TRABALHO PROVOCANTE SOBRE UM PAÍS DO FUTURO
por Diego Ferreira*
O espetáculo "História do Futuro" coloca em cena uma adaptação do texto de Antonio Vieira escrito a mais de 300 anos e que prevê a ideia de um país do futuro. Diria que o texto e a própria encenação vem muito a calhar diante de todas as situações que estamos vivenciando num Brasil que está mergulhado em incertezas políticas e o contexto da obra, que é muito atual dialoga diretamente com tudo isso.
Provocação é a palavra que melhor se encaixa em relação ao trabalho apresentado, pois diante de todas as soluções estéticas apresentadas me senti extremamente provocado, através do texto que consegue ampliar a noção de construção de um país, sua formação, sua gente e cores, sua derrocada a partir da corrupção e a partir disso, sua reconstrução através da ética empregada em suas relações com suas mazelas. Me senti provocado com a própria encenação com direção de Eduardo Severino que é artista da dança e estreia na direção teatral, e carrega em uma direção contemporânea, articulando novos padrões de encenação, requisitando do espectador uma percepção centrada nas sensações, ora desconstruindo a fábula e evitando qualquer significado racional, ora centrado na experiência estética provocado pelas ótimas projeções mapeadas de Jana Castoldi que tornam a experiência prazerosa pela qualidade e apuro estético. Severino a partir de suas experiências consegue criar um espetáculo que coloca em cena um ator que está extremamente seguro em cena, um corpo que é expressivo, que é minimalista e que tem domínio de seus movimentos, e que tudo que está colocado ali tem um sentido. Caco Coelho está excelente em cena, dono de si e com uma potência que eu não estava acostumado, pois conhecíamos seu trabalho como produtor e diretor, um verdadeiro batalhador das artes da cidade, sendo o projeto Usina das Artes um grande exemplo. Mas o lado ator de Caco estava adormecido e nesta oportunidade é desvelada e merece nosso destaque pela qualidade e apropriação do texto de Antônio Vieira. Um ator exercitando sua plenitude em cena. Mas os méritos da produção não cessam por aqui, pois além da qualidade de Severino e Caco Coelho, destaco também as participações em vídeo de Lima Duarte que dialoga e interfere na cena diretamente e sua participação é fundamental para o desenvolvimento da obra. Cabe citar a trilha sonora de Renato Velho e Driko Oliveira que é pontual e totalmente dentro da proposta da encenação, assim como a iluminação de Guto Greca e Eduardo Kramer que conseguem dialogar com as projeções, com o cenário e com as cenas que o ator faz na platéia, que aliás são muito boas quebrando a quarta parede e aproximando o espectador ao trabalho.
"História do Futuro" é um espetáculo que tem muitas camadas e que merece ser visto e revisto pela capacidade que tem de dialogar com questões do nosso tempo e que se utiliza de uma estética apurada para falar sobre um Brasil possível. Produção impecável de Gisela Sparremberger que precisa urgentemente ser assistida.
FICHA TÉCNICA:
Supervisao: Vera Holtz
Direção: Eduardo Severino
Roteiro e Interpretação: Caco Coelho
Produção e Assessoria de Imprensa: Tradeberger Cultural / Gisela Sparremberger
Projeção Mapeada: Jana Castoldi
Participação em Audiovisual: Lima Duarte
Luz: Guto Greca e Eduardo Kramer
Trilha Sonora: Renato Velho e Driko Oliveira
Coordenação Técnica: Gabriel Coelho
Vídeo: Fernando Piccoli
Figurino: Mariane Collovini
Voz: Lígia Motta
Acompanhamento Psicopedagogo: Clarissa Candiota
Fotografia: Taís Regina Palhares
*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle.