Vivemos num tempo onde tudo é muito rápido, onde nossa vida é mediada o tempo todo por tecnologias, imagens, sons, barulhos, streamings, fluxos e ritmos alucinados. Vivemos num tempo onde é difícil ousar parar o tempo, afinal de contas tempo é dinheiro. E imagina ser criança nesse universo veloz com uma grande oferta de jogos, telas, séries e quase sempre com um acesso diretamente na palma da mão?
O universo do
teatro infantil está carregado de desafios e preconceitos. A partir deles, é
possível compreender as concepções de infância atual, desvelando as formas como
a sociedade contemporânea vê a infância e, o trabalho analisado aqui propõe uma
abordagem que dialoga justamente com a infância do hoje, mas resgatando
elementos de infâncias de outros tempos.
Diante disso, no
panorama do teatro produzido e pensando para a(s) infância(s) segue sendo uma
resistência até política frente a grande oferta tecnológica. Produzir teatro
para os pequenos sempre foi mais difícil, primeiro pelo próprio preconceito da
classe artística por muitas vezes enxergar esse teatro como algo menor,
diferente do teatro dirigido ao público adulto e também por entender que
dialogar com a infância vai exigir da produção ir além do entretenimento pelo
fato de a criança ser exigente e crítica.
Ao entender que crianças e adultos podem
fruir de uma mesma experiência estética, independentemente da idade, ao apostar
na potência criativa e na inteligência da criança e compreendê-la como alguém
crítica saúdo o trabalho e esforço da Rococó em manter viva a produção do bom
teatro infantil.
Dentro desse
cenário alguns grupos e coletivos tem se dedicado a produzir espetáculos
direcionados ao público infanto-juvenil,
muitos apropriam-se desse universo tecnológico, seja na utilização de
todo um aparato técnico ou até mesmo na própria dramaturgia e na contramão tem
profissionais que ainda utilizam o teatro como uma válvula de escape produzindo
espetáculos de forma artesanal, resgatando a ludicidade de infâncias de outros
tempos, que é o caso da Rococó Produções. Como tenho observado e assistido em
seus últimos espetáculos dirigidos ao público infantil como “Era uma vez:
Contos, lendas e cantigas”, o excelente “De la Mancha – O cavaleiro
trapalhão” e agora o seu mais novo “As aventuras de João, a princesa e o
tapete voador”, percebo que a Rococó acerta na realização deste espetáculo,
pela pesquisa que tem desenvolvido nos últimos anos com o enfoque no teatro
produzido aos pequenos.
“As aventuras de João, a Princesa e o Tapete
Voador” é um espetáculo leve e divertido que resgata o jogo lúdico de cantigas
e brincadeiras através da utilização de máscaras e cores inspirados na comédia
dell’arte. A dramaturgia de Guilherrme Ferrêra é cheia de rimas e musicalidade,
partindo da utilização de cantigas do folclore brasileiro e de domínio público
somados a contação de histórias através da figura de um narrador, num espetáculo
que faz uma reflexão sobre as diferenças.
Uma viagem ao universo lúdico que carrega nas narrativas repletas de aventuras.
A produção é irretocável, justamente pela seriedade com que é tratada em todos
aspectos, sejam eles estéticos, pedagógicos e éticos. Chama atenção a paleta de
cores dos elementos visuais da produção, que tem direção e concepção estética
de Suzi Martinez, que consegue amarrar todos os elementos da cena a partir da
escolha acertada das cores, seja na linda identidade visual de Gianna Soccol,
passando pelo expressivo e funcional cenário, assim como as belas máscaras e
figurinos com seus tons de cores e texturas variadas se adequando aos diversos
personagens que desfilam no palco. Cabe destacar a excelente iluminação
proposta pelo Roger Santos, que oferece ao espetáculo novos elementos como a
boa utilização dos Leds e também o bom uso de gobos que faz a projeção de
figuras de modo artesanal, criando outros espaços que fogem da perspectiva de
apenas criar uma iluminação básica, mas a luz desse trabalho cria outras
camadas e perspectivas para a cena onde percebemos que existe uma pesquisa
apurada. Suzi Martinez mais uma vez
demostra competência na direção desse trabalho, pois consegue orquestrar uma
série de elementos estéticos, assim como propor um espetáculo onde tem a trilha
sonora executada ao vivo, um trabalho corporal forte e orgânico, a utilização
das máscaras que requer um corpo presente, além de uma narrativa que precisava
de um elenco que desse conta de tudo isso. E o elenco é extremamente competente
e eficaz, pois consegue dialogar com o universo proposto pela dramaturgia
repleta de canções e aventuras. Clarissa Siste, Guilherme Ferrêra e Henrique
Gonçalves, cantam, dançam e interpretam uma série de personagens com
organicidade e um corpo/voz bem articulados e preparados para esse tipo de
produção onde o ator/atriz tem que estar atento pelas exigências que o trabalho
requer.
“As aventuras de João, a princesa e o tapete voador” é daqueles trabalhos que vai figurar no imaginário e memória não só dos pequenos, mas também dos adultos que puderam assistir, principalmente pelo profissionalismo e cuidado que a Rococó Produções tem entregue ao seus espectadores através de suas produções. FICHA TÉCNICA:
AS
AVENTURAS DE JOÃO, A PRINCESA E O TAPETE VOADOR
Direção e concepção estética: Suzi Martinez
Dramaturgia: Guilherme Ferrêra
Elenco: Ator Henrique Gonçalves
(personagem João) Atriz Coadjuvante: Clarissa Siste (personagens princesa
Titânia, Dona Cotinha, Cavaleiro ) Categoria Ator Coadjuvante: Guilherme
Ferrêra (Personagens Narrador, Pedro Ligeiro, Rei )
Cenografia: Rococó Produções Artísticas
e Culturais
Figurino: Guilherme Ferrêra e Suzi
Martinez
Máscaras: Samara Barros
Iluminação: Roger Santos
Trilha pesquisada e músicas originais: Guilherme
Ferrêra e Suzi Martinez
Provocação Musical: Simone Rasslan
VideoMaker: Júlio Estevan
Fotografia: Tom Peres
Identidade Visual: Gianna
Soccol
Produção: Rococó Produções Artísticas e
Culturais
Realização: Rococó Produções Artísticas
e Cultura
*Diego Ferreira - Editor do Olhares da Cena. Dramaturgo, Professor e Crítico de Teatro. Graduado em Teatro/UERGS. Curador do 28º Porto Alegre em Cena. Integrante da Comissão Julgadora do 9º Prêmio Nacional de Dramaturgia Carlos Carvalho. Integrante da Comissão do Prêmio Tibicuera de Teatro Infanto-Juvenil 2023. Vencedor do Prêmio Açorianos 2021 na categoria Ação Periférica com o projeto "Três tempos para a Dramaturgia Negra no RS."