Quando assisto o espetáculo a primeira questão que se sobressai é que se trata sobre um relacionamento e toda a problemática que essa relação pode trazer, independente de ser uma relação hétero ou homossexual. Mas creio que é justamente aqui que aparece esse muro intransponível que o título trás, que pode ser uma barreira material ou metafórica. Esse muro, parede forte que protege ou defende um lugar do outro, ou até mesmo separa, segrega. E eu creio que o texto de Ed Anderson, que alias é um belo texto e ponto para Paulo Guerra que nos apresenta esse autor baiano com uma dramaturgia que é um dos grandes destaques da produção, pois ao mesmo tempo que é um texto direto, cru, que vai desvelando as agruras desse relacionamento que está começando, ao mesmo tempo Ed Anderson nos oferece um texto que tem muita coisa sublinhada, muitas questões nas entrelinhas, no que sai da boca dos personagens e no que chega aos nossos ouvidos e de que forma chega, como internalizamos cada palavra e frase desse texto, que carrega em si múltiplas camadas que vai da intimidade desse casal até mesmo a temas e assuntos atuais. E o mérito do texto é que ele aborda uma relação real, sem estereótipos ou panfletagem, sem meandros, o que o torna universal. Existe um clima, uma tensão entre os personagens, uma construção textual que consegue partir desse clima de primeiro encontro, uma energia boa, de festa, alegria, até ir para um clima de sedução, de disputa de poder que constrói e principalmente sustenta uma tensão que se intensifica e vai até o final desse espetáculo. Mérito do Paulo Guerra que mais uma vez consegue entregar ao público uma produção esmerada, que pensa a cena em todos os detalhes como a iluminação, o cenário, a trilha sonora e até mesmo toda a parte de divulgação do espetáculo. Paulo Guerra ao longo dos anos sempre nos trás em suas direções tanto para o público adulto como nos trabalhos dirigidos a infância espetáculos que equilibram a estética com a ética dos temas abordados, uma visão de encenador muito peculiar que torna cada trabalho especial. E juntamente com Juliano Passini e Renato Santa Catharina conseguem nos situar nesse labirinto de emoções, através de atuações seguras dos atores. Outro destaque da produção é o cenário de Jony Pereira que cria uma série de artefatos que faz com que os móveis se transformem em cena assim como os personagens que como simulacros vão se moldando ao longo da trama. Entendo o papel da arte enquanto construção política e esse espetáculo é de grande importância para a cena gaúcha para fruição do espectador pela qualidade, mas também uma importante ferramenta para reflexão justamente pela narrativa, pois o país vive uma onda conservadora tamanha que o espetáculo é também um grande passo para destruição desse grande e imponente muro que insiste em se manter em pé.
FICHA TÉCNICA
*Diego Ferreira é Dramaturgo, Diretor, Professor e Crítico Teatral. Graduado em Teatro UERGS/2009. Estudou Letras na FAPA/2002. Coordena o Núcleo de Dramaturgia do RS. Integrante da Comissão Julgadora do 9º Concurso Nacional de Dramaturgia Carlos Carvalho promovido pela Coordenação de Artes Cênicas da Prefeitura de Porto Alegre. Editor do blog Olhares da Cena. Professor do Espaço do Ator e da extensão na UNISINOS. Produziu “Três tempos para a dramaturgia negra no RS” contemplado no edital Diversidade nas Culturas da Fundação Marcopolo. Vencedor do Prêmio Açorianos de Teatro 2021 na categoria Ação Periférica.