domingo, 28 de abril de 2013

DOMÍNIO PÚBLICO (ESPANHA)



Ousadia ao pé do ouvido

Ao participar da performance “Domínio Público, refleti sobre as várias questões relacionadas ao ato teatral, esta forma de expressão tão importante para o homem desde seus primórdios, dentro de um campo artístico, tão vasto e complexo. Sua função social tem sido constantemente redefinida, mas desde muito antes de nossa era até hoje, nunca deixou de existir. Existe no homem algum impulso que necessita deste instrumento de diversão e conhecimento. Definir teatro é algo muito difícil, já que seu significado transforma-se junto com a sociedade na qual se insere. Também conjeturar como fazer teatro não é fácil, uma vez que essa forma de arte reveste-se de infinitas maneiras de apresentar-se.
As premissas do acontecimento teatral partem do seguinte pressuposto: Um espaço, um homem que ocupa esse espaço, outro homem que o observa. Entre ambos, a consciência de uma cumplicidade. O primeiro mostra um personagem e um comportamento deste personagem numa determinada situação, enquanto que o segundo sabe que tem diante de si uma reprodução, improvisada ou previamente ensaiada, de acontecimentos que imitam ou reconstituem imagens da fantasia ou da realidade. O primeiro é movido por um “impulso criativo” que incorpora emoção e razão. O segundo assiste passiva ou ativamente, numa cerimônia que faz fugir da própria realidade para o mergulho num universo de encantamento ou ilusão, ou ao contrário, aprofunda o conhecimento lúcido e crítico da própria realidade e dos fenômenos que o cercam.
E “Domínio Público” faz repensar o modo como encaramos a espetacularidade, principalmente num espaço público. A performance é um grande jogo onde o público transforma-se em protagonistas da ação, através de fones de ouvidos distribuídos a alguns privilegiados, enquanto outros espectadores assistem a ação daqueles que estão sendo guiados por instruções dadas ao pé do ouvido.
O grande grupo movimenta-se através de provocações que nos chegam através dos fones, e a partir disso vai se criando uma dinâmica interessante, divertida e que vai revelando informações dos participantes, pois as questões lançadas são de ordem social, política e muitas vezes íntimas, são essas questões que determinam o movimento das peças deste grande tabuleiro.
Uma performance ao mesmo tempo simples em sua proposta, mas com uma logística que tem que ser bem eficiente, pois coloca no centro de sua ação, transeuntes, que ficam a disposição para vivenciar esta grande experiência de ocupar o espaço público.
Ao final, adentramos num espaço, onde visualizamos bonecos (imagem acima) que representam diversos tipos sociais e no telão são projetados os nomes de cada anônimo que "atuou" na performance. Uma experiencia muito interessante.

domingo, 7 de abril de 2013

TUDO PODE DAR CERTO (RS)




Tudo Pode Dar Certo dirigido por Catharina Conte, abriu a programação do projeto Novas Caras da Coordenação de Artes Cênicas. Baseado no filme Whatever Works, de Woody Allen a peça traz a história de Boris, um intelectual amargurado com o mundo em que vive, sem esperança nos seres humanos e na sociedade, que tem sua rotina alterada com a visita de uma jovem vinda do interior, fugindo da clausura retrógrada de seus pais, católicos fervorosos. Percebendo sua fragilidade, Boris permite que ela fique no apartamento por alguns dias. Ela se instala e, com o passar do tempo, não aparenta ter planos de deixar o local. Até que um dia lhe diz que está interessada nele.  A partir desta premissa, muitas histórias vêm à tona, dentro deste espetáculo que é resultado de uma oficina de iniciação ministrada pela diretora, na escola da Cômica Cultural, escola responsável pela formação de uma geração de atores na cidade. Enquanto primeira experiência, o espetáculo alcança um resultado satisfatório, demostrando que a maioria destes alunos/atores iniciou suas atividades na arte teatral com o pé direito. 
E estar participando de um projeto como este, dá visibilidade ao trabalho, o que possibilita receber uma critica já no primeiro trabalho, e isto pode ser ruim, dependendo de cada ator, mesmo a crítica sendo positiva ou negativa. No caso positivo, pode levar ao ator a acomodar-se e achar que é um grande ator, se inflamando e deixando de buscar formação, e no caso de uma crítica negativa, de desestimular o aluno em sua busca teatral, o que não é o caso aqui, que vem apenas para comentar e através disto trocar ideias sobre o espetáculo apresentado. 
O trabalho em sua essência é simples, sem grandes cenários e figurinos, e se estrutura através da presença dos atores, que se esforçam para seguir as marcas da cena, que são limpas e claras. A proposta abusa dos clichês, mas que dentro da proposta é bem aproveitado. 
A encenação divide o número de atores em aproximadamente cinco personagens: Boris, a jovem e seus pais e mais alguns personagens que se colocam na ação em forma de revezamento, permitindo que cada ator tenha a oportunidade de experimentar as personas centrais, evidenciando mais de uma faceta do mesmo personagem. Por outro lado, isso atrapalha por não permitir aos atores iniciantes, uma busca mais aprofundada, já que o sistema de revezamento exige uma troca rápida, apesar de algumas soluções encontradas serem bastante eficientes. Neste caso a sugestão seria de cada aluno/ator pudesse construir apenas um personagem, mesmo que tenha uma participação pequena, porém mais consistente. 
Destacar algum ator é até injusto, pois estão todos no mesmo estágio, dedicados e entregues ao ato teatral, e o que eu mais admiro nos espetáculos de finalização de oficinas é o frescor e a vontade de estar no palco dos jovens atores, e isso é muito gostoso de ver. Mas dentro deste elenco, destaco o elenco masculino, e entre eles a presença do ator que faz o terceiro e último Bóris, pois conseguiu captar a essência do personagem, o jeito rabugento e falastrão, potencializando detalhes que os outros atores não atingiram, e também a presença de Anelise Ferreira, que tem vivacidade nas suas construções, uma firmeza e segurança em estar no palco. 
Outro destaque da peça é a quebra da quarta parede, onde o protagonista provoca tanto aos espectadores quanto aos atores, afirmando que tem gente acompanhando a ação da peça, sendo que ao final essa quebra é provocada pelos demais atores, subvertendo o jogo e o discurso do Bóris. 
“Tudo pode dar certo” é um espetáculo leve, divertido e que deve ser incentivado por revelar novos atores, e o trabalho de formação é muito importante por mostrar novos talentos a cidade. 
Direção: Catharina Conte Cecato
Elenco Andressa GH, Anelise Ferreira, Anelise Fruett, Carolina Azambuja, Clarice Cerentini, Diego Pessoa, Ismael Goulart, Jade Knorre, Juliana Minho, Márcia Rapetto, Maurício Schames, Nina Moreira e Roberta Roche e participação especial de Emilio Farias.


quarta-feira, 3 de abril de 2013

QUANDO EU TINHA (RS)


“Quem dera ser um peixe, para em seu límpido aquário (saltar) mergulhar”.

“Quando eu tinha” foi o primeiro espetáculo apresentado dentro do projeto Teatro Aberto da Coordenação de Artes Cênicas de Porto Alegre neste ano. O espaço é destinado a grupos de teatro que tenham uma proposta experimental, e é justamente esse caráter que permeia todo o trabalho do Grupo Duo em Contato, criado pelos atores André Macedo e Marcia Berselli, existente desde 2010.
A proposta do trabalho é bastante interessante em sua concepção, pois traz a tona questões que envolvem temas como o binômio morte/vida e suas memórias. O espectador tem um papel relevante dentro do espetáculo, pois contribui efetivamente com suas reminiscências sobre a morte, através de depoimentos escritos. Outro elemento que aproxima o espectador da proposta é a cachaça oferecida ao público e que além de agradar aqueles que gostem de uma cachacinha para aquecer ou iniciar uma comunhão entre atores e espectadores, tem um significado bastante singular que remete ao mote da morte, e que me leva a pensar que a cachaça é para “beber” o morto, prática utilizada em velórios ou rituais religiosos.
A encenação parte do contato entre os corpos dos atores, que pesquisam o Contato Improvisação na prática do ator, e justamente o interessante desta pesquisa é o que os atores levam para cena, que não é uma simples improvisação, mas a presença viva e potente que esta pesquisa proporciona para a dupla de artistas.
Dentre todos os elementos do espetáculo a presença e disponibilidade dos atores são admiráveis, pois a narrativa é fragmentada, privilegiando o corte e a produção de sentidos através das imagens dos corpos em ação. As metáforas presentes na cena são recheadas de signos que faz com que cada espectador elabore seus sentidos a partir de suas experiências pessoais. Textos como o do peixe que quer pular para fora do aquário ou fragmentos como a cena do cinema expõe o cerne da proposta, que é trazer à tona a questão da morte, porém de forma leve, dentro de uma proposta teatral, de um jogo onde se misturam o passado, o presente, a memória real (relato dos espectadores) versus a memória ficcional (dramaturgia e relatos dos atores).
E quanto aos atores a presença de ambos é a força motriz da peça, com grande disponibilidade corporal, além de os mesmos serem os responsáveis pela operação da iluminação e sonoplastia. Marcia Berselli consegue construir uma figura que demostra sua verdade através do olhar e de seus movimentos limpos, precisos e ajustados. André Macedo demostra ótima preparação corporal, mas percebe-se uma ansiedade que em diversos momentos atrapalha na fruição da cena. Macedo é o responsável por criar figuras que fazem parte da narrativa, como o gato, por exemplo, figuras estereotipadas, mas que funcionam dentro do contexto da obra.
A iluminação é básica e simples, mas se utiliza de momentos de penumbra, onde em algumas cenas percebemos apenas a presença dos corpos em cena, vultos que se deslocam, e dançam, detonando o espirito poético deste experimento cênico que encerra com um lindo texto.

Elenco: André Macedo e Marcia Berselli
Orientação: Professora Laura Backes
Grupo Duo em Contato: www.duoemcontato.blogspot.com.br