segunda-feira, 21 de abril de 2014

PEEP CLÁSSIC ÉSQUILO (SP)


NOVOS PARADIGMAS DO TEATRO BRASILEIRO

Nos dias de hoje, em função da diluição da fábula e da desconstrução de sentidos, o reconhecimento da dramaturgia clássica cede lugar, na dramaturgia moderna e pós-moderna, ao reconhecimento do espectador com base no seu horizonte de expectativa. 
Roberto Alvim através de sua estética em “Peep Clássic Ésquilo” pode ser considerado um reformador do teatro contemporâneo, mas indo além, dado a importância e a amplitude de suas proposições. 
O projeto compreende a encenação de todas as tragédias de Ésquilo, através da radicalidade que é transpor estes clássicos para nossos dias, mas Alvim e sua Club Noir vão muito além, por transgredir códigos teatrais e textuais. Em lugar da peripécia da dramaturgia clássica, tem-se no confronto do espectador com o novo proposto em cena, uma série de peripécias de intenções e sentidos, o espectador reconhece o texto clássico, porém a encenação propõe uma eclosão de sentidos ao propor através do minimalismo uma grande gama de sentidos. 
A chamada pós-modernidade teatral articulou novos padrões de encenação, requisitando do espectador uma percepção centrada nas sensações, ora desconstruindo a fábula e evitando qualquer significado racional, ora centrando a experiência estética no traço mítico ou performático da representação. Mas em “Peep Clássic Ésquilo” o que surpreende é justamente o fato de contemporizar uma série de tragédias, mas sem cair em clichês pós-modernos, pois Roberto Alvim propõe ao espectador uma reinvenção teatral através de uma perspectiva que retira o espectador da sua zona de conforto, e o coloca em uma zona de confronto com a poética empregada em cena. 
Adentramos no teatro e temos apenas um cubo vazado, uma luz branca que permite que o espectador apenas enxergue a silhueta dos atores que quase imóveis destilam seus textos, e aqui o texto é potente, é forte, é a força que move a encenação. Os atores ficam imobilizados e quando se movem é de modo imperceptível, são corpos falantes, e o texto é ação. A palavra é ação. A palavra é intenção. A palavra é coração, É pulsante, é viva. 
Enquanto espectador, nos momentos iniciais fiquei incomodado com a proposta do Club Noir, tentava ver o rosto dos atores, queria ver movimentação, queria ver ação, queria ver teatro. Mas isso não durou muito tempo, pois logo em seguida, fechei os olhos e me deixei ser levado pelo novo, e o novo sempre assusta e incomoda. A partir deste momento percebi que diante de mim estava acontecendo algo diferente e que enquanto espectador de uma sociedade contemporânea, eu deveria estar aberto para conseguir fruir uma nova possibilidade estética. E a partir desta abertura pude então me maravilhar com o projeto, que eu não precisava ver o rosto do ator, que eu não precisava de grandes movimentos de luz, que tampouco precisava de uma trilha sonora para ter uma experiência teatral verdadeira. 
O espetáculo se constrói através de uma linha tensa, através das presenças intensas dos atores. E nunca se falou tanto em “presença” no teatro feito na atualidade, e aqui não vemos o ator e sua expressão facial, mas temos a presença viva e orgânica deste elenco vigoroso, que demostra que para estar vivo no palco, é desnecessário uma série de acrobacias e pirotecnias corporais, mas o uso certo e potente das vozes, a palavra concreta, levada as últimas consequências para provocar o espectador e não apenas emocioná-lo. 
O diretor do espetáculo constrói determinados paradigmas por meio de vários sistemas de significação da cena, mas creio que é a abertura do espectador que faz com que este projeto se torne tão significativo diante do oásis que está o atual teatro brasileiro, necessitando de propostas como esta para se tornar inventivo e representativo diante de tantas banalidades contemporâneas. 
Salve Roberto Alvim e o elenco da Club Noir por proporcionar a plateia de Porto Alegre uma obra potente e radical. Recomendaria o espetáculo, mas me parece que Porto Alegre foi a última estação deste projeto tão necessário que contribui efetivamente na construção de novos paradigmas no teatro brasileiro.

Ficha técnica


Direção, tradução e adaptação: Roberto Alvim / Texto: Ésquilo / Elenco: Juliana Galdino, Paula Spinelli, Gabriela Ramos, Martina Gallarza, Bruno Ribeiro, Fernando Gimenes, Marcelo Rorato, Renato Forner e Ricardo Grasson / Figurino: Juliana Galdino / Iluminação: Roberto Alvim / Produção Executiva: Marcelo Rorato / Recomendação etária: 16 anos / Duração: 50 minutos (cada dia)

sábado, 12 de abril de 2014

O RINOCERONTE (RS)

Foto: Alisson Fernandes





O esfacelamento das aparências

Ao assistir “O Rinoceronte” na Usina do Gasômetro, me veio à mente outro espetáculo que eu assisti este ano, "Medida Provisória", pelo fato que este trabalho trazia à tona a questão das políticas públicas sobre o projeto Usina das Artes, e sobre a questão precária do espaço público destinado a cultura. E a questão do espaço em “O Rinoceronte” é muito latente, principalmente em dois aspectos. O primeiro é relacionado à questão do espaço físico, do espaço destinado à representação, o espaço da Sala 309, que por questões de infiltrações e de segurança não pode contar com iluminação teatral, sendo que a produção teve que improvisar uma iluminação parca e precária para dar conta da peça, sendo que os profissionais tiveram que trabalhar com mínimas condições para não cancelar o espetáculo, como aconteceu com outros trabalhos no inicio do ano em vários teatros da cidade. 
O outro aspecto é relacionado ao espaço da encenação teatral, da boa utilização da sala 309, sendo que a medida que a narrativa avançava, o cenário ia sendo destruído e re-construído, a cada novo espaço, desvelando sob a ótica absurda comportamentos banalizados de uma sociedade conformista. 
Guadalupe Casal através de sua direção consegue dar ao trabalho uma abordagem inusitada e contemporânea, conseguindo retirar do texto de Ionesco uma série de questões atuais, principalmente as metáforas relacionadas ao questionamento de velhos hábitos e comportamentos enraizados, e da própria condição humana, possibilitando a apresentação da realidade sob um ponto de vista inusitado, incitando um pensamento crítico sobre o ser humano e sobre o mundo. 
O elenco é coeso e está a altura da proposta de renovar o texto de Ionesco através de uma abordagem contemporânea, característica do grupo Sarcáustico que potencializa a fisicalidade dos atores e sua disponibilidade. Todos estão entregues e submersos no universo paquiderme, porém destaco a cena final entre Rafael Becker e Amanda Novinski, pois justamente ali, temos a síntese de toda a peça, ou seja, a transformação de hábitos e pensamento de toda uma sociedade, o esfacelamento das aparências. 
Trata-se de um bom espetáculo, demostrando que para se fazer teatro é preciso uma direção criativa, um elenco disponível que abrace a concepção e um público receptivo, se puder contar com uma bela iluminação, ok, se não puder contar, conto com ideias criativas, e isso se tem muito neste grupo. 


Elenco: Amanda Novinski, Carla Gasperin, Daniela Reis, Débora Maier, Heloisa Medeiros, Lucas Schmitt, Paula Souza, Rafael Becker e Thaize Ribeiro. 
Direção: Guadalupe Casal.
Colaboração cênica: Ricardo Zigomático.
Iluminação: Maíra Prates.