domingo, 12 de janeiro de 2020

SAMBARACOTU (RS)


PROVOCAÇÕES ÉTICAS E  ESTÉTICAS EM ESPETÁCULO FORTE DA CANOAS CIA DE DANÇA

Diego Ferreira*

ESPECIAL PORTO VERÃO ALEGRE 2020



"Sambaracotu" traz a mesclagem da dança urbana criando intersecções com procedimentos da cultura popular e sonoridades brasileiras, que pode ser traduzido para o enfrentamento político capaz de revelar provocações éticas e estéticas e até mesmo negociar uma reação capaz de enlaçar a linguagem-ritmo-paisagem-cultura com a desnormatização do corpo, saindo de uma desconstrução do corpo urbano, esfacelado, enrijecido e muitas vezes linear para uma corporeidade tradutora da linguagem popular contemporânea, com gestos plásticos, políticos inseridos no "corpo textualizado", que consegue traduzir conceitos através de uma linguagem física e corporal e não verborrágica. 
O novo projeto da Canoas Coletivo de Dança é uma provocação estética para aqueles que gostam da criação de novos vocabulários corporais. O projeto anterior "Whattsapp para Shakespeare" já trazia uma pesquisa de um corpo hiperconectado diante das comunicações interrompidas, e que trazia um corpo belo, teatral e estilizado e que consegue neste novo projeto ampliar conceitos e a própria pesquisa que coloca a dança urbana em outro patamar, pois a retira do seu lugar comum e amplia possibilidades de exploração de movimentos urbanos aliados a sonoridades brasileiras. A figura da Carlota Albuquerque como provocadora deixa claro a desconstrução dos corpos dos intérpretes-criadores,  que partem de suas experiências com as danças urbanas, cedendo lugar a um corpo que transcende o próprio estilo e alcança um patamar que não se limita a um conjunto de técnicas específicas, mas sim algo contemporâneo que é mais global por causa dos códigos e procedimentos adotados na construção do espetáculo.  "Sambaracotu" é vivo, pulsante, contagiante e conta com um conjunto de 8 bailarinos-criadores-intérpretes que estão excelentes em suas performances, que através de seus corpos evocam e materializam uma múltipla e ampla sonoridade brasileira. E por falar em sonoridade a criação de Álvaro RosaCosta, juntamente com Simone Rasslan mais uma vez é acertada e estão há muito tempo num caminho que criam e produzem trilhas sonoras ou paisagens musicais que extrapolam o próprio conceito de trilha cênica, tamanha é a diversidade, originalidade e qualidade do uso do som na cena. Um estudo profundo e análise do universo sonoro que constituem diferentes intensidades e texturas melódicas e que dialogam e interferem no desenvolvimento da cena. A direção compartilhada destes três profissionais  de alto gabarito, Carlota, Simone e Álvaro faz de "Sambaracotu" um espetáculo com forte teatralidade e ricas sonoridades que dialogam com o nosso tempo, que é um tempo de reinvenção e conexões interculturais, um tempo de descobertas, um tempo de provocar e ser provocado, um tempo de "Samba + Maracatu". O espetáculo ocupou de forma espetacular o pequeno palco do Instituto Ling e soube explorar todo o espaço do palco, corredores e até mesmo o teto com projeções e um cenário criativo de Rodrigo Shalako, e uma nova proposta de iluminação proposta por Ricardo Vivian, que os próprios intérpretes as vezes operavam a iluminação, conseguindo criar uma luz eficiente, assim como os figurinos de Gustavo Dienstmann que tras texturas diferentes para uma mesma cor. Meu único desejo é o de assistir novamente a montagem num espaço mais amplo, pois as vezes tinha a sensação que a potência do espetáculo acabava ficando espremida devido ao espaço pequeno do Ling, mas que não atrapalha em nada na fruição do trabalho, mas apenas uma sensação de ver por exemplo no palco do Teatro Renascença, e ver o espetáculo ganhando outras dimensões e até mesmo os corpos dos bailarinos ganhando outros status. Que a Canoas Coletivo de Dança possa seguir investigando novos procedimentos e encantando platéias.                           
 

Ficha técnica
Direção: 
Carlota Albuquerque, Álvaro RosaCosta e Simone Rasslan
Provocações coreográfica e pesquisa de movimento: 
Carlota Albuquerque
Provocações sonoras, pesquisa e composição musical: Álvaro RosaCosta e Simone Rasslan
Intérpretes criadores: 
Carini Pereira, Carol Fossá, Danielle Costa, Leslie Taube, Leonardo Patro, Roberto Mendes, Tiago Ruffoni e Tom Peres
Consultoria e curadoria de linguagem: 
Eliane Marques
Desenho de luz  e projeção: 
Ricardo Vivian
Figurinos: 
Gustavo Dienstmann
Cenário: 
Rodrigo Shalako
Cenotécnico: 
Paulo Pereira
Direção de produção: 
Cris Pereira
Artista colaboradora: 
Joana Willadino
Intercâmbio artístico: 
Renann Fontoura
Letristas: 
Ronald Augusto, Danielle Costa, Leandro Maia
Músicos convidados: 
Daniela Luz, Beto Chedid e Yago Lima
Produção: 
Canoas Coletivo de Dança
Apoio: 
Colégio Rondon, Studio Spasso, Sala Terpsí

*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado e coordenador do Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle.