domingo, 28 de novembro de 2021

HIPERGAIVOTA -- MOSTRA UMBÚ DE ARTES

 


SUSPENSÃO DO COTIANO ATRAVÉS DE VIVÊNCIA INTERATIVA

por Diego Ferreira – Especial Mostra Umbú de Artes*

HIPERGAIVOTA é uma experiência digital, um desdobramento do espetáculo “Dispositivo Gaivota” do Coletivo Errática. Trata-se de uma plataforma que o espectador vai explorando através dos seus próprios gestos e cliques, e que dentro da Mostra Umbú de Artes o olhar do espectador foi guiado por um integrante do grupo que ia escolhendo em qual das janelas nós íamos olhar, adentrar e experimentar. “Hipergaivota” é uma das melhores experiências artísticas dos últimos tempos pela inventividade, inovação e por permitir ao navegador desbravar outras searas, através de uma vivência interativa e criativa.

Uma peça de teatro desse tempo, para esse tempo, diz o texto de abertura, e de fato se configura dessa forma. Um experimento sobre o tempo. Sobre o espaço, mesmo questionando que espaços são estes, espaços fugazes e efêmeros. Nossos dedos passeiam nervosos por salas, e cada clique abre-se uma nova possibilidade estética, uma nova visão de um pequeno mundo que se agiganta diante de nós. Fragmentos de textos, imagens, performances, sons e uma infinidade de possibilidades de juntar partes de um grande quebra-cabeça emotivo, afetivo e sensorial. O nosso papel enquanto espectador é ir entrando nas salas, absorvendo e sentindo cada proposta, brincar, se divertir e a partir daí se colocar também no jogo, enquanto peça fundamental. Diante de todas as incertezas que vivemos no mundo diante de uma pandemia, quando não sabemos do dia de amanhã, ainda surgem projetos e propostas artísticas que te tiram do eixo, que provocam uma suspensão no seu cotidiano. “Hipergaivota” é um mergulho para dentro, pois enquanto se volta para os dramas e tensões das personagens do universo de Tchekhov, também são desvelados o universo e estrutura dos performes, fragmentos de um cotidiano em suspensão, frestas de banheiros, quartos, salas e quintais, travessias que me reportam de Porto Alegre até Boston, tudo sob um olhar que coloca em evidencia a máquina do fazer artístico, a nova possibilidade de criação a partir do estar dentro, do estar apartado de um todo, do seu coletivo, de sua tribo, mas mesmo assim existe vida, existe criação e existe reverberação potente do lado de cá.

“Hipergaivota” é uma grande possibilidade de composições a partir das cenas e dos dispositivos e das ligações que o espectador vai construindo com partes ou com o todo. Impossível tecer qualquer comentário estilístico ou de atuação quando o projeto requer apenas EXPERIÊNCIA. Sim, uma experiência viva pautada pela usina criativa e virtualizada que é essa “Hipergaivota”. E a exibição dentro da Mostra Umbú terminou com uma performance que brincava com um jogo de composição através de palavras que teve participação dos atores do coletivo de da platéia. UMA EXPERIENCIA VIVA, e que me fez ter o gostinho de voltar ao modo presencial que ainda não tinha experimentado nesse período pandêmico.

Parabéns ao Coletivo Errativa que juntamente com o Grupojogo não somente agora, mas a algum tempo tem ventilado as artes cênicas do estado com propostas inventivas e inovadoras mas sem desconectar do humano, e por isso são projetos universais.      

Ficha técnica

Direção e Concepção: Francisco Gick

Dramaturgia e Código: Francisco Gick a partir de “A Gaivota” de Anton Tchekhov

Adaptação: Coletivo Errática

Elenco: Claudio Loimil, Jezebel De Carli, João Pedro DeCarli, Guega Peixoto, Luan Silveira, Gustavo Dienstmann, Mani Torres e Nina Picoli

Trilha Sonora: Vitório O. Azevedo

Figurino: Gustavo Dienstmann

Concepção e Criação de plataforma: Francisco Gick

Duração: 60 min

Recomendação etária: 18 anos


*Diego Ferreira é Dramaturgo, Diretor, Professor e Crítico Teatral. Graduado em Teatro UERGS/2009. Estudou Letras na FAPA/2002.  Coordena o Núcleo de Dramaturgia do Espaço do Ator. Editor do blog Olhares da Cena. Professor do Espaço do Ator e da extensão na UNISINOS. Produziu “Três tempos para a dramaturgia negra no RS” contemplado no edital Diversidade nas Culturas da Fundação Marcopolo. Foi indicado no Prêmio Açorianos 2021 em 3 categorias: Olhares da Cena na categoria Ação Formativa e o projeto "Três tempos para a dramaturgia negra no RS" nas categorias Ação Formativa e Ação Periférica.

 

CLASSE CORDIAL - MOSTRA UMBÚ DE ARTES

 

O IMAGINÁRIO DA LOUCURA EM CLASSE CORDIAL

 

Por Diego Ferreira - Especial MOSTRA UMBU DAS ARTES*

 

"Classe Cordial" é um projeto hibrido que mistura teatro, vídeo e performance. O projeto faz uma abordagem sobre exclusão, loucura e reformas antimaniconiais que se projeta no tempo/espaço através do poético e performático numa perspectiva do imaginário social, mobilizando questões que através do texto e poesia da dramaturgia de Thiago Silva e da presença da Deborah Finocchiaro multiplica essas vozes que falam de opressão, de encarceramento, exclusão, e de privações de direitos humanos.  Um corpo no espaço. Uma atriz. Uma tela. Uma janela. Um corpo no espaço que provoca tensões através do silenciamento. Um corpo no espaço habitado por vozes, palavras e sons. Som e presença. Som e poesia. Poesia sonora primorosa de Ângelo Primon que preenche as arestas e cava espaços nessa narrativa de clausura. A dramaturgia de Thiago Silva ganha vida através de uma leitura visceral realizada pela Deborah Finocchiaro, as palavras de Thiago ganham peso e sentido através desse experimento dirigido pelo jovem e experiente Jardel Rocha que nesse trabalho transborda criatividade e o que vemos é uma segurança criativa e inventiva num terreno que talvez não seja o dele que é essa arte digital que dialoga com a performance, o teatro, o cinema, mas que ele triunfa. O texto é poético, político, é denuncia, é história, é dramaturgia necessária justamente nesse tempo de clausura que vivemos. Um texto profundo e aprofundado que traz a luz temas que muitas vezes as pessoas querem esquecer. 

Taí mais um projeto pandêmico que consegue se sobressair no meio de tantos projetos que não conseguiram se adaptar a essa nova realidade do fazer artístico. Uma parceria de sucesso entre as duas companhias Nômade: Teatro e Pesquisa Cênica e Companhia de Solos & Bem Acompanhados

 

 

 

FICHA TÉCNICA Ideia Original e Dramaturgia: Thiago Silva Concepção de Encenação e Direção: Jardel Rocha Atuação: Deborah Finocchiaro Trilha Sonora Original: Angelo Primon Iluminação: Everton Wilbert Vieira Figurinos: Deborah Finocchiaro e Jardel Rocha Chapéu : Rosina Duarte Assessoria de pesquisa: Gabriela Touguinha Tradução para libras: Celina Nair Xavier Neta Edição e finalização: Jardel Rocha Produção do projeto: Jardel Rocha Assessoria de imprensa: Bebê Baumgarten Parceria cultural: Nômade: Teatro e Pesquisa Cênica e Companhia de Solos & Bem Acompanhados Apoio: Fundação Ecarta, FM Cultura - 107.7 e Rádio Univates FM 95.1 Projeto executado através do Edital Criação e Formação Diversidade das Culturas realizado com recursos da Lei Aldir Blanc n° 14.017/20.




*Diego Ferreira é Dramaturgo, Diretor, Professor e Crítico Teatral. Graduado em Teatro UERGS/2009. Estudou Letras na FAPA/2002.  Coordena o Núcleo de Dramaturgia do Espaço do Ator. Editor do blog Olhares da Cena. Professor do Espaço do Ator e da extensão na UNISINOS. Produziu “Três tempos para a dramaturgia negra no RS” contemplado no edital Diversidade nas Culturas da Fundação Marcopolo. Foi indicado no Prêmio Açorianos 2021 em 3 categorias: Olhares da Cena na categoria Ação Formativa e o projeto "Três tempos para a dramaturgia negra no RS" nas categorias Ação Formativa e Ação Periférica.



sábado, 27 de novembro de 2021

A MULHER ARRASTADA - MOSTRA UMBÚ

 




Por Diego Ferreira - Especial MOSTRA UMBU DAS ARTES*

“A Mulher Arrastada” foi o espetáculo de abertura da Mostra Umbú das Artes que nasce com o propósito de reunir diversos trabalhos realizados durante a pandemia por artistas e coletivos teatrais, em diversos outros formatos que não o teatro em sua essência. Nascidos mutantes, são trabalhos que se equilibram na corda bamba dos “entres”: ora investigando sua relação com o cinema, ora desbravando o meio virtual como possibilidades de novas linguagens artísticas. Expressões das artes cênicas que, através de diferentes ferramentas, encontram a sala de cinema como janela de contato com o seu público, de forma segura e presencial.

Assistir “A Mulher Arrastada” na telona foi uma experiência arrebatadora. Pude experimentar o espetáculo de modo presencial, online e agora no cinema. Penso que o trabalho funciona e emociona em qualquer plataforma que se utilizar pelo material humano que a narrativa convoca o espectador a comungar. A experiência na telona agiganta ainda mais esse manifesto que evoca o episódio ocorrido no Rio de Janeiro,  uma ode contra o apagamento da memória de Cláudia da Silva Ferreira, mulher, negra, pobre, mãe que foi brutalmente assassinada e arrastada pela PM/RJ. 

A escrita de Diones Camargo me toca de uma forma intensa, justamente por criar narrativas que evoquem vozes que cada vez mais precisam ser exaltadas, vozes como esta ecoem e não sejam caladas, busquem o seu lugar de fala, buscando por si só o lugar de protagonismo sem a necessidade de mediação de terceiros. “A mulher arrastada” é um texto que a começar pela estrutura, eclode o drama assim como ocorre em autores pós-modernos, colocando em cena monólogos e vozes.

O texto é permeado de memórias fragmentárias e inconstantes, ficção e realidade andam juntas, também a dimensão do tempo está desconstruída: não há noção de passado e presente, separação de eu e outro; em caráter de hibridismo (o texto é um poema dramático, narrativo, concreto, e extremamente político, uma peça manifesto); um novo estado de expressão e percepção em uma escrita que é distante da estrutura tradicional de enredo. A fragmentação do sujeito contemporâneo é alcançada esteticamente com a utilização de recursos como as figuras do HOMEM/POLICIAL que tem a função de situar os passos de Cláudia, a utilização de uma narrativa não linear, não especificação das personagens e do cenário, distorção do senso de realidade e de tempo. 
A interpretação irretocável de Celina Alcântara que é simplesmente arrasadora, meticulosa e espetacular. Na tela grande Celina alcança uma força ainda maior nas vezes em que o close está focado em seu rosto. Impossível assistir a performance de Celina e não ser tocado, não ser perturbado pela força com que representa a personagem. Pedro Nambuco está no mesmo patamar de Celina e me assombra apenas através de sua presença, pois representa a força e a truculência policial branca, representa toda a bestialidade dos militares que tomam conta do poder e do estado. Nambuco representa um personagem que me dá asco, de certa forma, desde suas palavras iniciais, durante a violência que trata a mulher arrastada e até mesmo quando não tem falas, nem tampouco está em cena, mas apenas pelo fato de percebermos sua presença rondando o espaço como um lobo faminto. A dupla de atores está de parabéns pelo excelente trabalho. Assim como a direção de Adriane Mottola, que soube concatenar todos os elementos da encenação, partindo do texto de Diones, e explorando o melhor dos atores. Direção primorosa que parte de elementos simples para chegar num trabalho arrojado. 
Impossível não citar a iluminação funcional de Ricardo Vivian, que além de iluminar o espaço da cena onde os atores atuam, cria uma luz perfeita que dá conta de todo espaço, desde a entrada até atrás das arquibancadas criando um ambiente muitas vezes sufocantes, como a trilha sonora de Felipe Zancanaro que se faz presente em grande parte da cena, de forma sutil, operada ao vivo, uma experiência sonora que auxilia muito na construção emotiva do filme-espetáculo. 
Sigamos clamando: Claudia da Silva Ferreira, presente!

 


FICHA TÉCNICA


Direção: Adriane Mottola Texto:Diones Camargo Elenco:Celina Alcântara e Pedro Nambuco Iluminação:Ricardo Vivian Trilha Sonora:Felipe Zancanaro 



*Diego Ferreira é Dramaturgo, Diretor, Professor e Crítico Teatral. Graduado em Teatro UERGS/2009. Estudou Letras na FAPA/2002. Coordena o Núcleo de Dramaturgia do Espaço do Ator. Editor do blog Olhares da Cena. Professor do Espaço do Ator e da extensão na UNISINOS. Produziu “Três tempos para a dramaturgia negra no RS” contemplado no edital Diversidade nas Culturas da Fundação Marcopolo. Foi indicado no Prêmio Açorianos 2021 em 3 categorias: Olhares da Cena na categoria Ação Formativa e o projeto "Três tempos para a dramaturgia negra no RS" nas categorias Ação Formativa e Ação Periférica.



 

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

OLHARES DA CENA É INDICADO AO PRÊMIO AÇORIANOS 2021

 

INDICAÇÕES AO PRÊMIO AÇORIANOS DE TEATRO ADULTO

Ontem saiu a lista de indicações ao Prêmio Açorianos de Teatro Adulto e o Olhares da Cena foi indicado na categoria Ação Formativa.
Desenvolvemos um trabalho de crítica a mais de 10 anos, de intelectualidade negra, pois por detrás de todos os textos está a figura de Diego Ferreira, que é crítico teatral, dramaturgo e professor e decidiu enveredar para o lado intelectual da arte por perceber que nesse nicho ainda existe poucos negros por falta de espaço e incentivo, sendo um espaço que é extremamente difícil de se colocar e de ser reconhecido.

Indicados Açorianos de Teatro Adulto

Espetáculo
206820
A última Negra
A Vó da Menina     
Foi o Que Deu Para Fazer
Hipergaivota

Direção
Camila Bauer por Derrota
Camila Bauer e Bruno Gularte Barreto por A Vó da Menina
Dilmar Messias e Gabriel Messias por De Profundis: Epistola in Cárcere et Vinculis
Francisco Gick por Hipergaivota
Maurício Casiraghi por 206820
Vitória Titton por Foi o Que Deu pra Fazer

Artista/Performer Masculino
Eduardo Dávila por Manual para Naufragos
Elison Couto por De Profundis: Epistola in Cárcere et Vinculis
Jardel Rocha por A Classe Cordial
Lauro Fagundes por Foi o Que Deu pra Fazer
Paulo Flores  por Leitura Drama-Cinematográfica Instruções para Abraçar o Ar

Artista/performer Feminino
Debora Finochiaro por A Classe Cordial
Hayline Vitória por a Última Negra
Laura Hickman por A Vó da Menina
Liane Venturella por Palácio do Fim e Derrota
Sandra Dani por A Vó da Menina

Destaque técnico
206820
A Vó da Menina
Foi o que deu pra fazer

Ação Formativa
A Última Negra
Laboratório de Montagem Cênica Exclusivo para Travestis e Transexuais
Olhares da Cena - Crítica e memória do teatro gaúcho
Três Tempos para a Dramaturgia Negra no RS: Formação, Reflexão e Memória

Ação Periférica
Hipergaivota
Preta Poesia Feminina
Três Tempos para a Dramaturgia Negra no RS: Formação, Reflexão e Memória