sexta-feira, 28 de setembro de 2012

DONA COISA (RS)

Foto: Pablo Canalles


"O meu coração é como um palco
Tantas histórias já vividas
Dramas romances comédias paixões
Um entrar e sair de ilusões
Sem saber se é pra rir ou chorar"

Roberto Carlos - Moço que Canta

"Dona Coisa" é mais um espetáculo vindo da boa safra teatral de Santa Maria. Este ano já assistimos "O amor é uma falácia" e "Fim de Partida". Dois destes trabalhos graças ao Circuíto Universitário do SESC que possibilita aos artistas acadêmicos a experiencia de circular e experimentar a produção de espetáculos.   
O espetáculo "Dona Coisa" inicia como uma especie de stand-up, com a chegada do público no teatro, onde a atriz Tainá Haas Theis nos recebe executando uma espécie de improvisação.  Confesso que essa premissa me fez pensar que o espetáculo não seria nada agradável, imagem inicial que foi gradativamente sendo desconstruída graças ao desempenho da atriz e pela envolvente trama que nos fora apresentada.  
O espetáculo é inspirado no texto “Senhora Coisa”, de Rodrigo de Roure, e co-direção de Pablo Canalles.  
Trata-se de um monólogo que retrata, em tom patético a degradação de uma mulher que vai se desvelando aos poucos diante do público, mostrando as mazelas e as "coisas" desta "mulher-coisa" que nos é apresentada.  
O adaptação do texto de Rodrigo de Roure, nos apresenta uma dramaturgia habilidosa, simples e despretensiosa, que consegue transmitir, através do riso, toda uma carga emocional, de um ser que "aparentemente" vive num mundo florido, onde as cores presente na cena inicial, aos poucos vão caindo por terra e dando lugar ao branco, ao neutro, utilizando uma metáfora sutil e poética para tratar de temas como o isolamento de uma mulher idosa, a desagregação mental, a não-comunicação. Me agrada bastante a poética da cena, onde signos vão sendo revelados aos poucos, as cores dão lugar ao neutro, onde havia festa, agora há a dor, a ausência de interlocutores, o isolamento, a velhice. As cores da infância dão lugar ao branco que pode representar o asilo, o branco dos cabelos, a cegueira, onde na sociedade os idosos ainda são tratados de forma desrespeitosa, como se não fossem vistos pelos outros, essa ausência, uma "coisa invisível", sem cor, neutra. 
A encenação de Tainá e co-direção de Pablo Canalles consegue criar um espetáculo que amarra muito bem os elementos da cena. O cenário composto por "pernas" de tecidos coloridos que aos poucos despencam, somadas a presença de um caixote branco que também vai se revelando a medida que a cena avança, o caixote é um elemento chave, pois sua presença auxilia muito na ilustração, criando os ambientes básicos necessários a contar esta história, que a medida que avança o caixote se transforma, assim como se transforma a mente de Águida. 
São muitos os elementos presentes em cena, mas todos muito bem explorados, contextualizados e que auxiliam a atriz a montar este verdadeiro quebra cabeças que é "Dona Coisa". Um exemplo é a saia que se transforma em véu, o cinto que transforma-se em saia, o desodorante que ao mesmo tempo é o responsável pela passagem do tempo, pequenas transformações, mas que condizem com as transformações e o esfacelamento da personagem. 
Um grande achado é a presença de Roberto Carlos na trilha da peça, a presença do "moço que canta" agrega poesia e humanidade a Águida, sendo que a última canção do moço no espetáculo é de cortar os pulsos de tão bela e tão apropriada para aquele momento da cena. 
Outro ponto positivo é a precisa iluminação que consegue agregar muito tornando o espetáculo plasticamente belo. 
Mas o espetáculo "Dona Coisa" acontece pela "presença" da atriz Tainá Hass que esbanja simpatia, e que consegue sustentar por aproximadamente uma hora a vida desta personagem enigmática, calcada no trabalho do ator. Tainá começa o espetáculo de forma leve, pescando a atenção do espectador, no início penso que falta um pouco de voz e profundidade da personagem, pois as palavras não chegavam até nós,  chegava a simpatia, a sua presença, mas o texto não. Mas aos poucos a atriz foi se revelando (assim como a personagem) e ao final fica a certeza de que Tainá é uma grande atriz que consegue transitar em momentos patéticos, que em muitas situações me remete a figura de um "clown", principalmente pelas hesitações, ações e ótica infantil das suas memórias, mas que ao mesmo tempo esta figura se mostra forte, dramática, tentando com seu relato de revolta e abandono, fazer sua voz ecoar fora das paredes brancas. 
O resultado é um espetáculo divertido que provoca o espectador a "jogar", provoca a desvelar gradativamente o cerne da cena. "Quem é essa mulher", já dizia Chico Buarque numa de suas canções, e isto fica para nós, quem é ela, quem é a Pequena e os "outros" que Águida se refere. Um jogo que precisa da comunhão com o público, como vimos na cena do corte do cabelo que precisa da disponibilidade de um espectador. 
O que fica é a qualidade de um trabalho acadêmico que tem uma força popular muito grande, um retrato fiel sobre a velhice e o abandono, realidade absurda de muitos idosos no Brasil. 
Ah, e para finalizar, minhas impressões iniciais a respeito da atriz caem por terra, assim como caem os panos, pois Tainá consegue demostrar com sua jovialidade uma força e maturidade cênica. 
Vida longa a "Dona Coisa". 
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Diego Ferreira - Graduado em Teatro - Uergs
Este texto foi publicado no blog Válvula de Escape.