Por Diego
Ferreira*
Quando comecei a
estudar sobre o negro no teatro, ainda dentro da universidade a principal
dificuldade era encontrar bibliografia e referências a respeito do tema e
principalmente vislumbrar na cena corpos negros em ação. De minha parte, havia
um total desconhecimento dessa história e da complexidade que ela encerrava.
Essa compreensão só veio se dando na construção de sentidos no tempo e espaço.
E em Porto Alegre no que se refere a teatro negro o Caixa Preta é um dos coletivos
que abriram portas a muitos artistas que hoje exercem o seu trabalho e na
atualidade o Pretagô é uma forte e agradável referencia por se engajar na luta
do enfrentamento ao racismo a partir de vozes e corpos que trazem novos ângulos
ao discurso negro nas artes cênicas, o que se constitui numa excelente
oportunidade para aprofundar reflexões.
Por essa razão,
considero “Corpos Ditos” uma afronta a tudo o que temos passado neste ano
pandêmico. Trata-se de uma reunião de pretos celebrando nossos discursos. A
partir da investigação de elementos que caracterizam a performance arte em
acordo com a poética desenvolvida pelo Pretagô, os performers exploram imagens
e áudios captados através de seus smartphones e criam cenas motivadas por um
discurso escolhido por eles. E isso provoca um grande impacto, pois cada ator
provocados por estímulos que desconhecemos criam uma performance a partir do
seu lugar de fala e “de casa”. E cada quadro nos provoca a partir das imagens
propostas e dos textos e narrativas que existem em cada ação. Cosmovisões
negras que firmam territórios de embates e sutilezas. “Corpos Ditos” é de uma
singeleza e ao mesmo tempo de uma potência aterrorizante, como aparece num dos
quadros essa palavra: “aterrorizada”, no sentido de perder as esperanças. Ao
acompanhar e assistir o Pretagô minha esperança é renovada pois existe um
trabalho muito sério e muito atual.
“Mover-se
é um milagre”
“Mover-se
dói.”
É bastante
representativo o quadro em que o Bruno aparece com um passaporte e seu discurso
fala de mover-se. É representativo. É triste e feliz ao mesmo tempo justamente
pela questão de mobilidade e as
possibilidades que temos em mover-se pelo país e mundo. Assim como toda a
proposta tem uma dimensão do que é ser negro no Brasil. E do que representa ser
artista negro no Brasil. Sons, textos, discursos, imagens, corpos. Negros.
Corpos negros em deslocamento. Corpos negros se movendo. Corpos negros se
movendo para curar toda e qualquer dor que esses corpos carregam. A parformance
tem humor, ancestralidade, sustentabilidade, metáforas que constroem leituras
pretas do momento que vivemos. E tudo tem poesia, beleza e embate. Tem
diversidade. Afeto. Sutileza. Liberdade. “Corpos Ditos” é uma pausa em nosso
cotidiano para parar, sentir e refletir sobre o nosso lugar dentro da
sociedade. Um momento belo para celebrar a vida através dos corpos ditos e
também dos malditos. O importante é celebrar e isso o Pretagô tem feito.
Direção:Bruno Fernandes e Silvana Rodrigues
Autoria: Pretagô, baseado em discursos de diversos autores
Elenco:Bruno Cardoso, Camila Falcão, Kyky Rodrigues, Laura Lima, Manuela
Miranda e Thiago Pirajira
Trilha Sonora: João Pedro Cé e Vini Silva
Direção e edição de imagem: Marina Kerber - Macumba Lab
Fotografia: Anelise De Carli
Produção e Realização:Grupo Pretagô
Duração:36 minutos
Classificação: 14 anos
*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve críticas
no blog Olhares da Cena. Integrante da GIRADRAMATÚRGICA – Grupo de Estudos em
Dramaturgia Negra. Integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto
Alegre coordenado por Diones Camargo. Foi jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi
jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na
Unisinos e Unilasalle.