sábado, 14 de maio de 2022

DE PROFUNDIS - EPÍSTOLA IN CARCERE ET VINCULIS (RS) - CRÍTICA



ATUAÇÃO ÉTICA EVOCA OSCAR WILDE
   
                                                      *por Diego Ferreira

A cena teatral pós isolamento social devido a pandemia tem nós revelado gratas surpresas e uma delas é esse solo de Elison Couto numa produção do Circo Girassol. O trabalho surpreende primeiro por resgatar a obra de Oscar Wilde e tudo o que ele representa, principalmente em tempos de cerceamento de liberdades num Brasil onde a ode as violências é exaltado e aplaudido por um governo autoritário e parte da sociedade. Oscar Wilde foi um dos melhores autores de seu tempo quando foi condenado à prisão, em 1895, numa acusação que remetia à sua homossexualidade, considerada crime na época. Enquanto estava encarcerado, o autor escreveu uma carta a Lord Alfred Douglas, com quem mantinha uma relação que foi o estopim para sua prisão. Intitulada De profundis, a carta, amarga, traz uma reflexão a respeito da ética, com a linguagem de um grande escritor, um homem cuja vida não seria mais a mesma após os anos de encarceramento, mas cuja obra permaneceria por séculos como um cânone da literatura. Outra grata surpresa além do resgate de Wilde é a atuação de Elison Couto que nos surpreende com todas as suas potencialidades de ator colocadas ali na cena. Como é bom ver um ator em cena que exerce seu ofício de modo ético, no sentido de comungar e partilhar com o espectador um modo particular e íntimo de sua entrega enquanto ator. Consegue a partir de sua presença construir um universo de muitas camadas através da narrativa proposta. Elison está entregue de corpo, alma e voz, sim e que voz, um ator que emite uma voz potente, articulada que tem uma consciência na emissão de cada palavra dando peso, voz e energia fazendo com que o espectador acompanhe uma narrativa visual mas também uma narrativa que passa pela oralidade principalmente pela presença luxuosa da pianista Elaine Foltran Cordella que o acompanha no palco e faz algumas inserções musicais, o que me possibilita fechar os olhos em alguns momentos e ouvir o texto e a musicalidade da poesia de Oscar Wilde somadas a interpretação de Elison Couto e a musicalidade de Cordella. É óbvio que o espetáculo trás uma estética que concatena a maquiagem, a iluminação, o figurino e o cenário que molda literalmente o corpo do ator ganhando vida em cena, mas o ator e sua presença em cena são soberanos e torna o espetáculo um trabalho de ator, digamos um ator competente e maestro da cena dirigido por Dilmar Messias que completa 50 anos de trabalho e que juntamente com seu filho Gabriel Messias conseguem extrair o melhor de Wilde e Elison. Talvez um único porém da montagem é que em alguns momentos essa própria poesia que está presente na cena faz com que o espetáculo caia numa linearidade de ritmo, uma cadência que não chega a atrapalhar, mas creio que a própria construção dramatúrgica poderia provocar sobressaltos que provocasse e afetasse o espectador de outros modos, mas isso é apenas uma opinião, e como disse não atrapalha em nada a fruição de "De Profundis" que coloco como uma maravilhosa surpresa dessa retomada do teatro gaúcho. 



Ficha Técnica:
Autor: Oscar Wilde 
Dramaturgia e Direção: Dilmar Messias
Codireção: Gabriel Messias
Elenco: Elison Couto
Direção Musical: Fernando Cordella 
Direção de arte, cenário e figurinos: Diego Steffani
Iluminação: Anderson Balieiro
Arte: Pena Cabreira
Design Gráfico: Pomo Estúdio
Maquiagem: Denise Souza 
Direção Audiovisual e Montagem: Gabriel Messias

                     

*Diego Ferreira é Dramaturgo, Diretor, Professor e Crítico Teatral. Graduado em Teatro UERGS/2009. Estudou Letras na FAPA/2002. Coordena o Núcleo de Dramaturgia do RS. Editor do blog Olhares da Cena. Professor do Espaço do Ator e da extensão na UNISINOS. Produziu “Três tempos para a dramaturgia negra no RS” contemplado no edital Diversidade nas Culturas da Fundação Marcopolo. Vencedor do Prêmio Açorianos de Teatro 2021 na categoria Ação Periférica. indicado em três categorias no Prêmio Açorianos 2021.