Dramaturgia(s): Ampliação do discurso estético
por Diego Ferreira*
O espetáculo "ELAS" da Nós Cia de Teatro é sem sombra de dúvida um dos melhores espetáculos de 2019 apresentados até aqui, e tentarei explicar o porque nas próximas linhas.
O espetáculo coloca em cena cinco atrizes para falar sobre o universo feminino, e esta premissa já poderia ser uma barreira, pois temos inumeros espetáculos, filmes e tratados sobre a mulher na atualidade e na arte e muitas vezes o caminho escolhido é o mais fácil que acabam repetindo determinados clichês. Não é o caso de "Elas". A produção te pega de uma forma pois ao mesmo tempo que fala sobre as mulheres, fala também sobre todos nós, pois toca em temas que são inerentes a todos e isto é fantástico, pois trata-se de um espetáculo que inclui, a começar pela abertura da noite que foi da atriz Mayura Mattos, atriz negra que ao sair do teatro para fazer a abertura falou uma frase que teve um impacto tão grande e significante para todos os negros que estavam ali, ela falou: "todos os negros podem passar na frente", e eu que sou negro já entrei no espaço da encenação com a autoestima lá em cima, pois geralmente homens e mulheres negras quase nunca são os primeiros... e este preâmbulo e toda a fala de Mayura já criou um ambiente em que todos estavam e deveriam estar ali, juntos! Mayura é uma artista sensacional e abrilhantou a noite.
Depois assistimos a um trabalho que pensou em todos os detalhes para se tornar o que é. A dramaturgia de Everson Silva se apoia em citações de Fernanda Bastos e fragmentos de textos, canções e vozes dissonantes que caminham para um mesmo rumo: falar da mulher na sociedade contemporânea e suas belezas, lutas, preconceitos e exaltação. O espetáculo é composto por diversas camadas que buscam fugir da superficie para dialogar com o espectador. Neste caso, amplio o conceito de dramaturgia para colocá-lo no plural e falar em dramaturgia(s), ampliando a discução estética.
A acepção mais difundida do termo dramaturgia remete ao campo da escrita do texto dramático. Mas há outra acepção de dramaturgia que se liga prioritariamente à constituição de uma narrativa cênica, espetacular, e é desta última significação que Everson enquanto dramaturgo e diretor consegue extrair o melhor da produção. Temos aqui a dramaturgia textual, física, espacial, sonora, plástica e estética que conseguem convergir todas para nos proporcionar uma bela experiência cênica. O espaço cênico construído com louvor por Jony Pereira tras uma dimensão metafórica e poética, colocando no palco da sala Alvaro Moreyra uma piscina que através de suas águas consegue lavar o espectador, pois as águas lavam, curam, benzem, limpam toda a sujeira do mundo. E este movimento que a água provoca enquanto elemento cenográfico central coloca em evidência os corpos das atrizes, que utilizam um figurino que tem como base a transparência, que ao entrar em contato com a água vai ganhando outros contornos. Interessante esta proposta de figurino pois evidencia a diversidade dos corpos em cena, corpos que fogem do padrão midiático, corpos de mulheres reais, corpos com suas marcas, suas identidades, suas vivências. Corpos que são atravessados pela água e por toda a poesia que estes corpos conseguem propagar pelo espaço através dos seus movimentos, deslocamentos mas principalmente pela presença e discurso que o corpo em cena propõe. A iluminação de Veridiana Mendes é de uma competência fantástica, pois consegue criar uma comunicação através da luz, sua criação não serve apenas para iluminar, mas cria códigos e signos que tornam a experiência estética ainda mais potente. Quando a luz toca nas águas é a certeza de belas imagens, somadas a trilha sonora que também é eficaz e consegue criar um espaço sonoro que reforça o já referido até aqui. Outro destaque é a produção do espetáculo que teve um trabalho bastante positivo, desde a divulgação até mesmo a criação de toda a estrutura que dá base ao trabalho.
A acepção mais difundida do termo dramaturgia remete ao campo da escrita do texto dramático. Mas há outra acepção de dramaturgia que se liga prioritariamente à constituição de uma narrativa cênica, espetacular, e é desta última significação que Everson enquanto dramaturgo e diretor consegue extrair o melhor da produção. Temos aqui a dramaturgia textual, física, espacial, sonora, plástica e estética que conseguem convergir todas para nos proporcionar uma bela experiência cênica. O espaço cênico construído com louvor por Jony Pereira tras uma dimensão metafórica e poética, colocando no palco da sala Alvaro Moreyra uma piscina que através de suas águas consegue lavar o espectador, pois as águas lavam, curam, benzem, limpam toda a sujeira do mundo. E este movimento que a água provoca enquanto elemento cenográfico central coloca em evidência os corpos das atrizes, que utilizam um figurino que tem como base a transparência, que ao entrar em contato com a água vai ganhando outros contornos. Interessante esta proposta de figurino pois evidencia a diversidade dos corpos em cena, corpos que fogem do padrão midiático, corpos de mulheres reais, corpos com suas marcas, suas identidades, suas vivências. Corpos que são atravessados pela água e por toda a poesia que estes corpos conseguem propagar pelo espaço através dos seus movimentos, deslocamentos mas principalmente pela presença e discurso que o corpo em cena propõe. A iluminação de Veridiana Mendes é de uma competência fantástica, pois consegue criar uma comunicação através da luz, sua criação não serve apenas para iluminar, mas cria códigos e signos que tornam a experiência estética ainda mais potente. Quando a luz toca nas águas é a certeza de belas imagens, somadas a trilha sonora que também é eficaz e consegue criar um espaço sonoro que reforça o já referido até aqui. Outro destaque é a produção do espetáculo que teve um trabalho bastante positivo, desde a divulgação até mesmo a criação de toda a estrutura que dá base ao trabalho.
O elenco formado pelas atrizes Kacau Soares, Leticia Kleemann, Paula Cardoso, Raquel Tessari e Val Barcellos é tão potente, tão coeso, tão diverso e por isso conseguem colocar em cena toda a dimensão poética e emotiva do trabalho. Todas as atrizes tem uma carga dramática e estão ali com seus corpos e discursos a disposição da encenação. A força do coletivo é que faz do trabalho o que ele é, e a direção soube explorar isso muito bem. Nelas temos todas as características inerentes a mulheres brasileiras e por isso além de ser um trabalho com esta carga estética alta, temos um trabalho político que coloca o corpo da mulher no centro do discurso e seu lugar de fala. O elenco é tão coeso, mas destaco a atriz Kacau Soares principalmente na cena em que ela recria a canção Cabô de Lueji Luna e carrega na intensidade e internalização do discurso contido na letra que faz escorrer as lágrimas do espectador que se juntam as águas do palco.
Portanto, trata-se de um espetáculo de forte impacto estético e narrativo que merece um retorno aos palcos gaúchos e porque não os palcos do Brasil!
Ficha Técnica:
Direção: Everson Silva.
Produção: Pedro Dos Santos.
Atuação: Kacau Soares, Leticia Kleemann, Paula Cardoso, Raquel Tessari e Val Barcellos.
Dramaturgia: Everson Silva, a partir do material criado coletivamente, com citações de “Desta Cor” de Fernanda Bastos (gentilmente cedida pela Figura de Linguagem).
Trilha Sonora: Composição original de Maninho Melo (Jeff Mou).
Músicos: Maninho Melo, Leandro Alves e Edu Coelho Educs. Técnico de Gravação e Mixagem de Leandro Alves. Gravado em Canoas (2018), na L&A Produções Musicais.
Cenografia: Jony Pereira.
Iluminação: Veridiana Mendes.
Figurino: Studio Lê Brochier.
Maquiagem: Criação Coletiva.
Fotografia: Jean Pierre Kruze.
Arte e Mídias Digitais: Amanda Hamermüller.
Assessoria de Imprensa: Silvia Mara Abreu.
Produção Executiva: Everson Silva.
Assistência de Produção: Val Barcellos.
Realização: Nós Cia. de Teatro.
*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. Diretor do Grupo Skatá de Canoas.
*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. Diretor do Grupo Skatá de Canoas.