quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

CORPOS DITOS (RS)

 


Por Diego Ferreira*

Quando comecei a estudar sobre o negro no teatro, ainda dentro da universidade a principal dificuldade era encontrar bibliografia e referências a respeito do tema e principalmente vislumbrar na cena corpos negros em ação. De minha parte, havia um total desconhecimento dessa história e da complexidade que ela encerrava. Essa compreensão só veio se dando na construção de sentidos no tempo e espaço. E em Porto Alegre no que se refere a teatro negro o Caixa Preta é um dos coletivos que abriram portas a muitos artistas que hoje exercem o seu trabalho e na atualidade o Pretagô é uma forte e agradável referencia por se engajar na luta do enfrentamento ao racismo a partir de vozes e corpos que trazem novos ângulos ao discurso negro nas artes cênicas, o que se constitui numa excelente oportunidade para aprofundar reflexões.

Por essa razão, considero “Corpos Ditos” uma afronta a tudo o que temos passado neste ano pandêmico. Trata-se de uma reunião de pretos celebrando nossos discursos. A partir da investigação de elementos que caracterizam a performance arte em acordo com a poética desenvolvida pelo Pretagô, os performers exploram imagens e áudios captados através de seus smartphones e criam cenas motivadas por um discurso escolhido por eles. E isso provoca um grande impacto, pois cada ator provocados por estímulos que desconhecemos criam uma performance a partir do seu lugar de fala e “de casa”. E cada quadro nos provoca a partir das imagens propostas e dos textos e narrativas que existem em cada ação. Cosmovisões negras que firmam territórios de embates e sutilezas. “Corpos Ditos” é de uma singeleza e ao mesmo tempo de uma potência aterrorizante, como aparece num dos quadros essa palavra: “aterrorizada”, no sentido de perder as esperanças. Ao acompanhar e assistir o Pretagô minha esperança é renovada pois existe um trabalho muito sério e muito atual.

“Mover-se é um milagre”

“Mover-se dói.”

É bastante representativo o quadro em que o Bruno aparece com um passaporte e seu discurso fala de mover-se. É representativo. É triste e feliz ao mesmo tempo justamente pela questão de mobilidade  e as possibilidades que temos em mover-se pelo país e mundo. Assim como toda a proposta tem uma dimensão do que é ser negro no Brasil. E do que representa ser artista negro no Brasil. Sons, textos, discursos, imagens, corpos. Negros. Corpos negros em deslocamento. Corpos negros se movendo. Corpos negros se movendo para curar toda e qualquer dor que esses corpos carregam. A parformance tem humor, ancestralidade, sustentabilidade, metáforas que constroem leituras pretas do momento que vivemos. E tudo tem poesia, beleza e embate. Tem diversidade. Afeto. Sutileza. Liberdade. “Corpos Ditos” é uma pausa em nosso cotidiano para parar, sentir e refletir sobre o nosso lugar dentro da sociedade. Um momento belo para celebrar a vida através dos corpos ditos e também dos malditos. O importante é celebrar e isso o Pretagô tem feito.

 

 

 

Direção:Bruno Fernandes e Silvana Rodrigues

Autoria: Pretagô, baseado em discursos de diversos autores

Elenco:Bruno Cardoso, Camila Falcão, Kyky Rodrigues, Laura Lima, Manuela Miranda e Thiago Pirajira

Trilha Sonora: João Pedro Cé e Vini Silva

Direção e edição de imagem: Marina Kerber - Macumba Lab

Fotografia: Anelise De Carli

Produção e Realização:Grupo Pretagô

Duração:36 minutos

Classificação: 14 anos

                                                                                                                                                                           

*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve críticas no blog Olhares da Cena. Integrante da GIRADRAMATÚRGICA – Grupo de Estudos em Dramaturgia Negra. Integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. Foi jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle.