado de concepção, que é uma nova peça infantil. Em breve divulgaremos mais a respeito.
Posso te dizer que te conhecia mais enquanto dramaturgo e diretor através
dos teus trabalhos: “Desterro: sobre restos que não importam mais” e “Junho: uma aventura imaginária” e ano passado através do espetáculo “Velhos Hábitos”, e gostaria que tu comentasse sobre a pesquisa dramatúrgica destes trabalhos e a forte relação com a história que é o teu outro campo de formação.
A História é uma referência essencial, um atravessamento forte em meu trabalho com dramaturgia e direção. Mesmo quando, aparentemente, não exista uma relação direta com ela nas peças que desenvolvo, a ciência histórica me orienta em muitas decisões, principalmente no que tange ao processo de pesquisa. Os estudos históricos me ensinaram a ter disciplina no meu trabalho e a me debruçar profundamente sobre questões sociais, políticas e humanas. E isso no Teatro é essencial. Assim, em “Velhos Hábitos”, por exemplo, o processo de composição da dramaturgia esteve intimamente ligado com a pesquisa histórica que desenvolvi sobre o impacto cultural do livro de Robert Bloch (que foi a base da nossa dramaturgia) e o levantamento acerca de assassinos seriais, doentes psicóticos, casos de matricídio, etc. Esses dados ajudaram a planejar ensaios onde o elenco desenvolvia um material rico com base nessas informações, que serviram para a escrita do texto final da peça. Já em “Junho: Uma Aventura Imaginária”, por exemplo, a pesquisa sobre obras literárias que tinham como temática a perseguição ao conhecimento, me ajudaram a pensar em uma dramaturgia voltada para o público infantil que tivesse uma base sólida em relação aos temas que eu queria abordar. Já em “DESTERRO: sobre restos que não importam mais”, a História esteve ainda mais presente, uma vez que se trata de um espetáculo de Teatro Documentário que fala sobre as ditaduras militares na América Latina. Ou seja, de um modo ou de outro, a História continua me acompanhando nos caminhos da ficção.
Desterro - sobre restos que não importam mais
As coisas estão fluindo como havias planejado? Aonde tu queres chegar?
Estão fluindo no tempo delas, eu acho (risos). Nunca fui uma pessoa que me desespero com as coisas, apesar de ser bastante disciplinado e focado nos objetivos que quero alcançar... Onde quero chegar? Dificílima essa pergunta, mas, basicamente, quero continuar trabalhando com Teatro por muito tempo e viver dignamente fazendo aquilo que amo.
Alguma vez já pensou em desistir?
Muitas. Mesmo. Mas amo o que faço e não seria feliz se desistisse.
Qual o papel da universidade na formação de um artista?
Um papel essencial, não apenas de formação técnica e teórica, mas também de formação humana. Na universidade conheci diversas pessoas fundamentais na minha formação, artistas incríveis que contribuíram demais para eu ser o artista que me tornei e me torno a cada dia. Acredito que o espaço acadêmico seja um universo rico onde a prática artística, a teoria e as parcerias que construímos estão inevitavelmente interligadas. É um ambiente rico de discussão, troca e construção de conhecimento, basta aproveitar ao máximo o que ele tem pra te oferecer.
Quais profissionais gaúchos e nacionais tu destacaria, que contribuem para um teatro mais forte e engajado? (Ator/atriz, diretores, teóricos, etc...)
Eu acho que destacar um nome ou mesmo vários seria injusto, nesse sentido. Acredito que a simples escolha de fazer teatro em um país como o nosso já é um posicionamento político forte e engajado. Claro que existem pessoas, grupos e profissionais que possuem uma trajetória de luta e engajamento maravilhosa que merecem todo o respeito e consideração, porém, são muitos e, não destacando ninguém, acabo por destacar a todos, inclusive aqueles e aquelas que nunca são lembrados.
Qual a tua opinião a respeito das parcas e cada vez mais raras leis de incentivo do estado, da ação inexistente do ministério da cidadania em relação a incentivos as artes cênicas na secretaria de cultura?
Acho uma falta grave. Em um país como o nosso, onde a maioria dos e das artistas não conseguem sobreviver sem esses incentivos, ter um ministério da cidadania que ignora esses números é cruel e inaceitável. É triste perceber que muitos grupos maravilhosos simplesmente desistem no meio do caminho pela falta de incentivo. Que tipo de país não incentiva a própria cultura? Acho importante pensar sobre isso e cobrar medidas que modifiquem essa situação.
E dos prêmios outorgados a melhores do ano, qual tua opinião?
Primeiramente, é preciso ressaltar que a concessão de um prêmio é sempre algo subjetivo. “Melhor” ou “Pior” nem sempre é compatível com a real natureza do produto artístico que está em evidência. Tanto é que, ao acompanharmos qualquer premiação, é comum presenciarmos debates apaixonados em defesa ou em contrariedade a esse ou aquele filme, livro, música, artista ou peça. Isso porque a arte sempre mexe de forma diferente com as pessoas, justamente porque temos visões diferentes do mundo e, consequentemente, daquilo que assistimos. Sendo assim, um prêmio, ainda que importante para o/a artista que o recebe, nunca é um atestado de validade ou invalidade da trajetória artística de ninguém. Cada trabalho possui a sua particularidade e quem avalia sempre leva em conta o seu próprio julgamento. Ou seja, são olhares e não validações de obra ou artistas.
VELHOS HÁBITOS
Duas questões: Como você vê o papel da crítica e como você recebe as premiações, se puder divida conosco os prêmios já recebidos por ti e pelo grupo, e como estes prêmios redimensionam a tua carreira?
Vejo a crítica como um diálogo com a obra “criticada”. Uma boa crítica é aquela que saber escutar a obra com a qual dialoga. O papel da crítica, nesse sentido, é estabelecer questionamentos e reflexões, além de analisar tecnicamente uma peça. Um bom crítico ou uma boa crítica de Teatro deve ser, sobretudo, uma pessoa que goste de assistir Teatro, goste de trocar com o outro e que tenha uma boa base de conhecimentos cênicos para isso. Dizer “gostei” ou “não gostei” não basta. No âmbito pessoal, tudo bem ser assim. Mas quando escrevemos uma crítica, é preciso argumentar e gerir todos os aspectos do trabalho para endossar nossos pontos de vista. Por isso, inclusive, acredito que a crítica deveria ganhar mais espaço enquanto uma área específica do conhecimento, para evitar confusões acerca de opiniões pessoais e formulações técnicas sobre uma obra. Mas, no geral, penso que a crítica é importantíssima como meio de um trabalho receber retorno por parte de um espetador qualificado, no caso, o crítico ou crítica de Teatro, o que não quer dizer que a opinião dessas pessoas é a verdade absoluta sobre o trabalho. O que eu disse sobre os prêmios em uma das perguntas anteriores, também vale para as críticas: subjetivo, sempre subjetivo. Pois, mesmo que estejam tecnicamente embasadas, é sempre um olhar específico de quem escreve. Sobre as premiações, já falei um pouco nas perguntas acima o que penso a respeito delas. Sobre os prêmios que recebemos no Coletivo Nômade de Teatro e Pesquisa Cênica, foram vários de 2018 para cá (“Junho” tem quase 50 prêmios recebidos e mais de 60 indicações a vários outros), além dos que os membros do coletivo receberam em outros trabalhos desenvolvidos fora do grupo (como Melhor Ator, Direção, Atriz, Dramaturgia etc.). Recebemos esse reconhecimento
com muita alegria e gratidão, mas sabemos que prêmios não validam ou invalidam o nosso trabalho, que está muito além de qualquer troféu. Eles redimensionam a nossa carreira no sentido de nos abrir portas, onde, sem eles, infelizmente, elas estariam fechadas. Ainda existe muito preconceito e “cara virada” para artistas jovens que se destacam, é como se estivéssemos cometendo algum crime ou tirando o espaço de alguém, quando, como eu sempre digo, existe espaço pra todo mundo.
Como você enxerga a atual cena gaúcha? Quais grupos e cias têm
desenvolvidos projetos bacanas?
Enxergo de um modo positivo e vejo que muitos grupos, jovens e mais antigos, têm desenvolvido muitas coisas interessantes. Nem tudo me agrada enquanto arte, mas reconheço a importância de cada uma delas. Gosto muito do trabalho do Grupo Cerco, a direção da Inês Marroco é uma inspiração pra mim, enquanto jovem dramaturgo e diretor. Uma grande referência, sem dúvida. Acho muito bacana as experimentações estéticas do Coletivo Errática. O trabalho de dramaturgia autoral que a Camila Bauer tem promovido nos últimos anos, dando espaço para muitos jovens que gostam de escrever e possuem um enorme potencial pra isso. E destaco também o trabalho de grupos do interior gaúcho, entre eles o Coletivo Meia Oito e a Cia Você Sabe Quem de Pelotas, que desenvolvem trabalhos lindos e de qualidade sem nenhuma ajuda financeira do pode público. Esses são os que mais me chamam atenção, no momento.
O que tu tens assistido e que tem te provocado de alguma forma e o que não tem curtido muito nas artes cênicas?
Preciso ser honesto em relação a essa questão: enquanto espectador e artista, o cinema tem me inspirado e me fascinado muito mais do que o Teatro. É nele que tenho buscado inspiração e é com ele que meu trabalho tem dialogado com mais veemência. Em termos técnicos e teóricos, muitos autores e autoras das artes cênicas me são caros, mas no que tange a criação e o processo artístico é no cinema que encontro mais respaldo e inspiração ultimamente e, não à toa, meu trabalho acaba sendo influenciado e refletindo isso. Inclusive, algumas das minhas peças teatrais favoritas, como “Tom na Fazenda”, “IN ON IT”, “O Mal Entendido” e “Os Cadernos de Kindzu” são entrecruzadas por muitos elementos da linguagem cinematográfica. Em termos de arte dramática, o cinema asiático de modo geral, o pós-terror norte-americano (principalmente o trabalho de Robert Eggers), os filmes da diretora italiana Alice Rohrwacher e as produções do cinema de horror brasileiro nos anos 2010 são algumas das coisas que mais me inspiram na atualidade. Em termos de dramaturgia brasileira tenho muitos nomes que respeito, mas destaco o nome de Manuela Dias e Grace Passô por uma questão que me toca muito: a forma como essas dramaturgas concebem as suas respectivas dramaturgias de forma densa e acessível, falando de temáticas delicadas acerca da sociedade brasileira que são facilmente compreendidas, embora carregadas de complexidade. Nas Artes Cênicas gaúchas, admiro profundamente o trabalho de direção da Inês Marroco; considero ela a maior diretora gaúcha na atualidade. Também destaco os trabalhos desenvolvidos por grupos do interior que possuem um trabalho de altíssima qualidade e muitas vezes são vistos como “arte menor” por artistas da capital com insegurança criativa e síndrome patológica de superioridade em relação aos demais.
Quais são os cinco espetáculos que não saem da tua memória?
Tom na Fazenda, Valsa nº6, O Mal Entendido, Os Cadernos de Kindzu e IN ON IT.
E especificamente em relação a produção gaúcha, quais os cinco espetáculos que não saem da tua memória? 
Os espetáculos gaúchos que mais me marcaram, por diferentes motivos, foram: O Sobrado (dirigido por Inês Marroco), O Mal Entendido (dirigido por Daniel Colin), Aos Sãos (dirigido por Thais Andrade), Valsa nº 6 (dirigido por Bianca Flores), Norma (dirigido por Thalles Echeverry e Eduarda Bento) e Cartão Postal (dirigido por Lucas Ribeiro Galho). 
Futuro?
Seguir apresentando peças pelas quais tenho um carinho grande e me dão muito orgulho, como “Junho: Uma Aventura Imaginária”, “Velhos Hábitos” e “Alice”; seguir om meu projeto de doutorado sobre Teatro, Linguagem Cinematográfica e Cinema de Horror; continuar dando aulas; e seguir com projetos novos que já estão a caminho. Basicamente um futuro de arte (risos).
Tem algum recado especial, ou mensagem para deixar por aqui?
Não sou muito afeito de mensagens, mas se pudesse dizer algo para quem faz Teatro hoje, diria apenas: continue e não desista. Você não está sozinho.
Onde o pessoal pode te encontrar?
Uso bastante o facebook como ferramenta de trabalho, então quem quiser pode me encontrar por lá: www.facebook.com/thiagoteatro ou também no Instagram: @thiagocenico.


* Mediação Diego Ferreira - Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. Integrante da GIRADramatúrgica - Grupo de Estudos em Dramaturgia Negra coordenado por Carlos Canarin. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. Jurado e coordenador do Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Espaço do Ator, Unisinos e Unilasalle.