* por Diego Ferreira
Confesso que a cada estréia do GrupoJogo crio grandes expectativas, sei que não deveria, pois a expectativa poderia se transformar em frustração. Mas não foi o que ocorreu, pois já disse diversas vezes que esse coletivo sempre inova e surpreende em suas ações. E eis que nesse ano em que o grupo marca os seus 15 anos de atividade teatral surge “Prédios espelhados matam passarinhos” marcando a data comemorativa e também a retomada presencial. O espetáculo parte do mito de Sísifo para abordar as relações de trabalho contemporâneas. As personagens se encontram imersas em um contexto no qual novas tecnologias e vínculos empregatícios se interseccionam. O mito trás Sísifo, homem que desafiou os deuses e quando capturado sofreu uma punição para toda eternidade, ele teria de empurrar uma pedra de uma montanha até o topo; a pedra então rolaria para baixo e ele novamente teria que começar tudo. Recomeçar, eis uma das metáforas que diz muito sobre o momento e o trabalho, um recomeço, um renovo, um retorno ainda dentro de uma pandemia. Vemos em Sísifo o ser que vive a vida ao máximo, odeia a morte e é condenado a uma tarefa sem sentido, como o herói absurdo. Não obstante reconheça a falta de sentido, Sísifo continua executando sua tarefa diária. Assim como no mito o GrupoJogo se utiliza desse disparador para trabalhar uma metáfora sobre a vida moderna, como trabalhadores em empregos fúteis em fábricas e escritórios. O operário de hoje trabalha todos os dias em sua vida, faz as mesmas tarefas. Esse destino não é menos absurdo, mas é trágico quando apenas em raros momentos ele se torna consciente. E justamente essa metáfora do mito que é explorada na produção através de uma dramaturgia criada em sala de ensaio, onde o que interessa não é apenas o texto em sua forma escrita, mas uma dramaturgia que se preocupa com os mecanismos da cena e com dinâmicas utilizadas na composição que interferem na construção do trabalho. Gabriel Pontes é o responsável pela dramaturgia e também pela direção audiovisual e isso diz muito sobre o que assistimos, os cortes, a narrativa dos diálogos, a narrativa audiovisual e a narrativa dos corpos. Lógico que enxergo o pulso criativo de Alexandre Dill que assina a direção deste trabalho e mais uma vez a frente do GrupoJogo coloca em cena um trabalho que destila teatralidade evidenciando uma corporeidade, fisicalidade e uma cena pautada num universo imagético que instiga o espectador a criar seus sentidos através de cenas curtas, rápidas e performáticas. "Prédios espelhados matam passarinhos" é uma combinação perfeita entre técnica, estética, força poética e politica. Uma experiência radical que coloca a técnica teatral a prova sem deixar de lado uma contestação que provoca nosso olhar a desvelar as relações de trabalho mas também ampliando esse olhar que nos leva a radicalizar essa percepção do olhar de cá, do olhar do espectador do teatro, que não está apenas sentado ali, na poltrona, no escuro do teatro procurando uma experiência lógica mas sim uma experiência sensorial, que além de nos provocar esteticamente também vai nos provocar socialmente, e esse trabalho provoca o nosso olhar a despertar sobre de como as relações sociais permeiam a sociedade de hoje e onde nos colocamos nisso. Os intérpretes Gustavo Susin, Guilherme Conrad, Lucca Simas, Louise Pierosan, Vicente Vargas e Júlia Moreira colocam seus corpos a prova e destilam técnica sustentada por um olhar crítico para o mundo de hoje, e esse olhar é manifestado através de um corpo dilatado em cena, um corpo-político que fala, que grita e emana através do gesto uma força que se transforma em poesia visual. Existe um texto, um contexto, existe ali uma narrativa que nos guia, mas é inegável que é essa performance estética e visual que coloca o corpo e presença do interprete no centro da cena aliado a perfeita combinação de elementos da composição teatral como a excelente iluminação, trilha sonora, cenografia e vídeos que detonam a tônica e tornam a experiência viva e emocionante que é essa nova produção do GrupoJogo.
FICHA TÉCNICA COMPLETA
Direção e cenografia