ESPETÁCULO SIMPLES E POTENTE
por Diego Ferreira*
No dia 9 de janeiro de 1905, um
dos mais importantes da história do século XX, Olga Knipper (viúva de Anton
Tchékhov) e mais dois atores, Masha e Aleko, estão num teatro de São
Petersburgo. Era domingo, dia em que as tropas czaristas massacraram um grupo
de trabalhadores que viera fazer um protesto pacífico e desarmado em frente ao
Palácio de Inverno do Czar. Porém, dentro do teatro, bem em frente ao rio Neva,
Aleko e Masha ajudam Olga, a ensaiar O
Jardim das Cerejeiras enquanto aguardam o diretor de peça, ou
a Revolução, ou alguma outra coisa desconhecida. Olga quer apenas o
reconhecimento de seu talento, Aleko é conservador e deseja que o mundo
permaneça como está e Masha faz discursos inflamados de que mundo mudará para
melhor com a Revolução. Mas não é tão simples. Após ensaiar por diversas vezes
a morte de Tchékhov com Olga e Masha, Aleko às vezes parece encarnar o autor,
agindo de forma diferente do habitual, caindo fora de seu ideário.
A peça Neva é um espetáculo
encenado dentro da universidade e dá inicio ao Projeto TPE: Teatro, Pesquisa e
Extensão, um projeto longevo e importante que evidencia os espetáculos gestados
dentro do Departamento de Arte Dramática da UFRGS. Trata-se de uma montagem dirigida
por Silvana Rodrigues sobre texto do chileno Guillermo Calderón. Primeiramente
gostaria de parabenizar a escolha do texto de Calderón que trás um contexto
completo: há uma profunda reflexão sarcástica a respeito da arte teatral, há a
vida privada com foco nas vaidades dos atores e há o drama popular da revolução
nascente. No texto temos menos humor e muito mais sarcasmo. É neste ponto que
evidencio a carência da encenação, pois temos a história destes três atores bastante
relevantes e específicos dentro de um contexto repleto de tensão política e percebo
que os atores não conseguem criar esta dimensão política dos personagens (com exceção
de Marina Fervenza que pela natureza de sua personagem consegue atingir um
pouco mais esta dimensão), até mesmo devido à idade dos interpretes, o que
acarreta na construção e maturidade dos personagens. Isso não significa que os
atores e direção não alcance um bom resultado, pelo contrário, está justamente em
Marina Fervenza, Natasha Villar e Phillipe Coutinho, orientados pela Silvana
Rodrigues a força da produção, pois mesmo sem conseguir atingir esta dimensão
política e seus desdobramentos do que acontece lá fora do teatro, os atores
conseguem atingir a dimensão dramática, construindo esta metalinguagem, que é o
teatro dentro do teatro, onde percebemos os devaneios entre a insanidade e a
encenação revivendo a morte de Anton Tchekhov. “Neva” é um espetáculo simples
em sua essência e potente em seu contexto que nos lembra que no Brasil de hoje
estamos diante de situações bem próximas da Rússia do início do século passado.
E por isso o espetáculo já merece nosso aplauso.
Ficha Técnica
Texto: Guillermo Calderón
Direção: Silvana Rodrigues
Assistência de direção: Sandino
Rafael
Elenco: Marina Fervenza,
Natasha Villar e Phillipe Coutinho
Orientação: Patricia Fagundes
Co-orientação: Juliana Kersting
e Sandino Rafael
Luz: Bruna Casali, Henrique
Strieder e João Caron
Trilha Sonora Pesquisada:
Silvana Rodrigues
Operação de Som: Sandino Rafael
Figurinos: Mari Falcão
Foto: Qex Bittencourt
Duração: 55 minutos
Classificação Indicativa: 14
anos
Peça originada na disciplina
Atelier de Composição e Montagem (2018/1), no Departamento de Arte Dramática da
UFRGS.
*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. Foi jurado do Prêmio do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. Diretor do Grupo Skatá de Canoas.