quinta-feira, 2 de maio de 2019

LÊ BUFÊ - CRÍTICA

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EXERCÍCIO AFINADO DE ATORES


por Diego Ferreira*



Bufão é o cômico grotesco, o marginal que utiliza da pretensa insanidade para denunciar os aspectos torpes da sociedade discriminatória. Apesar de seu discurso ser proibido, a sociedade sempre está disposta a ouvi-los.  Os personagens exercem sua blasfêmia através de paródias e pequenas cenas recheadas de deboche onde destilam todo o seu talento, e mais do que isso, toda a sua ácida crítica social. A cena em que a dupla Celói e Lingüiça refletem sobre o teatro contemporâneo é simplesmente impagável, onde criticam os próprios colegas de forma inteligente e cômica, assim como as demais cenas que tocam, de forma cômica e grotesca, em temas pertinentes e variados, expondo, por exemplo, o que há de impessoal nas relações virtuais, de falso na bondade que atende somente ao moralismo e de abusivo nas relações de poder do homem sobre a mulher.
Ao vislumbrar as duas figuras adentrando no palco de um teatro, e se apropriando daquele lugar oportuno, (pois o público já estava lá) para destilar toda sua sagacidade crítica e política, talvez não tenhamos a dimensão do que é trabalhar a partir da técnica do bufão, e trata-se de uma técnica completamente difícil e elaborada. A construção do seu corpo é bastante complexa, pois além do bufão, o ator representa figuras que este paródia e que não pode desmentir a base que sustenta o jogo. A construção do corpo da paródia deve obedecer à do bufão. É importante que o intérprete entenda qual o argumento narrativo do bufão e qual a do parodiado. E é justamente neste ponto que Aline Marques e Eduardo d’Avila são brilhantes, pois conseguem compreender e internalizar de forma magistral o jogo necessário da técnica da bufonaria, denunciando todas as mazelas que acometem estes seres marginalizados. Eduardo d’Avilla consegue evidenciar através de sua composição toda sua verve cômica e crítica ao mesmo tempo, conseguindo sustentar o jogo junto a Aline Marques que mais uma vez consegue construir um exímio trabalho de desconstrução da sua persona para construir sua Celói que é excepcional. A dupla funciona muito bem, porém Aline é dona de si e triunfa de forma magistral em cena através de sua figura que é engraçada, sarcástica, crítica e acima de tudo humana.
Não posso deixar de citar a ótima trilha sonora de André Paz que consegue se conectar de forma bastante particular a encenação.
“Lê Bufê” não é um espetáculo que prima por uma estética visual com cenários e figurinos exuberantes, até porque nem cabe na sua concepção, mas o espetáculo preza pelo exercício afinado de uma dupla de atores que exercem a pura técnica, resultado de pesquisa estética apurada e refinada que revela um rico trabalho de ATOR!
Bravo!!!

FICHA TÉCNICA:
Orientação técnica da máscara bufão: Aline Marques
Direção: Aline Marques e Eduardo d’Avila
Texto: Aline Marques e Eduardo d’Avila
Atuação: Aline Marques e Eduardo d’Avila
Trilha sonora original: André Paz
Cenário, figurino e maquiagem: Aline Marques e Eduardo d’Avila
Material Gráfico: Gilmar Barcarol
Fotos: Pulp Fotografia
Contribuições/olhar crítico: Camila Diehl



*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. Diretor do Grupo Skatá de Canoas.