SOB OLHAR DA CONFRONTAÇÃO, ESPETÁCULO TRIUNFA NA CENA ATUAL
por Diego Ferreira*
" Frankenstein" é o novo e ousado projeto do Coletivo Gompa, que a cada novo trabalho nos coloca diante de novas possibilidades no campo das artes da cena. Fica difícil categorizar e encaixotar em rótulos as produções deste coletivo que nos últimos cinco anos tem se dedicado a pesquisa de linguagem e levado a risca o hibridismo em suas produções. A chamada pós-modernidade teatral articulou novos padrões de encenação, requisitando do espectador uma percepção centrada nas sensações, ora desconstruindo a fábula e evitando qualquer significado racional, ora centrando a experiência estética no campo mítico ou performático da representação. E "Frankenstein" vai ao encontro destes dois vértices, que ao mesmo tempo eclode com a fábula presente no original de Mary Shelley buscando a essência da narrativa para expandir o conceito de pertencimento, além de trazer a tona questões sobre beleza, aceitação, mutilação, através de um olhar crítico e contemporâneo que evidencia o corpo e partes dele, pedaços, composições, deformações que vão criando fragmentos de um monstro que podemos fazer um paralelo com temas que estão sendo discutidos na atualidade como amputações, doação de órgãos, mutilações entre outras interferências e violências que nosso corpo está propenso a receber. Camila Bauer na direção do espetáculo mais uma vez surpreende, pois percebe-se que sua busca está sempre voltada para a reinvenção de si e dos códigos cênicos colocados em cena, sua direção passa a ser mais do que uma construção, mas a interrogação dos sentidos sob o olhar da confrontação de idéias e isso é louvável, pois o que vemos na cena é sempre algo novo, provocante sob a perspectiva contemporânea.
Fabiane Severo é uma artista múltipla da cena, que mesmo nas montagens teatrais sempre evidencia a sua técnica apurada e refinada, com um corpo disponível que emana energia e que se comunica fortemente com o espectador. Sua performance em "Frankenstein" está nada menos que sensacional, com uma entrega que torna um corpo expansivo, conseguindo articular pequenas tensões através de um corpo presente e expressivo, um trabalho espetacular que fica na nossa memória como aqueles espetáculos inesquecíveis pela entrega de seus realizadores. Douglas Jung demonstra um corpo experiente, hábil para fazer qualquer coisa em cena, através de uma técnica apurada. Através de sua performance conseguimos visualizar pequenas pulsões de vida/morte, percepções de movimentos que tornam a experiência radical, no sentido em que vislumbramos a potência de um corpo preparado e habilitado para dialogar com a cena fragmentada e repleta de climas e tensões que é "Frankenstein". Um trabalho imagético e com uma paisagem sonora que é um novo personagem em cena, pelo fato de provocar os corpos e o espectador a adentrar nesse universo de terror. Alvaro RosaCosta é mestre em criar essas paisagem que ultrapassam o que convencionamos a chamar de trilha sonora, cria uma paisagem sonora pois é elemento fundamental para a construção e fruição do espetáculo. Assim como a iluminação de Ricardo Vivian que auxilia na construção de texturas e delimitação do tempo/espaço da cena. Cabe citar o inventivo cenário de Élcio Rossini e os figurinos de Renan Vilas que são provocativos em sua essência e dentro da proposta dão o tom necessário para nos provocar e nos colocar dentro do clima da cena.
O projeto Gompa mais uma vez está de parabéns não apenas pelo trabalho, mas pelo conjunto de sua obra que a cada novo passo eleva as produções gaúchas a outros patamares, qualificando tecnicamente o teatro feito por aqui, prova disso é o reconhecimento que o coletivo vem conquistando por onde passa.
Bravo!!!
FICHA TÉCNICA
Direção: Camila Bauer
Elenco: Fabiane Severo e Douglas Jung
Composição e cena sonora: Álvaro RosaCosta
Coreografia: Fabiane Severo e Douglas Jung
Provocações coreográficas: Carlota Albuquerque
Cenografia e objetos: Élcio Rossini
Iluminação: Ricardo Vivian
Figurinos: Renan Vilas
Dramaturgia: Camila Bauer, Carina Corá e Pedro Bertoldi
Arte gráfica: Jéssica Barbosa
Fotografia: Regina Protskof e Cláudio Etges
Produção e realização: Projeto GOMPA
*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle.