EXERCÍCIO AFINADO DE ATORES
por Diego Ferreira*
Bufão é o cômico grotesco,
o marginal que utiliza da pretensa insanidade para denunciar os aspectos torpes
da sociedade discriminatória. Apesar de seu discurso ser proibido, a sociedade
sempre está disposta a ouvi-los. Os
personagens exercem sua blasfêmia através de paródias e pequenas cenas recheadas
de deboche onde destilam todo o seu talento, e mais do que isso, toda a sua
ácida crítica social. A cena em que a dupla Celói e Lingüiça refletem sobre o
teatro contemporâneo é simplesmente impagável, onde criticam os próprios
colegas de forma inteligente e cômica, assim como as demais cenas que tocam, de
forma cômica e grotesca, em temas pertinentes e variados, expondo, por exemplo,
o que há de impessoal nas relações virtuais, de falso na bondade que atende
somente ao moralismo e de abusivo nas relações de poder do homem sobre a
mulher.
Ao vislumbrar as duas
figuras adentrando no palco de um teatro, e se apropriando daquele lugar oportuno, (pois o público já estava lá) para destilar toda sua sagacidade crítica e política, talvez não tenhamos a
dimensão do que é trabalhar a partir da técnica do bufão, e trata-se de uma
técnica completamente difícil e elaborada. A construção do seu corpo é bastante
complexa, pois além do bufão, o ator representa figuras que este paródia e que
não pode desmentir a base que sustenta o jogo. A construção do corpo da paródia
deve obedecer à do bufão. É importante que o intérprete entenda qual o
argumento narrativo do bufão e qual a do parodiado. E é justamente neste ponto
que Aline Marques e Eduardo d’Avila são brilhantes, pois conseguem compreender
e internalizar de forma magistral o jogo necessário da técnica da bufonaria, denunciando
todas as mazelas que acometem estes seres marginalizados. Eduardo d’Avilla consegue
evidenciar através de sua composição toda sua verve cômica e crítica ao mesmo
tempo, conseguindo sustentar o jogo junto a Aline Marques que mais uma vez
consegue construir um exímio trabalho de desconstrução da sua persona para
construir sua Celói que é excepcional. A dupla funciona muito bem, porém Aline
é dona de si e triunfa de forma magistral em cena através de sua figura que é
engraçada, sarcástica, crítica e acima de tudo humana.
Não posso deixar de citar
a ótima trilha sonora de André Paz que consegue se conectar de forma bastante
particular a encenação.
“Lê Bufê” não é um
espetáculo que prima por uma estética visual com cenários e figurinos
exuberantes, até porque nem cabe na sua concepção, mas o espetáculo preza pelo
exercício afinado de uma dupla de atores que exercem a pura técnica, resultado
de pesquisa estética apurada e refinada que revela um rico trabalho de ATOR!
Bravo!!!
FICHA TÉCNICA:
Orientação técnica da
máscara bufão: Aline Marques
Direção: Aline Marques
e Eduardo d’Avila
Texto: Aline Marques e
Eduardo d’Avila
Atuação: Aline Marques
e Eduardo d’Avila
Trilha sonora original:
André Paz
Cenário, figurino e
maquiagem: Aline Marques e Eduardo d’Avila
Material Gráfico:
Gilmar Barcarol
Fotos: Pulp Fotografia
Contribuições/olhar
crítico: Camila Diehl
*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. Diretor do Grupo Skatá de Canoas.