quinta-feira, 31 de maio de 2018

O SERTÃO EM MIM (RS)

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Adaptação ousada e particular de Guimarães Rosa

por Diego Ferreira

O espetáculo "O sertão em mim" faz uma adaptação muito particular da obra "Grande Sertão: Veredas" de Guimarães Rosa. O título do espetáculo já detona a essência do projeto: o sertão segundo a visão da sua interpréte e convenhamos que a atriz Nina Eick está entregue de forma magistral no solo dirigido por Fernando Kike Barbosa. A epopéia de Guimarães Rosa corporificada através de uma dramaturgia que é calcada no minimalismo, ou seja, o que está em cena é o essencial para que o espectador possa comprender a magnitude da obra literária. E a produção consegue alcançar ótimos resultados principalmente pela força de Nina aliada as animações criadas pelo artista Kiko Mello que pela expressividade e bom uso consegue ser um personagem a mais em cena. A tríade iluminação, trilha Sonora e animação conseguem acrescentar tamanha qualidade a cena permitindo que o trabalho de direção e atuação se potencializem de modo que nenhum se sobressaí mais do que o outro, pois o que está no centro é Guimarães Rosa.
Nina Eick através de sua interpretação consegue transitar entre narração e personagem, oscilando fisicalidade e oralidade sem perder jamais a sua presença que magnetiza o espectador. Credito isso a direção de Fernando Kike Barbosa, pois são claras as marcas precisas em que a atriz impõe o seu jogo, com ritmo e potência. O espetáculo é um solo que demostra um feliz casamento entre direção e atriz além de uma extensa ficha técnica que demostra que a ousadia precisa de trabalho, e trabalho é o que vejo em "O sertão em mim", aliás trabalho de ótima qualidade que pelas dificuldades em transpor o romance para a cena consegue atingir um belo resultado. 


FICHA TÉCNICA
Direção: Fernando Kike Barbosa;
Dramaturgia e concepção: Nina Eick e Fernando Kike Barbosa
Atuação: Nina Eick
Criação de Imagens e animações: Kiko Mello
Iluminação e operação de projeções: Prego
Trilha sonora original: Paulo Arenhart
Figurinos: Julia Santos
Preparação corporal: Juliana Nólibos
Fotos: Rose Pereira
Produção Executiva, Assessoria de Imprensa e Social Media: Gustavo Saul
Coordenação de Produção: Patsy Cecato
Apoio: Espaço N e Coordenação de Artes Cênicas
Realização: Complexo Criativo Cômica Cultural
Duração: 50 minutos
Classificação: 14 anos

domingo, 27 de maio de 2018

GRETA GARBO QUEM DIRIA ACABOU NO IRAJÁ (RS)

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Bons resultados e destaque para Antonio Lima

No início dos anos setenta, época em que o texto foi escrito, o Brasil vivia um dos piores períodos de sua história, uma ditadura sufocante e sangrenta que censurava e prendia artistas à mínima suspeita de subversão contra o Regime, pois ainda estávamos sob o chicote do Ato Institucional nº 5, os meios de comunicação eram completamente manipulados e tinha que se tomar bastante cuidado com o que se falava. Diante disso tudo chegamos a montagem gaúcha do texto que se passa na metropóle carioca abordando a solidão. Parto da premissa  que o espetáculo dirigido pela Margarete Scherer não se apropria muito deste contexto histórico em que o autor situa sua narrativa construindo sua direção mais no sentido de evidenciar o glamour decadente externo das personagens do que evidenciar a relação humana e seus conflitos internos.  O espetáculo atinge bons resultados em sua concepção e nas atuações com destaque para Antonio Lima que consegue se apropriar de sua personagem de forma magistral. Antonio brilha em cena, construindo de forma naturalista o seu enfermeiro que tem na figura de Greta Garbo a sua grande inspração. O ator é o grande mérito desta montagem. Gabriel Dieter tem uma boa construção, mas poderia aperfeiçoá-lá no sentido de trazer mais humanidade a seu personagem. Margarete Scherer é uma ótima atriz (já conhecia seu trabalho no espetáculo "Dá licença por favor"), e aqui novamente ela nos dá uma aula de interpretação. Talvez o problema seja que aqui neste trabalho ela tenha que dividir sua atenção entre a atuação e a direção, o que tras alguns problemas para a encenação, sendo que o principal deles na minha opinião é a passagem do tempo, onde um contra-regra entra em cena apenas para trocar alguns adereços. Isso serve para cortar o fluxo das ações que acontecem em cena, desnecessário e que atrapalham na fruição da peça. Trilha sonora, cenário e figurinos estão dentro da concepção que evidenciam uma cafonice que ajudam a construir um clima interessante para o espetáculo.

♦ Ficha Técnica:

Ator: Antonio Lima

Ator: Gabriel Dieter
Atriz/Diretora: Margarete Scherer

Sonoplasta: Cristian Metz

Contra regra: Dejair Krumenan

Iluminadora/Técnica Responsável: Sandra Loureiro

quinta-feira, 24 de maio de 2018

A MULHER ARRASTADA (RS)


E amanhã estreia "A mulher Arrastada" com dramaturgia de Diones Camargo, Direção de Adriane Mottola e com Celina Alcântara e Pedro Nambuco no elenco, dentro da programação do 13º Palco Giratório RS. 
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Por Diego Ferreira[1]
 “A Mulher Arrastada” enquanto dramaturgia surge para dar corpo, voz e atenção a tudo o que vem acontecendo nos últimos dias, surge como um acalanto pós execução da Marielle. É lógico que a escrita surge muito antes deste último fato, mas serve para pensar e refletir, questionar até quando, ou melhor, quantas Cláudias, Marielles, Marias e tantas outras vão perder suas vidas e nada, absolutamente nada irá acontecer.
A escrita de Diones me toca de uma forma intensa, primeiramente, pelo fato de eu ser negro, e me identificar muito com estas memórias, e segundo que a escrita é provocativa, não esbarra no fato da premissa da peça, estar em todas as mídias, o que poderia escorregar e cair em clichês ou até mesmo na criação de uma história melodramática tentando apenas emocionar o leitor/espectador com o drama da pobre vítima Claúdia. Mas graças ao olhar apurado, “A mulher arrastada” é um texto que a começar pela estrutura, eclode o drama assim como ocorre em autores pós-modernos, como Sarah Kane e até mesmo Heiner Müller.
O texto ”A mulher arrastada” é permeado de memórias fragmentárias e inconstantes, ficção e realidade andam juntas, também a dimensão do tempo está desconstruída: não há noção de passado e presente, separação de eu e outro; em caráter de hibridismo (o texto é um poema dramático, narrativo, concreto, e extremamente político); um novo estado de expressão e percepção em uma escrita que é distante da estrutura tradicional de enredo. A fragmentação do sujeito contemporâneo é alcançada esteticamente com a utilização de recursos como as figuras do HOMEM e das SOMBRAS que tem a função de situar os passos de Claúdia, a utilização de uma narrativa não linear, não especificação das personagens e do cenário, distorção do senso de realidade e de tempo.
O trabalho de Diones é um verdadeiro “tour de force” dramatúrgico, e agora fico aqui na expectativa de vê-lo ganhar vida no corpo da Celina Alcântara que é uma intérprete maravilhosa, uma atriz negra que tem na sua força a sua razão de ser e de representar tantos e tantos artistas negros dentro da academia. Em minha opinião não tinha outra atriz a não ser ela, que foi minha orientadora na graduação. Que as palavras deste potente texto possam ecoar e quem sabe transformar o olhar de muitas pessoas para que Claudias e Marieles estejam sempre PRESENTE entre nós!

A MULHER ARRASTADA (RS)

Dias 25 e 26 de maio de 2018 - Sexta-feira  e sábado, ás 21 horas
Galeria La Photo - Travessa da Paz, 44 - Farroupilha - Porto Alegre/RS
Gênero: Teatro Adulto / Classificação: 14 anos / Duração: 55min

Inspirado no caso real ocorrido no Rio De Janeiro em 2014, a peça refaz os últimos momentos de Cláudia Silva Ferreira – mulher, negra, trabalhadora, 38 anos, mãe de 4 filhos biológicos e 4 adotivos – brutalmente assassinada pela Polícia Militar ao sair de casa, no Morro da Congonha, para comprar pão para sua família. Após ser baleada, seu corpo foi atirado às pressas no camburão da viatura e arrastado ainda com vida em meio ao tráfego da capital carioca, sob o olhar horrorizado de motoristas e transeuntes. Valendo-se de uma construção poética que contrapõe o fato verídico ao simbolismo das imagens evocadas, o texto do dramaturgo Diones Camargo mostra a figura trágica de Cacau reivindicando o que durante toda a cobertura jornalística do caso foi aos poucos apagado: o seu nome, elemento este que foi substituído pela impessoal, violenta e cruel alcunha de “Mulher Arrastada”.

Ficha técnica:
Texto: Diones Camargo
Direção: Adriane Mottola
Elenco: Celina Alcântara e Pedro Nambuco
Cenografia: Isabel Ramil e Zoé Degani
Iluminação: Ricardo Vivian
Trilha Sonora Original: Felipe Zancanaro
Fotografia: Regina Peduzzi Protskof
Produção: Francisco Ribeiro
Realização: Diones Camargo e Galeria La Photo e Espaço Cultural
Apoio: Cia/Estúdio Stravaganza


[1] Diego Ferreira é Graduado em Teatro pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul. Professor de Teatro na Unissinos e no La Salle. Diretor do Grupo Skatá. Faz parte da Comissão  Julgadora do Prêmio Açorianos Revelação 2018 e atualmente é membro do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo.
Escreve criticas no blog Olhares da Cena http://olharesdacena.blogspot.com.br/

Publicado originalmente no Site CÊNICAS.