quinta-feira, 23 de agosto de 2012

FIM DE PARTIDA (RS)



"Nada é mais cômico que a realidade"  
Samuel Beckett

A apresentação do espetáculo "Fim de Partida" no Teatro Therezinha Petry Cardona foi de encontro e celebração com a obra de Samuel Beckett. Encontro com o teatro realizado em Santa Maria, cidade do Grupo TEATRO POR QUE NÃO?, e que juntamente com o grupo ATELIÊ DO COMEDIANTE, que participou do 1º Montenegro em Cena, puderam mostrar aqui, uma parcela da produção da cidade, comprovando a qualidade do teatro de Santa Maria. 
A encenação, baseada no texto "Fim de Partida" de Samuel Beckett, discorre sobre a crueldade das relações humanas inseridas num jogo constante de poder.  O fim da vida é condenado pela solidão, no qual, o desespero é tomado por uma total inércia. A relação de autoritarismo e dependência entre o criado Clov e o patrão cego Hamm, é marcado por uma comicidade requintada e altamente reflexiva. Hamm dá as ordens, enquanto Clov obedece. Mas é Clov quem dita a continuidade do jogo, pois ele pode partir a qualquer momento, e então todos morrerão, pois dependem dele para continuar existindo, pois Clov é o único que anda. 
O grupo consegue adaptar o texto rígido de Beckett sem trair o original, mantendo as características que fazem parte do universo hostil e degradante do autor. Rígido, porque o autor é "quase" um encenador de sua própria obra, pois através de suas didascálias consegue colocar a sua voz no palco, e fugir as suas orientações é quase como traí-lo. Mas eu disse que Beckett é "quase" um encenador pois a sua obra é texto, dramaturgia e seu sentido se completa no palco através da encenação. E a jovem diretora Luiza de Rossi, consegue vencer a rigidez e preencher as arestas propostas pela dramaturgia do autor. 
Sempre fico curioso quanto a encenações de textos clássicos, sacramentados e conhecidos pelo público, pois me parece que já existe uma fórmula, uma receita para encená-los, parecendo que o diretor não pode mexer nessa estrutura, ousar, enfim, colocar o seu ponto de vista acerca de determinadas obras. Fico muito chateado quando leio um texto para teatro e após vou assisti-lo e vejo que não há nada de novo em relação a proposta textual. E isto não acontece com o trabalho do Teatro por que não?, pois o grupo corta, adapta, ousa, mas não trai Beckett, pois o cerne, a origem, os conflitos estão presentes na encenação. 
A concepção é bastante inteligente ao utilizar uma paleta de cores interessante, que dá uma coesão a plasticidade da cena, ou seja, os figurinos, maquiagem, cenários, adereços e iluminação tem todos o mesmo tom, com pouca variação de cores e intensidade, o que provoca o olhar do espectador, atentando para o  minimalismo da cena. 
A direção é inteligente, pois soube acentuar o cômico presente no texto, através das ações dos atores, construindo uma densidade que aos poucos vai conquistando o espectador, e isto é mérito da direção que através do ritmo e evolução da cena, vai nos provocando e trazendo questões sobre a humanidade. Outro ponto positivo foi quanto a não utilização de trilha sonora, valorizando as pausas, a respiração, os silêncios necessários para construir e embasar a cena. 
O elenco é excelente. André, Cauã, Felipe e Rafaela são coesos e intensos, pois conseguem construir e sustentar muito bem seus personagens, o jogo entre Clov  e Hamm é impressionante, pois os atores estão entregues, através de movimentos e palavras conseguem construir um jogo preciso e apurado. E a cena com Nagg e Nell retrata personagens parados no tempo, sem nenhuma perspectiva, com um imenso vazio, e a interpretação dos atores consegue criar este niilismo, este aniquilamento da existência, mas a cena daqueles dois seres em estado de decomposição presos a latões é de uma beleza estética e poética bastante apurada que ao assistir pude vivenciar uma das experiencias mais solitárias e o pior é que eu não podia interferir na cena.  
O teatro Por Que não? está de parabéns pela proposta de trazer a tona este texto de Samuel Beckett, bastante atual por tratar sobre as relações humanas, traçando um panorama do homem em sua miséria, crenças e descrenças. E conseguem construir um espetáculo maduro, potente e atual. 

Ficha Técnica:
Texto de Samuel Beckett; Direção de Luiza de Rossi; Atuação de André Galarça, Cauã Kubaski, Felipe Martinez e Rafaela Costa; Iluminação de Juliet Castaldello; Sonoplastia de Daniella Paez; Cenografia e Figurino do grupo; Maquiagem de Aline Ribeiro;