quarta-feira, 1 de maio de 2019

NEVA - CRÍTICA

Foto: Qex Bittencourt


ESPETÁCULO SIMPLES E POTENTE


por Diego Ferreira*



No dia 9 de janeiro de 1905, um dos mais importantes da história do século XX, Olga Knipper (viúva de Anton Tchékhov) e mais dois atores, Masha e Aleko, estão num teatro de São Petersburgo. Era domingo, dia em que as tropas czaristas massacraram um grupo de trabalhadores que viera fazer um protesto pacífico e desarmado em frente ao Palácio de Inverno do Czar. Porém, dentro do teatro, bem em frente ao rio Neva, Aleko e Masha ajudam Olga, a ensaiar O Jardim das Cerejeiras enquanto aguardam o diretor de peça, ou a Revolução, ou alguma outra coisa desconhecida. Olga quer apenas o reconhecimento de seu talento, Aleko é conservador e deseja que o mundo permaneça como está e Masha faz discursos inflamados de que mundo mudará para melhor com a Revolução. Mas não é tão simples. Após ensaiar por diversas vezes a morte de Tchékhov com Olga e Masha, Aleko às vezes parece encarnar o autor, agindo de forma diferente do habitual, caindo fora de seu ideário.
A peça Neva é um espetáculo encenado dentro da universidade e dá inicio ao Projeto TPE: Teatro, Pesquisa e Extensão, um projeto longevo e importante que evidencia os espetáculos gestados dentro do Departamento de Arte Dramática da UFRGS. Trata-se de uma montagem dirigida por Silvana Rodrigues sobre texto do chileno Guillermo Calderón. Primeiramente gostaria de parabenizar a escolha do texto de Calderón que trás um contexto completo: há uma profunda reflexão sarcástica a respeito da arte teatral, há a vida privada com foco nas vaidades dos atores e há o drama popular da revolução nascente. No texto temos menos humor e muito mais sarcasmo. É neste ponto que evidencio a carência da encenação, pois temos a história destes três atores bastante relevantes e específicos dentro de um contexto repleto de tensão política e percebo que os atores não conseguem criar esta dimensão política dos personagens (com exceção de Marina Fervenza que pela natureza de sua personagem consegue atingir um pouco mais esta dimensão), até mesmo devido à idade dos interpretes, o que acarreta na construção e maturidade dos personagens. Isso não significa que os atores e direção não alcance um bom resultado, pelo contrário, está justamente em Marina Fervenza, Natasha Villar e Phillipe Coutinho, orientados pela Silvana Rodrigues a força da produção, pois mesmo sem conseguir atingir esta dimensão política e seus desdobramentos do que acontece lá fora do teatro, os atores conseguem atingir a dimensão dramática, construindo esta metalinguagem, que é o teatro dentro do teatro, onde percebemos os devaneios entre a insanidade e a encenação revivendo a morte de Anton Tchekhov. “Neva” é um espetáculo simples em sua essência e potente em seu contexto que nos lembra que no Brasil de hoje estamos diante de situações bem próximas da Rússia do início do século passado. E por isso o espetáculo já merece nosso aplauso.

Ficha Técnica

Texto: Guillermo Calderón

Direção: Silvana Rodrigues

Assistência de direção: Sandino Rafael

Elenco: Marina Fervenza, Natasha Villar e Phillipe Coutinho

Orientação: Patricia Fagundes

Co-orientação: Juliana Kersting e Sandino Rafael

Luz: Bruna Casali, Henrique Strieder e João Caron

Trilha Sonora Pesquisada: Silvana Rodrigues

Operação de Som: Sandino Rafael

Figurinos: Mari Falcão

Foto: Qex Bittencourt

Duração: 55 minutos

Classificação Indicativa: 14 anos

Peça originada na disciplina Atelier de Composição e Montagem (2018/1), no Departamento de Arte Dramática da UFRGS.

*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. Foi jurado do Prêmio do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. Diretor do Grupo Skatá de Canoas.