segunda-feira, 20 de junho de 2022

AS PRINCESAS E O PRÍNCIPE ENCANTADO (RS) - CRÍTICA

 



PRODUÇÃO INFANTIL ATUALIZA CLÁSSICOS

por Diego Ferreira*

    "As Princesas e o Príncipe Encantado" é um musical Infanto-juvenil que recria e atualiza alguns personagens clássicos do nosso imaginário. Uma produção da Falcão Produções Culturais que cumpriu curta temporada de sucesso no Teatro Bruno Kiefer. O espetáculo reúne alguns arquétipos dos clássicos infantis já conhecidos e são encenados a partir de um ponto de vista crítico e moderno, buscando outro olhar sobre as ações dos personagens enquanto indivíduos sociais. Os contos de fadas tiveram sua ascensão no século XVII, na França. Autores como os irmãos Grimm foram precursores de histórias arrebatadoras disseminadas de geração em geração, contudo, com uma análise mais crítica da origem dessas narrativas, é possível perceber profundas alterações que o gênero sofreu ao longo do tempo, mudanças feitas para diminuir o impacto negativo das histórias originais. Muitas vezes nosso olhar sobre clássicos é apenas da abordagem feita pela Disney, onde se cria uma visão quase sempre romantizada de temas e narrativas. Os contos de fadas pertencem à literatura infantil, mas nem por isso deixam de encantar pessoas de várias idades ao redor do mundo. Considerados clássicos da literatura mundial, os contos de fadas têm origem em tempos remotos e nem sempre se apresentaram como os conhecemos hoje. O aspecto fantasioso e lúdico que hoje os envolve surgiu da necessidade de minimizar enredos controversos e polêmicos, próprios de uma época em que a civilização ainda não havia inventado o conceito que hoje conhecemos tão bem: a infância. E justamente sobre a infância na atualidade que a produção mira ao colocar em cena essa narrativa atualizando alguns clássicos. 
    Manuela Falcão e Duda Falcão tem consciência disso e transpõe para o palco uma versão dramaturgicamente simples, mas eficaz, que conseguem prender a atenção das crianças e lança um certo frescor ao texto, algumas piadas trazem referências contemporâneas — as risadas vindas da plateia confirmam: a modernização é bem-sucedida. Porém isso não é suficiente quando se pretende atualizar clássicos e desconstruir estereótipos, ainda mais se tratando de infância. Brilhante a ideia de descontruir a "Branca de Neve" e trazer a " Preta da Terra" e também a representatividade de um rei negro que é pai de um príncipe branco, mas somente isso infelizmente não basta quando realmente queremos abordar esses temas pois são essenciais e merecem uma atenção maior, pois não basta apenas colocar atores negros em cena sem uma profundidade que realmente alcance as crianças e a partir disso talvez consigamos de fato dialogar sobre representatividade. Percebo a boa intenção dos realizadores, mas apenas isso não basta, mas sim uma narrativa que justifique de forma concreta o enegrecimento destes personagens. É importante na linguagem infantil reforçar imagens de modo lúdico e o teatro tem esse poder, assim como as crianças tem a capacidade de compreender o que está posta ali. Por outro lado o espetáculo consegue se comunicar muito bem com o seu público principalmente pelo esmero da produção que um espectador mais atento consegue perceber o quanto o trabalho foi pensado em todos os detalhes até chegar na recepção. 
    Destaque para o elenco que conseguiu construir figuras tão conhecidas do público em geral, mas se utilizando de particularidades que conseguem captar o espectador de hoje. Todos os atores estão bem em cena, mas destaco o nome de Adriana Lampert, no papel da Feiticeira, que personifica a vilã do clássico infantil porém trás uma abordagem que trás graça e empatia conseguindo um resultado brilhante em sua composição. Já conhecíamos Lampert de outros espetáculos e sua experiência é colocada aqui nesse trabalho e se sai muito bem. Outro destaque é o Thiago de Souza nas figuras do Rei e Fotógrafo que consegue se desdobrar em dois personagens e faz isso com grande mérito, com presença e voz potente. E também a Pamela Machado como a Preta da Terra que assim como Thiago trás essas personagens com uma leitura que evoca a representatividade, mas o ator e a atriz conseguem colocar-se na cena com uma presença e voz que percebo nascer no corpo fugindo um pouco do estereótipo do imaginário do teatro infantil. Guilherme Scalon, Juliana Katz, Juliana Strehlau e Tamires Mora completam o elenco e tem trabalhos bons de construção das personagens e internalização da narrativa. Se o elenco é o destaque da produção, não poderia deixar de citar os figurinos de Titi Lopes que são mega criativos e consegue criar cada peça com cores, estampas e formas de modo fabuloso, estando dentro da estética do espetáculo e que saltam aos nossos olhos. Se elenco, direção e figurinos são pontos altos da produção e estão alinhados, a trilha sonora deixa um pouco a desejar pelo fato de a produção ser apresentada como um musical infanto-juvenil e a trilha é cantata parte ao vivo e parte gravada, porém muitas vezes os atores não conseguem alcançar o mesmo registro da base gravada, parecendo que a voz gravada não é a mesma cantada ao vivo pelos atores. E isso de certo modo atrapalha a fruição do espetáculo. Mas tirando esse detalhe técnico da produção "As Princesas e o Príncipe Encantado" é ótima opção para todas as platéias pois é dinâmico, divertido e merece ser assistido por quem gosta de teatro bem feito, bem produzido e de qualidade. 

Ficha técnica: Adaptação de texto: Manuela Falcão e Duda Falcão Direção: Manuela Falcão Figurinista: Titi Lopes Coreógrafa: Lupê Gomes Cenógrafo: Jair Thiago Iluminador: Alexandre Saraiva Trilha Musical: Cozme Arte Gráfica: Maestra - Marcelo Prates Fotos: Marco Panichi Assistente de Produção: Nanna Monaco Produção Geral: Falcão Produções Culturais Elenco: Adriana Lampert – Feiticeira Guilherme Scalcon - Príncipe Juliana Katz – Cinderela Juliana Strehlau – Aventureira Tamires Mora – Bela Adormecida Thiago de Souza – Rei e Fotógrafo Pâmela Machado – Preta da Terra



*Diego Ferreira é Dramaturgo, Diretor, Professor e Crítico Teatral. Graduado em Teatro UERGS/2009. Estudou Letras na FAPA/2002. Coordena o Núcleo de Dramaturgia do RS. Editor do blog Olhares da Cena. Professor do Espaço do Ator e da extensão na UNISINOS. Produziu “Três tempos para a dramaturgia negra no RS” contemplado no edital Diversidade nas Culturas da Fundação Marcopolo. Vencedor do Prêmio Açorianos de Teatro 2021 na categoria Ação Periférica. indicado em três categorias no Prêmio Açorianos 2021.