segunda-feira, 25 de novembro de 2013

PRINCIPES E PRINCESAS, SAPOS E LAGARTOS (RS)


Ao comemorar seus 25 anos de Invenção Teatral a Cia. Stravaganza estreou neste ano mais um trabalho dirigido as crianças. Trata-se de "Príncipes e princesas, sapos e lagartos" baseado no livro homônimo  de Flávio de Souza. Ao sair do teatro fiquei pensando o quão importante é a produção deste coletivo no âmbito teatral gaúcho e em nível nacional. Pude acompanhar diversas montagens como esta, "Ópera Mostra", "A comédia dos erros", "Encontros depois da chuva", "Bebê bum" e "Sacra folia". E o que percebo é que a cada novo espetáculo o grupo não se deixa acomodar-se, pelo contrário, busca sempre novidades e novas linguagens, o que possibilita esta longevidade e inovação que é marca registrada do grupo. 
Em "Príncipes e princesas" não é diferente, trata-se de um espetáculo que tem uma concepção bastante simples e despojada, porém ao tratar de fábulas de um modo contemporâneo acerta em cheio, ao trazer uma linguagem direta que consegue dialogar com a realidade dos pequenos de hoje. 
A trama do espetáculo apresenta uma série de histórias curtas que são independentes, mas dialogam com o todo, trazendo personagens cômicos e engraçados que são interpretados pelo trio de atores, Duda Cardoso, Fernanda Petit e Áquila Mattos, que usam e abusam de diversos figurinos e adereços de cena. Os três atores são ótimos e conseguem materializar em cena os diversos tipos que fazem parte das histórias.  
Com um resultado simples o espetáculo encanta justamente por atualizar as histórias clássicas trazendo a tona uma linguagem ágil e que dialoga diretamente com as crianças de hoje. 


Elenco: Duda Cardoso, Fernanda Petit e Áquila Mattos 
Trilha sonora original: Ricardo Severo 
Cenografia: Adriane Mottola e Duda Cardoso (que também assina o figurino) e Fernanda Petit 
Iluminação e operação de luz: Ricardo Vivian 
Programação visual: Rodrigo Mello 
Texto de Flávio de Souza
Direção de Adriane Mottola.  

domingo, 24 de novembro de 2013

EU, ÁLVARO DE CAMPOS (RS)


O espetáculo “Eu, Álvaro de Campos” foi o primeiro trabalho a participar do novo projeto da Coordenação de Artes Cênicas da Prefeitura de Porto Alegre. O projeto em questão é o “Teatro na Cia” realizado sempre as quintas feiras na Cia. de Arte.
Trata-se de um monólogo interpretado pelo ator Júlio Lhenardi do Grupo Artes e Letras dirigido por Gabriel Motta. Já tinha falado por aqui da importância deste grupo no cenário gaúcho em que se propõem a encenar textos de autores clássicos da literatura, neste caso um heterônimo de Fernando Pessoa.
Trata-se de um solo onde temos um ator empenhado que domina a cena, porém penso que há um problema na questão da transposição do literário para o teatral, pois vemos um homem atormentado com questões existenciais, porém na maior parte do tempo assistimos ao ator declamar um texto/poema entrecortado de algumas canções interpretadas pelo próprio ator e nada mais que isso. Penso que a concepção do espetáculo peca justamente em tentar traduzir um poema para o teatro, porém não consegue ultrapassar esta barreira, pois o trabalho é quase uma declamação de poemas, sendo que isso não é demérito, pelo contrário, pois Júlio tem um domínio vocal interessante, porém não alcança uma qualidade teatral justamente por não existir uma linha dramática, uma ação que justifique a presença daquele homem no espaço.
Júlio Lhenhart tem boa presença cênica e uma voz potente, porém sua interpretação se desenvolve através de uma linearidade que faz com que o espectador não adentre no universo da narrativa. Falta colorir mais o texto, recheá-lo de intensões, abusar mais de pausas e silêncios para que isso gere ações no ator e uma suspensão no espectador. Lhenhart se utiliza muito de gestos periféricos e movimenta-se de um lado para o outro enquanto experimenta gravatas e ternos, mas isso não chega a configurar uma ação teatral condizente com seu personagem. Não fica muito claro quem é este homem, onde ele está e porque tem a necessidade de dizer aquelas coisas.
Os elementos cênicos, assim como a iluminação e trilha sonora são limpos e pontuais, apenas uma ressalva a trilha sonora que poderia ser um pouco mais econômica em suas inserções, pois às vezes sua utilização serve apenas para preencher a cena e não auxilia na criação de climas para a peça. Uma sugestão seria a utilização de silêncios e barulhos do mar.
Apesar de tudo o espetáculo deve sim ser assistido e recomendado justamente aquelas pessoas que gostem de poesias, gostem de Fernando Pessoa ou que desconhecem a obra de Pessoa e que gostaria de conhecê-la, pois o trabalho reafirma o poder didático que o grupo Artes e Letras tem se proposto, a trazer para o palco grande autores da literatura.
FICHA TÉCNICA
Dramaturgia: Júlio Lenhardi
Colaboração: Altair Martins
Concepção Cênica e Atuação: Júlio Lenhardi
Direção Musical e Trilha Sonora: Marcelo Schultes
Sonoplastia e Iluminação: Kariny Schoenfeldt e Gabriel Motta
Figurinos e Cenografia: J. Alceu e Allex Manzônia
Direção: Gabriel Motta
Fotos: André Pares
Arte Gráfica: Uecla Oiluj

domingo, 11 de agosto de 2013

NÓS (EM OFF!)


SURPREENDENTE!
Nós (em off!) é um espetáculo surpreendente. Primeiro porque é uma grande homenagem ao teatro. Segundo porque é uma grata surpresa conhecer o trabalho de novos profissionais e de novos grupos que estão surgindo na cidade, como a Cia Teatro Levem-nos para casa. O espetáculo tem dramaturgia de Everson Silva, livremente inspirada no texto “Noises Off” de  Michael Frayn que já conta com algumas montagens pelo mundo afora. A montagem que assistimos, prima pelo detalhe, demostrando o conhecimento e boa utilização da carpintaria teatral. 
O mote do espetáculo é bastante simples: um grupo de teatro que tenta sobreviver ao caos e à loucura de uma montagem de um espetáculo. Assim, a insanidade escondida dos bastidores ganha vida cênica. E é justamente esta “vida cênica” que faz com que “Nós (em off!) agrade em cheio a plateia. O espetáculo é dividido em três partes: na primeira assistimos ao ensaio geral de um grupo de teatro, com direito a interferência do diretor, que está na plateia dando as coordenadas. Aqui ocorre várias situações bastante peculiares aos trabalhadores da arte. No segundo momento o público é convidado a conhecer os bastidores do ensaio do grupo, subimos ao palco e assistimos ao ensaio da mesma peça do primeiro momento, porém atrás do cenário. Para mim este foi um dos grandes trunfos do espetáculo, pois como um “voyer”, espiamos tudo o que acontece “em off” no teatro, ou seja, conhecemos as marcas, os erros, entradas e saídas de cena, confusões e até mesmo os romances que ocorrem nos bastidores, enquanto lá no palco, o grupo segue ensaiando a mesma peça que já havíamos assistido. Mas o mais genial é que na terceira parte, voltamos para a plateia e assistimos a estreia do espetáculo, porém ficamos sabendo como toda aquele caos dos bastidores interfere na cena apresentada. 
O espetáculo é muito bem ajustado e articulado, a começar pelo belíssimo cenário de Rodrigo Shalako, que é extremamente funcional e necessário para o bom andamento do espetáculo. Figurinos, iluminação e trilha estão na medida para auxiliar no desenvolvimento da peça. 
Elenco e direção são os grandes responsáveis pelo sucesso do trabalho. A direção de Everson Silva soube explorar muito bem as potencialidades de cada ator, sendo que suas interpretações oferecem um jogo à cena que movimenta a narrativa, trazendo sempre surpresas que fazem o ritmo da encenação não cair. O elenco (que inclui o próprio diretor) está coeso, jogando limpo, com sinceridade e honestidade, brincando e se divertindo, e isso ecoa diretamente na plateia que adere facilmente a proposta do grupo e se diverte muito. Os atores constroem tipos e figuras que fogem dos clichês, e se revelam muito mais nas cenas de bastidores, onde a ação requer um ritmo frenético e pulsante. Todos os atores, sem exceção estão de parabéns pelo trabalho desenvolvido, e a opção de colocar a figura do diretor em cena é interessantíssima. 
Um trabalho digno de gente grande, com uma produção bem cuidada, que se preocupou em cada detalhe da peça. Desejo vida longa ao trabalho que merece ser assistido e conhecido por muito mais espectadores. 
Bravo!!!

Ficha Técnica:
Direção: Everson Silva
Assistente de direção: Pedro de Camillis
Dramaturgia: Everson Silva, livremente inspirado no texto “Noises Off” de  Michael Frayn
Produção: Jony Pereira
Elenco: Daniele Carvalho, Rodrigo Shalako, Gustavo Cardoso, Iurqui Pinheiro,  Jony Pereira, Letícia Bottari, Duda Meneghetti e Everson Silva.
Cenografia: Rodrigo Shalako
Iluminação e Operação de Som: Lelê Vilanova
Fotos: Bibi Jukoski
Realização Cia Teatro Levem-nos para casa

domingo, 14 de julho de 2013

LIQUIDAÇÃO (RS)


LIQUIDAÇÃO GRATUÍTA 

O espetáculo “Liquidação” está em cartaz dentro do projeto Teatro Aberto, que tem recebido propostas teatrais que tem foco na experimentação da linguagem teatral. “Liquidação” é um trabalho que se encaixa perfeitamente no projeto, pois está alicerçado no experimento de linguagens teatrais. Mesmo sendo apresentado como experimento, o trabalho não apresenta uma proposta clara e acaba se perdendo num emaranhado de situações e clichês que não conseguem se sustentar enquanto proposta teatral calcada na performance. 
Quando adentramos no teatro, o espaço nos oferece um ambiente convidativo, uma passarela que tem um céu repleto de pontos coloridos suspensos. No espaço também estão inseridos o iluminador, o técnico de som e vídeo que interferem na ação. 
Não pretendo categorizar “Liquidação”, dizendo se é experimento, teatro, performance, pós-dramático, instalação ou tudo isso ao mesmo tempo, mas enquanto acontecimento espetacular “Liquidação” não acontece e não me provoca enquanto espectador, pelo contrário, é um experimento cansativo. A estrutura fragmentada se utiliza de elementos batidos como o vídeo, farinha, água, chicletes, explosivos, que são apenas lançados em cena, mas que nada significam, pois esses elementos deveriam ser potencializados e re-significados dando um novo sentido à cena. Mas o problema nem são os elementos utilizados em cena, mas a concepção e os intérpretes, que para um trabalho como esse precisariam de uma disponibilidade corporal mais apurada, mais presença em cena, independente do que está se propondo. Seus corpos exibem ações banais, suas máscaras não exprimem absolutamente nada, e algumas expressões soam pedantes. Digo tudo isso por que o performer é o centro da ação, pois o drama inexiste, não há conflitos narrativos, e há poucos textos, que quando vem a cena são truncados e inexpressivos. 
O que falta no trabalho é o elemento surpresa, pois as ações são repetitivas e lineares, por exemplo: um performer atravessa a cena desfilando, o próximo faz a mesma ação, mas nada acrescenta e assim sucessivamente. A única surpresa é o momento em que o primeiro chiclete é arrancado e ingerido, mas depois se segue na mesma linearidade que acompanha todo o trabalho. E eis que me vem à questão: O que está na vitrine em liquidação? Não consegui descobrir.

Direção 
Maurício Casiraghi.
Elenco 
Diego Nardi, 
Gabriela Chultz, 
Genises Azevedo e 
Talyta da Rosa.
Iluminação 
Lucca Simas

quinta-feira, 11 de julho de 2013

A NOITE ÁRABE (RS)

Renovação necessária de linguagem
“A noite árabe” do Grupo Jogo é um prato cheio para quem gosta de renovação de linguagem e arte contemporânea. O Grupo Jogo preza pela incessante busca na renovação da linguagem e o que percebemos é de como esta busca tem refletido na qualidade dos seus trabalhos. “A noite árabe” é um espetáculo que tem uma concepção que mescla elementos contemporâneos como o vídeo, o teatro físico, a fragmentação da narrativa, com textos rápidos e corrosivos. 
A encenação consegue seduzir nos primeiros momentos com a performance de João Pedro Madureira e ao longo da montagem vão se acumulando os méritos, a começar pela direção de Alexandre Dill, que consegue articular todos os elementos, encadeando-os todos com excelência. Dill foge de todas as armadilhas e clichês que uma montagem como essa poderia cair, onde justapõe a linguagem audiovisual e o teatro, e a torna limpa, orgânica e empolgante. 
O trabalho dos interpretes está impecável, todos entregues a proposta, hipnotizando a plateia, através de um texto verborrágico e provocante que imprime ao espetáculo um tempo/ritmo eletrizante. João Pedro Madureira surpreende pela comunicação através da corporeidade, está excelente. Thainá Gallo é uma excelente atriz/interprete que transborda verdade, difícil tirar os olhos dela. Emanuele de Menezes tem um olhar magnetizante que seduz o espectador. Igor Pretto e Gabriel Faccini completam o elenco com entrega, porém não atingindo o mesmo desempenho dos três primeiros, mas que não chega a comprometer a encenação. O elenco é o grande responsável por dar corpo e voz a este importante trabalho do teatro gaúcho. 
Todos os elementos estão a serviço do espetáculo e alcançam um resultado fantástico. Iluminação precisa de Igor Pretto, figurinos de Fabrizio Rodrigues estão na medida, o cenário composto por painéis produzem imagens precisas e espaços criativos. 
O espetáculo me impressionou muito, sai extasiado do teatro, e desde então indiquei para vários colegas não perderem a oportunidade de assistir “A noite Árabe” do Grupo Jogo, pois com certeza vão presenciar um espetáculo que esbanja teatralidade aliada a tecnologia que surpreender do inicio ao fim. Vida longa ao trabalho!

FICHA TÉCNICA 
Intérpretes JOÃO PEDRO MADUREIRA, THAINÁ GALLO, EMANUELE DE MENEZES, IGOR PRETTO E GABRIEL FACCINI
Assistente de direção FILIPPI MAZUTTI 
iluminação IGOR PRETTO 
cenário BRUNO SALVATERRA 
trilha sonora original PEDRO ERNESTO PETRACCO 
figurino FABRIZIO RODRIGUES 
preparação vocal LÍGIA MOTTA 
direção de fotografia e vídeo GABRIEL FACCINI E PEDRO HENRIQUE RISSE 
operação de vídeo JONAS BARROS 
arte gráfica LUIZA MENDONÇA 
produção PALCO ABERTO PRODUTORA 
realização INSTITUTO GOETHE PORTO ALEGRE E SECRETARIA DE CULTURA DE PORTO ALEGRE

domingo, 30 de junho de 2013

SONHOS (IM) POSSÍVEIS (RS)

Assistir ao espetáculo “Sonhos (Im) Possíveis” revelou-se um grande prazer, pois trata-se de um espetáculo bastante articulado em sua proposta. O projeto marca a estreia do Grupo Teatro dos Sonhos em Porto Alegre, sendo que a proposta inicial partiu da simples questão: “Qual é o seu sonho?”. A partir desta premissa o grupo investigou os sonhos, desejos e utopias dos relatos coletados e a partir disso construiu um espetáculo que tem um ritmo ágil, através de uma linguagem contemporânea. 
Falar sobre sonhos é bastante comum no campo das artes, mas corre-se o grande risco de cair em narrativas sem sentido, pautadas apenas num universo onírico, mas vazias em seu discurso. 
Mas neste espetáculo o que ocorre é o contrário, o espetáculo é repleto de méritos, a começar pela dramaturgia original, construída por Patrícia Silveira com a colaboração de Natasha Centenaro, pois trata o tema “sonhos” com um viés totalmente novo, abrindo novas perspectivas sem cair em obviedades, tratando-se da narrativa. A dramaturgia é muito interessante, pois parte de um grande sonho das pessoas que é a questão da casa própria, mas constrói a partir disso uma narrativa delirante que empolga e unindo a outros motes sonhados, alcança um resultado de grande mérito. E o texto triunfa através da direção precisa de Patrícia Silveira que consegue muito bem orquestrar todos os elementos da encenação, oferecendo ao público uma experiência imagética, estilizada e interessante. 
A direção também tem o mérito de equalizar a interpretação do elenco, cuidando para que nenhum dos interpretes se sobressaísse mais do que o outro. Anderson Moreira Sales, Fernanda Moreno e Franciele Aguiar oferecem interpretações precisas, demonstrando uma disponibilidade corporal para construir um trabalho que é calcado na fisicalidade do ator. Os três atores são os grandes responsáveis por toda a dinâmica do espetáculo, corporificando as ideias do texto no espaço. 
Quanto aos demais elementos do trabalho, todos estão dentro da proposta, figurinos adequados e funcionais, com uma paleta de cores interessante, iluminação dialogando com o espaço e demais elementos. O cenário minimalista composto por tecidos e a presença de uma única cadeira consegue criar climas, espaços e dimensões, criando possibilidades surrealistas. 
O demérito da produção é o não aprofundamento das imagens potentes que são criadas, os atores criam quadros, imagens esteticamente belas e fortes, porém são destruídas rapidamente, não deixando o espectador fruir daquelas mesmas imagens, eu compreendo que as imagens podem representar os sonhos, que assim como se formam se desmancham rapidamente, momentos efêmeros, porém mesmo assim penso que é preciso um tempo um pouco mais estendido para a fruição. 
Tirando isso, “Sonhos Impossíveis” é com certeza um grande espetáculo e uma grande revelação de novos artistas surgindo na cena teatral da cidade e espero que a trajetória da peça não se estanque por aqui, que o projeto possa ter uma longa vida pela frente. Aplausos merecidos. 

FICHA TÉCNICA
Direção e dramaturgia: Patrícia Silveira
Colaboração dramatúrgica: Natasha Centenaro 
Elenco: Anderson Moreira Sales, Fernanda Moreno & Franciele Aguiar
Trilha sonora e arte gráfica: Daniel Soares Duarte 
Iluminação: Catarino Grosser
Cenografia e figurino: grupo
Produção: grupo
Colaboração: Pâmela Amaro & Tiago Horácio
Fotos: Camila Cunha & Heloísa Silva
Apoio: Cômica Cultural
Blog: https://sonhosimpossiveis.jux.com/
Facebook: https://www.facebook.com/empossiveis

Contato: ciateatrodossonhos@gmail.com


domingo, 23 de junho de 2013

O IDIOTA EXPERIMENTAL (RS)


Ao assistir “O Idiota experimental” percebi que o trabalho é a cara do Projeto Teatro Aberto da Prefeitura de Porto Alegre, pelo caráter aberto e experimental da obra em questão.
Trata-se da transposição para o teatro de um fragmento do livro “O Idiota” de Dostoiéwski, mas especifico do capítulo 6, onde a história é narrada por Michkin, um príncipe russo, que conhece Maria na Suíça, enquanto passava alguns anos internado num sanatório para doentes mentais, submetido ao tratamento de sua epilepsia.
O material disponibilizado pela produção diz que o espetáculo conta a história de Maria, focando como tema central da trama o individuo puro que imerso numa sociedade corrompida, cruel e desumana, torna-se um inadaptado, sendo rechaçado e marginalizado.
Júlio Saraiva que dirigi Gutto Basso neste experimento, já é conhecido dos palcos gaúchos por seus trabalhos, como “Van Gogh”, que sempre buscam uma renovação de linguagem, e aqui não é diferente. A dupla de criadores propõe uma cena onde o espectador precisa desvelar pelo menos duas camadas para adentrar no universo do espetáculo, vou chamar estas camadas de dramaturgia(s): a dramaturgia do texto, que consiste no fragmento do livro de Dostoiévski, que é narrado e disponibilizado ao espectador através de uma gravação em off, enquanto temos a dramaturgia do corpo, onde o ator/performer corporifica as imagens/ações sugeridas pelo narrador onipresente.
Estas dramaturgias não conseguem dar a dimensão da obra de Dostoévski, mesmo que reduzida, pois penso que fica muito distante a relação corpo/texto, são duas propostas opostas dentro do mesmo espetáculo, pois ou o espectador presta atenção ao texto narrado ou foca na performance do ator, acabo me desinteressando pela narração porque o texto gravado é linear, sempre dito no mesmo tom, sem alterações e variações, o que acaba se tornando monocórdio e chato, e me atento na performance de Gutto Basso, que através de ações e partituras físicas tenta traduzir este universo proposto pelo texto. O que me parece é que o ator tenta mostrar uma virtuose corporal, mesmo tendo um corpo limitado, mas não consegue se comunicar com a plateia, algumas passagens e imagens são bastante interessante, outras são muito literais, quase uma mimica do que esta sendo dito pelo texto.
O experimento apresentado é apenas a primeira etapa de um projeto maior que consiste em trazer à cena a obra de Dostoiévski, mas enquanto cena experimental e aberta, que foi o que assistimos, percebo que o projeto carece de um foco, de perceber quais possibilidades textuais podem servir de motes para criar outras possibilidades corporais, sem que isso torne-se apenas uma cena literária, onde as ações do ator apenas sublinhe o que é dito pela narração. Percebo também que o experimento carece de pausas e silêncios, momentos de ausência de trilha sonora, que apesar de ser linda, às vezes atrapalha, irrita, pelo fato de estar presente durante quase todo tempo da ação.
Outros elementos da encenação estão a serviço da cena, como a iluminação, que ainda poderia ser melhor utilizada, podendo criar climas e tensões ao invés de inundar o palco com uma paleta de cores, a trilha sonora criada pelo Gutto Basso que é linda, porém as vezes demasiada e com um volume mais alto que o texto, o figurino foi um dos elementos que mais gostei, pela composição que traduz signos da personagem.
Apesar de tudo apontado acima, que espero que auxilie os criadores nas próximas etapas do processo, digo que o que Júlio Saraiva e Gutto Basso nos propõe é um processo aberto que trabalha e subverte a própria linguagem cênica, pois brinca com códigos teatrais, desmitificando e abrindo a cena, propondo coisas novas para sacudir o teatro feito atualmente, que tem seus méritos, porém que precisam ser reajustados para que a cena ganhe a dimensão poética e teatralizada para conseguir se comunicar com o público.
FICHA TÉCNICA
Texto “O Idiota”, cap.6, de Fiódor Dostoiévski
Tradução e adaptação Gutto Basso e Julio Saraiva
Atuação, bonecos, adereços e música Gutto Basso
Direção, Programação Visual e Plástica Julio Saraiva
Coreógrafos Carla Vendramini e Gislaine Sachet        
Músicos Gutto Basso, Alison Peyrot Bassani e William Tsuhako        
Operação de luz e som Fábio Cuelli     
Registro fotográfico Marcelo Casagrande
Gestora Cultural Elisabete S. Silva

domingo, 2 de junho de 2013

FALA COMIGO DOCE COMO A CHUVA (RS)


No momento em que escrevo este texto, lá fora cai uma chuva considerável, e a chuva me faz relembrar “Fala comigo doce como a chuva”, que perpassa toda a ação da peça que foi apresentado dentro do Projeto Teatro Aberto. 
O espetáculo apresenta através de um jogo realista e emocionante a visão solitária do mundo e das relações humanas. Este texto em um ato apresenta a fragmentação da vida de um jovem casal que, desgastados pela pobreza e fracassos contínuos, não conseguem mais se relacionar. Esta pérola do dramaturgo americano Tennessee Williams, que neste espetáculo ganha outros fragmentos textuais como vozes dos próprios atores e de Jéssica Lusia, e Rihanna concentra grande parte do desespero existencial com o qual o autor dota suas personagens. A crueldade maior da peça é que ela fala da desilusão do amor, da solidão e da incapacidade do ser humano ser feliz. O casal da peça não foge a tais regras: cheios de ilusões e sonhos que a dura realidade da grande cidade não titubeia em esmagar. “Fale comigo doce como a chuva”, denuncia de forma poética e pungente, a falta de alento que permeia nossas relações e nossas vidas em uma sociedade que se alimenta de solidão.
A impressão que tenho ao assistir ao espetáculo é que o casal está junto e a sós ao mesmo tempo. Qual a ligação, o que une e move estes dois seres? Pois não há mais sonhos, esperanças e alentos, só a chuva que cai lá fora do apartamento, traduzindo a tristeza que assim como a chuva, escorre e se esvai não se sabendo qual o destino de suas vidas.   
O espetáculo dura pouco mais de 30 minutos, porém é grande em intensidade e entrega. Fernanda Petit é uma atriz que tem suas qualidades reconhecidas, e neste caso volta a exibir toda a sua potencialidade, mergulhando de cabeça em sua personagem, calcando sua criação na verdade, na emoção e no perfeito equilíbrio que não a deixa em nenhum momento cair em clichês, pelo contrário, se utiliza de climas e tensões que auxiliam na criação da densidade necessária a um espetáculo como este. Ander Belotto é um bom ator, consegue acompanhar sua colega, mas não responde tanto quanto sua colega de cena, é correto em sua criação, porém em alguns momentos a verdade da personagem se esvai e sua ação não é mais crível, e isso se justifica nas suas intenções, na respiração, no andar, e penso que o que o atrapalha um pouco, é o despojamento do inicio da peça, onde Ander recebe o público, indicando lugares e conversando com o público, para depois adentrar no espaço da ficção, sendo que Petit já está imersa na atmosfera da peça desde a entrada do público. 
A direção de Matheus Melchionna é segura e forte, pois conseguiu imprimir a encenação uma densidade que faz com que o espectador mergulhe juntamente com o casal em cena. O espaço tomado por bilhetes, garrafas e cigarros, traduz esteticamente o universo dos personagens, enquanto a mulher projeta e escreve seus pensamentos e sonhos nos papéis, o homem devasta e destrói através da sua incapacidade de reação, mergulhando no álcool e no cigarro. Melchionna consegue extrair o melhor dos seus atores, guiando sua encenação através de silêncios e intenções pontuais, violência e agressões físicas e verbais, tudo isso ao som da chuva que cai lá fora. A iluminação é ótima, valorizando o espaço da sala e os climas necessários à cena. 
Tudo isso faz de “Fala comigo doce como a chuva” um espetáculo tocante e emocionante, onde todos os elementos estão a serviço da cena, voltados para que o espectador adentre no degradante universo do casal, e isso acontece de modo sutil e verdadeiro. Um espetáculo que merece ser assistido quando retornar a cartaz. 


Ficha Técnica
Elenco: Fernanda Petit e Ander Belotto
Stand By: Luiz Manoel Oliveira Alves
Direção e Dramaturgia: Matheus Melchionna
Orientação Teórica: Inês Marocco
Figurinos, Cenário e Trilha Sonora: Matheus Melchionna, Fernanda Petit e Filippi Mazutti
Iluminação: Lucca Simas
Direção Audiovisual: Guilherme Pires
Textos: Tennessee Williams, Jéssica Lusia, Fernanda Petit e Rihanna
Projeto Gráfico: Gustavo Susin
Produção: Viviane Falkembach

quinta-feira, 30 de maio de 2013

O REI DA VELA (RS)


“O Rei da vela” de Oswald de Andrade é um texto que faz parte da história moderna do teatro brasileiro. Texto enigmático, que começou a escrever em 1933 e editou em 1937, aborda questões que sintetizam a vida de um burguês dentro do sistema capitalista, dentro de um grande painel histórico, político e filosófico, para a criação paródica de “O Rei da vela”. 
O texto manifesta a imensa amargura de Oswald, forçado a percorrer infindáveis escritórios de agiotagem para equilibrar-se financeiramente. Esse seu contato forçado com agiotas foi, provavelmente, a causa da caracterização de um agiota como Rei da Vela. Mas o texto supera a experiência pessoal de Oswald: ele fornece, sem falsas sutilezas, os mecanismos da engrenagem em que se baseia o esquema sócio-econômico do país.
A preocupação de Oswald, por estar tão à frente da época, parecia nem pertencer à realidade do teatro brasileiro. Ligado a questões políticas, investigou a fundo a questão da antropofagia, que radicalizou o modo de pensar no teatro brasileiro.
Tudo isso, para chegar ao espetáculo apresentado pelo Grupo Pode ter inço no jardim, de Canoas, que trás a cena a história de Abelardo I, o dono de uma fábrica de velas que ganha um tostão a cada morto brasileiro. O único mérito do projeto é a escolha deste texto para a encenação, mas o espetáculo é irregular, pois direção e atores estão equivocados, pois perdem a principal motivação ao trazer a cena um texto como este, que é a sua força política, sua importância no contexto atual do Brasil. Falta uma compreensão do texto, e do contexto no qual está inserido. Falta uma apropriação e internalização dos atores com a narrativa dramatúrgica. Falta compreender quem foi Oswald de Andrade. Em algumas cenas o resultado chega a ser constrangedor, tamanha a falta de entendimento e pela forma a que foi traduzido cenicamente. 
O elenco é irregular, onde temos um Aberlardo I falastrão, que não propõe ações coerentes com a postura de um agiota, construindo uma figura que não convence, esquece textos, e que parece mais um mestre de cerimonias que um rei da vela, atualizando algumas passagens do belo texto de Oswald e improvisando, como quando toca o telefone de um espectador, o que é descabido numa proposta como esta. E as demais construções também vão para o mesmo caminho repleto de clichês, onde os textos são ditos de forma mecânica, faltando projeção de voz e a inserção de climas, pois todos os textos são ditos da mesma forma, faltando rechear o que é dito de intensões e isso tem a ver com o entendimento de cada vírgula do texto e com a direção. Falta mostrar a força destes personagens, porque estão ali, e não digo nem que as construções devessem partir do contexto psicológico, mas pelo contrário, de encarar estes personagens enquanto figuras pertencentes a um sistema, e como estas figuras se portam na sociedade. O ator que faz o Abelardo II e o Totó é o único que consegue se aproximar disso, mas que poderia extravasar ainda mais, para provocar através do humor Oswaldiano à crítica aos costumes da época.  
Outra questão é o tempo demasiado longo da peça, dividida em três arrastados atos, que torna a peça maçante. Isso é provocado pela falta de ritmo das cenas, do andamento que é dado ao espetáculo. Uma sugestão seria a de colocar os músicos que fazem a tímida trilha sonora da cabine, no palco. Isso poderia provocar outro ritmo ao espetáculo, mas tem que potencializar mais a trilha e efeitos musicais, tudo é executado de forma tímida e suas inserções não agregam nada a encenação, pois não reverbera nem nos atores, tão pouco no público, mas se ao contrário, os músicos estivessem agregados a cena, poderia criar mais climas e tensões necessárias ao bom andamento da peça. A iluminação também não auxilia na estética das cenas, pois há pouca variação, o que acaba não imprimindo climas necessários a cena. 
Enfim, “O Rei da Vela” é um espetáculo irregular que tinha tudo para ser um bom trabalho, porém precisa ser reestruturado partindo do entendimento do texto para que possa se comunicar com o público, sanar os problemas de ritmo e repensar também a questão quanto a sua duração, pois se o espetáculo é bom, o espectador consegue acompanhar a ação da peça por muitas horas, mas se não for, o espetáculo precisa adaptar-se e encontrar uma duração que seja na medida para não ficar tão cansativo e chato, o que é o caso desta produção. 


Direção João Máximo

Elenco Bruno Prandini, Duli Borges, Eduarda G. Máximo, Elisama Porte, Janete Costa, Jéssica Rodrigues, João Máximo, Joise Pirolli, Lucas Gheller, Luís Henrique Ponsi, Raquel Amsberg.
Produção Bruno Prandini
Projeto Gráfico Lucas Gheller     
Figurinos Maria Prandini
Iluminação Grupo CARAPATICUM


domingo, 26 de maio de 2013

TOMBÉ (BA)


“Tombé” foi um dos melhores espetáculos que assisti dentro da programação do Palco Giratório/Porto Alegre. O que me levou ao teatro para assistir a proposta do Grupo Dimenti de Salvador/Bahia foi para tirar a má impressão que fiquei em relação ao grupo. Já havia assistido a outro espetáculo do coletivo, “Batata” inspirado livremente na obra de Nelson Rodrigues, que esteve anos atrás dentro da programação do Porto Alegre em Cena, e que sinceramente saí decepcionado, e que não cabe aqui esmiuçar os motivos, mas ainda bem que pude conferir a este trabalho e desconstruir esta impressão, e aplaudir em pé a esta nova proposta. 
Tombé é simples e complexo ao mesmo tempo. É hibrido, pois mescla teatro, dança, performance, artes plásticas (como é citado no discurso do espetáculo) e politica. Sim, pois uma das discussões que o espetáculo trata é a questão de um corpo político, um corpo social, a política presente na pedagogia da dança. O modo de ensinar, o modo de transmitir, internalizar e (re) significar a dança no contexto atual. E tudo isso é realizado de uma forma apropriada e divertida. Pode-se dizer que o Dimenti cria uma tese e subverte essa, ao criar uma obra recheada de conceitos, que são apresentados de forma divertida, aberta, escancarada, com um humor sarcástico e inteligente. O espetáculo é recheado de méritos, e um deles ó de trazer a comicidade para a dança, rir do outro e ao mesmo tempo rir de si mesmo. 
Tombé parte de uma explanação sobre o fazer dança e suas diferentes facetas. Em cena, assistimos um grupo de bailarinos que exibem variados estilos de dança: clássica, hip-hop, moderna, jazz, contato-improvisação (hilária esta cena), entre outras, de modo caricato. Em cena a personificação da professora de dança trás ao foco o arcaico se confrontando com o contemporâneo, e eis que surge justamente a questão: o que é dança contemporânea? Esta questão permeia todo o trabalho que não fornece uma resposta, porém vai muito, além disso, pois ao mesmo tempo em que diverte, trás uma reflexão sobre criação e sobre como está se produzindo dança atualmente. Será que há avanços? Retrocessos? Como se dá a relação da academia com a dança? 
Muitas questões formuladas, muitas sem respostas, porém o que fica do espetáculo do Dimenti é a qualidade e inteligência empregada na cena. O espetáculo desmitifica e critica os códigos da dança. Quatro bailarinos-performers-atores, incluindo o diretor, somando a eles um técnico, que na verdade é um ator, bailarino-performer cria o ambiente despojado e envolvente de Tombé. A performance do elenco é louvável, todos disponíveis e entregues a proposta, inclusive na segmentação da fronteira entre as linguagens, pois poderíamos nos questionar: mas isso é teatro ou dança? É teatro. É dança. E o trabalho dos bailarinos é incrível, com um corpo preparado e treinado. E o trabalho dos atores é admirável, criando tipos críveis e engraçados. Acredito na bailarina fanha, acredito na professora, acredito nos conflitos dos bailarinos. E me divirto muito com as tiradas e inserções do técnico de som que interfere a todo o momento, ganhando a cena. 
Parabéns ao Dimenti pelo trabalho que demostra sua seriedade e pesquisa que desenvolvem em Salvador, demostrando que o oficio pode e deve ser a todo tempo ser colocado em cheque, para não estagnar, para criticar, para movimentar, e isso o Dimenti consegue provocar no público. Qualidade e ousadia num espetáculo para quem gosta de dança e para quem não sabe nada de dança. 

Direção: Jorge Alencar
Intérpretes-criadores: Daniel Moura, Fábio Osório Monteiro, Jorge Alencar, Márcio Nonato, Vanessa Mello
Tema original: Tiago Rocha
Projeto de luz: Ellen Mello e Márcio Nonato
Direção de Produção: Ellen Mello
Produtor assistente: Fábio Osório Monteiro
Fotos: Mariana David
Logomarca: Moisés Garcia

SINFONIA SONHO (RJ)


O espetáculo “Sinfonia Sonho” é nos apresentado como uma tragédia contemporânea, trazendo a tona uma narrativa que parte do massacre de crianças na Escola Tasso da Silveira, em Realengo e que também dialoga com outros referenciais para a construção da dramaturgia. Em cena, uma criança de nove anos, Kevin (interpretado magistralmente pelo ator Márcio Machado), é tomado pelo desejo de se tornar música, por conta de uma peça teatral que está ensaiando em sua escola. 
A narrativa que parte deste mote, teria muitos motivos para cair na obviedade, o que o Teatro Inominável consegue subverter através da proposta do espetáculo, em falar de uma tragédia brasileira recente, contemporânea, mas que se utiliza apenas como pano de fundo para recriar a história que já conhecemos. O espetáculo tem a sua disposição poucos elementos cênicos, contando apenas com algumas cadeiras e um linóleo verde-limão no chão (que por sua cor berrante e cítrica carrega a acidez e o estranho provocado em cena), e uma iluminação básica que tem alguns recortes para potencializar algumas cenas. A trilha sonora pontua a cena de modo a criar climas e tensões às cenas, assim como os figurinos, que são cotidianos, servindo para identificar os tipos presentes: pai, mãe/diretora, filho, filha, vizinho, grávida, ... 
A encenação tem muitos fatores que a tornem interessante, além do belíssimo texto e do elenco, mas penso que o que confere qualidade é o modo que o grupo empreendeu na realização, fugindo do teatro realista, construindo um espetáculo que se calca na fisicalidade e teatralidade, as ações partem de partituras físicas que leva o espectador para longe do realismo e pieguice que poderia ser “Sinfonia Sonho”, se fosse construído da forma tradicional. Além de ser um espetáculo físico, também se utiliza de outros mecanismos que provocam um estranhamento a primeira vista. E por falar em estranhamento, Diogo Liberano me leva a lembrar de Brecht, justamente através de sua ação de ler as rubricas da peça durante a sua realização, a sua figura materializada no palco e interferindo na ação, e essa interferência às vezes ou quase sempre é negada pelos personagens, o que torna toda a ação mais interessante ainda. Outra referencia que me lembra de Brecht é a questão do metateatro, da representação do teatro dentro do teatro, a representação de arquétipos, das peças didáticas, encharcando a encenação de méritos. O texto, assim como toda a encenação me fornecem uma série de códigos e signos que me levam a muitos e muitos significados e leituras, mas são signos palpáveis, nem tão subjetivos, nem tão literais, signos coerentes com a proposta. 
Outro destaque é o elenco jovem e disponível, que conseguem construir um espetáculo que é cômico ser cômico, um drama ser precisar mergulhar nos clichês melodramáticos, uma narrativa que emociona e surpreende pela forma como foi traduzida cenicamente. Direção e elenco afinados para oferecer ao público um espetáculo embasado e emocionante. O elenco é coeso, mas destaco o casal de irmãos, interpretados por Adassa Martins e Marcio Machado que conseguem fugir dos clichês em se interpretar uma criança, e passam uma verdade e coerência em suas construções. Os demais atores são muito competentes e estão a serviço da cena. 

sinfonia sonho

direção e dramaturgia: diogo liberano 
orientação de direção: eleonora fabião 
assistência de direção: thaís barros 
direção de movimento: caroline helena 
elenco: adassa martins + andrêas gatto + dominique arantes + gunnar borges + laura nielsen + márcio machado + natássia vello + rodrigo vrech + virgínia maria/marcéli torquato 
direção musical: philippe baptiste 
cenário: leandro ribeiro 
orientação de cenário: ronald teixeira 
figurino e visagismo: isadhora müller + marina dalgalarrondo 
orientação de indumentária: desirée bastos 
iluminação: davi palmeira + thaís barros 
orientação de iluminação: josé henrique moreira 
registro fotográfico: thaís grechi 
registro audiovisual: thaís grechi + pedro bento 
preparação vocal: verônica machado 
design: diogo liberano + gunnar borges 
ilustrador: lucas canavarro 
assessoria de imprensa: bruno pacheco 
marketing cultural: davi palmeira 
produção executiva: adassa martins + gunnar borges 
direção de produção: diogo liberano 
realização: teatro inominável + universidade federal do rio de janeiro (ufrj)

domingo, 12 de maio de 2013

ZUCCOS (RS)


“Zuccos” é a adaptação de texto “Roberto Zucco” de Bernard-Mariè Koltès e trás a tona o tema da violência presente na sociedade moderna. O título do espetáculo “Zuccos” no plural, já detona que a cena explorará não apenas o cerne do texto de Koltès, mas toma este como base e amplia as possibilidades de leituras acerca do tema, transformando a cena num grande painel fragmentado que trata da violência de forma nua e crua, mas sem perder a poética e estética.
É a segunda vez que assisti ao trabalho e pude vislumbrar o amadurecimento da proposta inicial, do elenco original apenas uma alteração, a entrada do ator Frederico Vittola, que em minha opinião acrescenta muito ao trabalho. Outro fator que me faz crer que engrandece o trabalho, é a proximidade com o espectador, já que a cena é recheada de signos, de uma estética que requer uma atenção do espectador, ações simultâneas, textos ditos em primeira pessoa, narração, creio que esta aproximação cria uma comunicação maior e direta com o público.
As cenas fragmentadas estão bem amarradas, num fluxo intenso e vivo, assim como a dramaturgia que estabelece uma tensão crescente e potente. A contradição entre o corpo e a palavra é uma qualidade do trabalho, pois não sublinha o que o texto já está dizendo, mas sim propondo outros signos para a encenação. Os diálogos com as lanternas próximos a plateia são ótimos, carregados de intensidade, assim como os depoimentos (reais!) dos atores. A cena com os balões vermelhos é de uma sensibilidade extrema, colocando a mãe no foco da discussão.
O elenco é coeso, intenso e entregue, mas destaco Aline Jones que com sua presença hipnotiza e encanta com suas criações. Aline simplesmente arrasa na cena do roubo do carro e também como a prostituta. Realmente uma grande entrega. Catharina Conte também é forte principalmente na cena em que faz a mãe e no depoimento com o balão. Frederico Vittola acrescenta muito com sua entrada no elenco, constrói uma figura contida, porém sua verdade está no olhar, conseguindo com isso um Zucco mais forte e crível. Anna Júlia Amaral e Isadora Pillar tem boas participações, estão entregues, porém não conseguem atingir a mesma intensidade de seus colegas.
Iluminação e trilha estão ajustados, dentro da proposta e fogem um poucos das convenções, o que é mérito do projeto, assim como o figurino despojado que auxilia na encenação.
“Zuccos” é um grande experimento que provoca muito o espectador, saí do teatro incomodado com toda aquela violência, que é real e está presente no palco e ali fora, na porta dele e nas ruas da cidade. E isto quando acontece é muito bom, pois o bom teatro provoca, incomoda e emociona. “Zuccos” é um misto de teatro, que se utiliza de uma abordagem contemporânea, de inserções de performance art, projeção de vídeos e depoimentos dos atores, borrando a fronteira entre linguagens, e através desta linguagem oferece ao espectador uma série de elementos, de signos e uma estética contemporânea, que consegue apropriar-se destes elementos e potencializá-los teatralmente, mas dentro deste contexto ainda fiquei sem entender e localizar na própria encenação a utilização de farinha, ovos e tintas, na cena em que as atrizes entram com vestimentas brancas e se encharcam com estes elementos. Esteticamente é lindo e provocante, porém não consegui traçar relações dentro do contexto da peça, mas isso é apenas meu ponto de vista, e que acaba não comprometendo a potencia deste “Zuccos” renovado que eu espero que tenha vida longa.

Elenco Aline Jones, Anna Júlia Amaral, Catharina Cecato Conte, Frederico Vittola e Isadora Pillar
Direção coletiva
Orientação Adriane Motolla
Trilha Sonora executada ao vivo Flavio Aquino
Operação de luz Silvana Rodrigues
Iluminação Aline Jones
Produção Catharina Cecato Conte




domingo, 5 de maio de 2013

VIDA ALHEIA (RS)


Assistir “Vida Alheia” dentro do projeto Novas Caras da Prefeitura foi uma grata surpresa. Trata-se de um espetáculo simples em sua essência, porém muito potente em sua realização. 
Os méritos do projeto começam na escolha do Grupo Artes e Letras, que tem quinze anos de existência, em levar aos palcos grandes clássicos da literatura. E neste projeto Arthur de Azevedo foi à escolha, onde a cena estruturou-se através de cenas curtas que tem em comum, uma série de personagens e tipos que possuem o hábito de falar da vida alheia da sociedade onde vivem. E Arthur através disso constrói um texto embasado para criticar os costumes cariocas da época. 
A encenação parte do pressuposto de que o menos é mais, economiza nos cenários, utilizando apenas duas cadeiras e poucos objetos, para potencializar o trabalho dos atores. Os figurinos de J. Alceu são muito bem elaborados, e condizentes com a proposta de construir um teatro de época, além de belo, auxiliam muito na construção das figuras e personagens. A iluminação é simples e está a serviço da cena. 
Direção e elenco são os grandes responsáveis pelo sucesso desta peça, pois o diretor conseguiu exprimir tudo o que não era necessário e deixou apenas o essencial para tornar a narrativa atraente, porque nem sempre espetáculos de época conseguem ser interessantes, e também consegue conduzir seus atores com grande competência, tirando de cada interprete o seu melhor. Um único ponto negativo, é a narração em off contando passagens da biografia do autor, penso que para a proposta inicial de levar o trabalho até as escolas, essa inserção é bastante positiva e cabível, porém quando esse trabalho ganha um espaço na grade de um teatro, penso que é desnecessária esta inserção, senão o espetáculo acaba tornando-se demasiado didático, o que não é ruim, mas que incomoda pelo fato de o espectador querer ver a narrativa da peça e não a vida do autor. 
O elenco está afinadíssimo, coeso e entregue. Destaque para o modo como o texto é dito, bem articulado, limpo, imprimindo uma musicalidade textual. As atrizes Ana Paula Aguiar e Kariny Schoenfeldt são boas e estão à vontade e tem presença de destaque, mas a dupla de atores Gabriel Motta e Julio Lhenardi, conseguem através de suas construções uma maior profundidade e um maior destaque. Um bom exemplo é a cena da nomeação do funcionário público, onde a dupla de atores desfilam construções de figuras muito bem delineadas e diferentes uma das outras, demostrando os bons interpretes que são. 
“Vida Alheia” é um espetáculo curto, na medida, que quando retornar a cartaz deve ser assistido por quem gosta de ver bom teatro, independente dos rótulos que são colocados, embora esta peça possa ser considerada de teatro escola, mas para mim não é isso que importa, o que me interessa é que a obra tem qualidade e ponto final. E “Vida Alheia” tem qualidade e méritos de sobra. 

Elenco Ana Paula Aguiar, Gabriel Motta, Julio Lhenardi, Kariny Schoenfeldt 
Concepção e Figurinos J. Alceu             
Iluminação e Trilha Sonora Uecla Oiluj
Operação de Som e Luz Leo Nardi         
Dramaturgia e Direção Gabriel Motta



PADOX DANS LA CITÉ (FRANÇA)



O que é ser Padox? Padox é ser estranho e belo ao mesmo tempo. É exótico e tenro. Padox através de um trajeto pelo Parque Farroupilha, levou os transeuntes a acompanharem seus movimentos sutis e encantou quem estava por lá.  São criaturas, com corpos desproporcionais, e um rosto que remete ao passado, aos ancestrais, a outro mundo. As figuras interagem com o público, mas somos nós que somos convidados a adentrar no mundo deles, um mundo onde a natureza e o outro são importantes. 
Creio que o que mais me cativou, foi à ternura do olhar destes seres, do diferente, e da paz de espirito que eles passam através de suas ações.
Padox provoca um contraste no espaço urbano, sob uma perspectiva que coloca estes seres num espaço de destaque na cidade, justamente por destoar do comum, do cotidiano, provocando cada espectador a criar a sua relação com estes seres, e a partir disso remeter a uma linguagem universal. 
Diferente. Cativante. Feio. Belo. Estranho. Provocador. Alienígenas. Amorosos. Uma série de adjetivos que pude escutar durante o trajeto destes Padox que povoaram o nosso imaginário durante o compartilhamento desta performance que encantou os espectadores destes seres encantados. 

domingo, 28 de abril de 2013

DOMÍNIO PÚBLICO (ESPANHA)



Ousadia ao pé do ouvido

Ao participar da performance “Domínio Público, refleti sobre as várias questões relacionadas ao ato teatral, esta forma de expressão tão importante para o homem desde seus primórdios, dentro de um campo artístico, tão vasto e complexo. Sua função social tem sido constantemente redefinida, mas desde muito antes de nossa era até hoje, nunca deixou de existir. Existe no homem algum impulso que necessita deste instrumento de diversão e conhecimento. Definir teatro é algo muito difícil, já que seu significado transforma-se junto com a sociedade na qual se insere. Também conjeturar como fazer teatro não é fácil, uma vez que essa forma de arte reveste-se de infinitas maneiras de apresentar-se.
As premissas do acontecimento teatral partem do seguinte pressuposto: Um espaço, um homem que ocupa esse espaço, outro homem que o observa. Entre ambos, a consciência de uma cumplicidade. O primeiro mostra um personagem e um comportamento deste personagem numa determinada situação, enquanto que o segundo sabe que tem diante de si uma reprodução, improvisada ou previamente ensaiada, de acontecimentos que imitam ou reconstituem imagens da fantasia ou da realidade. O primeiro é movido por um “impulso criativo” que incorpora emoção e razão. O segundo assiste passiva ou ativamente, numa cerimônia que faz fugir da própria realidade para o mergulho num universo de encantamento ou ilusão, ou ao contrário, aprofunda o conhecimento lúcido e crítico da própria realidade e dos fenômenos que o cercam.
E “Domínio Público” faz repensar o modo como encaramos a espetacularidade, principalmente num espaço público. A performance é um grande jogo onde o público transforma-se em protagonistas da ação, através de fones de ouvidos distribuídos a alguns privilegiados, enquanto outros espectadores assistem a ação daqueles que estão sendo guiados por instruções dadas ao pé do ouvido.
O grande grupo movimenta-se através de provocações que nos chegam através dos fones, e a partir disso vai se criando uma dinâmica interessante, divertida e que vai revelando informações dos participantes, pois as questões lançadas são de ordem social, política e muitas vezes íntimas, são essas questões que determinam o movimento das peças deste grande tabuleiro.
Uma performance ao mesmo tempo simples em sua proposta, mas com uma logística que tem que ser bem eficiente, pois coloca no centro de sua ação, transeuntes, que ficam a disposição para vivenciar esta grande experiência de ocupar o espaço público.
Ao final, adentramos num espaço, onde visualizamos bonecos (imagem acima) que representam diversos tipos sociais e no telão são projetados os nomes de cada anônimo que "atuou" na performance. Uma experiencia muito interessante.

domingo, 7 de abril de 2013

TUDO PODE DAR CERTO (RS)




Tudo Pode Dar Certo dirigido por Catharina Conte, abriu a programação do projeto Novas Caras da Coordenação de Artes Cênicas. Baseado no filme Whatever Works, de Woody Allen a peça traz a história de Boris, um intelectual amargurado com o mundo em que vive, sem esperança nos seres humanos e na sociedade, que tem sua rotina alterada com a visita de uma jovem vinda do interior, fugindo da clausura retrógrada de seus pais, católicos fervorosos. Percebendo sua fragilidade, Boris permite que ela fique no apartamento por alguns dias. Ela se instala e, com o passar do tempo, não aparenta ter planos de deixar o local. Até que um dia lhe diz que está interessada nele.  A partir desta premissa, muitas histórias vêm à tona, dentro deste espetáculo que é resultado de uma oficina de iniciação ministrada pela diretora, na escola da Cômica Cultural, escola responsável pela formação de uma geração de atores na cidade. Enquanto primeira experiência, o espetáculo alcança um resultado satisfatório, demostrando que a maioria destes alunos/atores iniciou suas atividades na arte teatral com o pé direito. 
E estar participando de um projeto como este, dá visibilidade ao trabalho, o que possibilita receber uma critica já no primeiro trabalho, e isto pode ser ruim, dependendo de cada ator, mesmo a crítica sendo positiva ou negativa. No caso positivo, pode levar ao ator a acomodar-se e achar que é um grande ator, se inflamando e deixando de buscar formação, e no caso de uma crítica negativa, de desestimular o aluno em sua busca teatral, o que não é o caso aqui, que vem apenas para comentar e através disto trocar ideias sobre o espetáculo apresentado. 
O trabalho em sua essência é simples, sem grandes cenários e figurinos, e se estrutura através da presença dos atores, que se esforçam para seguir as marcas da cena, que são limpas e claras. A proposta abusa dos clichês, mas que dentro da proposta é bem aproveitado. 
A encenação divide o número de atores em aproximadamente cinco personagens: Boris, a jovem e seus pais e mais alguns personagens que se colocam na ação em forma de revezamento, permitindo que cada ator tenha a oportunidade de experimentar as personas centrais, evidenciando mais de uma faceta do mesmo personagem. Por outro lado, isso atrapalha por não permitir aos atores iniciantes, uma busca mais aprofundada, já que o sistema de revezamento exige uma troca rápida, apesar de algumas soluções encontradas serem bastante eficientes. Neste caso a sugestão seria de cada aluno/ator pudesse construir apenas um personagem, mesmo que tenha uma participação pequena, porém mais consistente. 
Destacar algum ator é até injusto, pois estão todos no mesmo estágio, dedicados e entregues ao ato teatral, e o que eu mais admiro nos espetáculos de finalização de oficinas é o frescor e a vontade de estar no palco dos jovens atores, e isso é muito gostoso de ver. Mas dentro deste elenco, destaco o elenco masculino, e entre eles a presença do ator que faz o terceiro e último Bóris, pois conseguiu captar a essência do personagem, o jeito rabugento e falastrão, potencializando detalhes que os outros atores não atingiram, e também a presença de Anelise Ferreira, que tem vivacidade nas suas construções, uma firmeza e segurança em estar no palco. 
Outro destaque da peça é a quebra da quarta parede, onde o protagonista provoca tanto aos espectadores quanto aos atores, afirmando que tem gente acompanhando a ação da peça, sendo que ao final essa quebra é provocada pelos demais atores, subvertendo o jogo e o discurso do Bóris. 
“Tudo pode dar certo” é um espetáculo leve, divertido e que deve ser incentivado por revelar novos atores, e o trabalho de formação é muito importante por mostrar novos talentos a cidade. 
Direção: Catharina Conte Cecato
Elenco Andressa GH, Anelise Ferreira, Anelise Fruett, Carolina Azambuja, Clarice Cerentini, Diego Pessoa, Ismael Goulart, Jade Knorre, Juliana Minho, Márcia Rapetto, Maurício Schames, Nina Moreira e Roberta Roche e participação especial de Emilio Farias.


quarta-feira, 3 de abril de 2013

QUANDO EU TINHA (RS)


“Quem dera ser um peixe, para em seu límpido aquário (saltar) mergulhar”.

“Quando eu tinha” foi o primeiro espetáculo apresentado dentro do projeto Teatro Aberto da Coordenação de Artes Cênicas de Porto Alegre neste ano. O espaço é destinado a grupos de teatro que tenham uma proposta experimental, e é justamente esse caráter que permeia todo o trabalho do Grupo Duo em Contato, criado pelos atores André Macedo e Marcia Berselli, existente desde 2010.
A proposta do trabalho é bastante interessante em sua concepção, pois traz a tona questões que envolvem temas como o binômio morte/vida e suas memórias. O espectador tem um papel relevante dentro do espetáculo, pois contribui efetivamente com suas reminiscências sobre a morte, através de depoimentos escritos. Outro elemento que aproxima o espectador da proposta é a cachaça oferecida ao público e que além de agradar aqueles que gostem de uma cachacinha para aquecer ou iniciar uma comunhão entre atores e espectadores, tem um significado bastante singular que remete ao mote da morte, e que me leva a pensar que a cachaça é para “beber” o morto, prática utilizada em velórios ou rituais religiosos.
A encenação parte do contato entre os corpos dos atores, que pesquisam o Contato Improvisação na prática do ator, e justamente o interessante desta pesquisa é o que os atores levam para cena, que não é uma simples improvisação, mas a presença viva e potente que esta pesquisa proporciona para a dupla de artistas.
Dentre todos os elementos do espetáculo a presença e disponibilidade dos atores são admiráveis, pois a narrativa é fragmentada, privilegiando o corte e a produção de sentidos através das imagens dos corpos em ação. As metáforas presentes na cena são recheadas de signos que faz com que cada espectador elabore seus sentidos a partir de suas experiências pessoais. Textos como o do peixe que quer pular para fora do aquário ou fragmentos como a cena do cinema expõe o cerne da proposta, que é trazer à tona a questão da morte, porém de forma leve, dentro de uma proposta teatral, de um jogo onde se misturam o passado, o presente, a memória real (relato dos espectadores) versus a memória ficcional (dramaturgia e relatos dos atores).
E quanto aos atores a presença de ambos é a força motriz da peça, com grande disponibilidade corporal, além de os mesmos serem os responsáveis pela operação da iluminação e sonoplastia. Marcia Berselli consegue construir uma figura que demostra sua verdade através do olhar e de seus movimentos limpos, precisos e ajustados. André Macedo demostra ótima preparação corporal, mas percebe-se uma ansiedade que em diversos momentos atrapalha na fruição da cena. Macedo é o responsável por criar figuras que fazem parte da narrativa, como o gato, por exemplo, figuras estereotipadas, mas que funcionam dentro do contexto da obra.
A iluminação é básica e simples, mas se utiliza de momentos de penumbra, onde em algumas cenas percebemos apenas a presença dos corpos em cena, vultos que se deslocam, e dançam, detonando o espirito poético deste experimento cênico que encerra com um lindo texto.

Elenco: André Macedo e Marcia Berselli
Orientação: Professora Laura Backes
Grupo Duo em Contato: www.duoemcontato.blogspot.com.br






quarta-feira, 13 de março de 2013

DESPLANTE.DOC (BA)


Desplante= Ousadia descabida que tem como sinônimos: atrevimento, ousadia, abuso, petulância entre outros. 
Desplante.doc é uma performance que foi apresentada no Teatro Bruno Kiefer da CCMQ. Em seu texto de apresentação a performance é apresentada como espetáculo que parte da experiencia da artista Laura Pacheco em terras estrangeiras. 
No palco vemos uma proposta interdisciplinar, uma mistura entre dança, performance, vídeo e por que não teatro. As fronteiras entre as linguagens são borradas e mescladas, e o que vemos é nada mais que um apanhado de intensões abstratas.
Um dos significado da palavra desplante é ousadia descabida, e percebo o trabalho de Laura Pacheco justamente através deste viés, pois seu desplante.doc é ao mesmo tempo ousado em seus pressupostos, mas suas propostas não chegam a uma comunicação, tornando-se descabido, vazio, desinteressante sob o ponto de vista cênico. Quando digo que a proposta não comunica, não me remeto a proposta de contar uma história ou algo aristotélico, mas que suas experiencias de descolamentos pudessem realmente chegar ao espectador, afinal de contas todo o processo de compartilhamento é realizado num teatro, no palco dentro de determinadas convenções que não são quebradas. 
O momento em que mais pude me aproximar deste ambiente estranho foi justamente na projeção final, de um corpo vestido de vermelho dentro de uma atmosfera cinza, ali pude compartilhar com o corpo deslocado da artista, ali pude deslumbrar a relação entre o estranho e o familiar. 
Mas durante o espetáculo (pois em seu texto é apresentado assim) tudo é apresentado de forma fragmentada, elementos como o vídeo é utilizado em cena aberta, não sei se é a proposta, mas a forma desnudada como é feita as projeções são muito amadoras. O operador sobe ao palco a cada intervenção da artista, e isso incomoda, pois ele não interage com a performer em nenhum momento. Será que faz parte dos pressupostos da encenação ou é uma improvisação utilizada naquele dia? 
Signos são propostos e quase que instantaneamente são destruídos, não aprofundando a relação destes com a obra proposta. 
A cena do flamenco e do sapateado são bastante interessantes, onde a repetição e pulsação são molas propulsoras para que muitos significados subjetivos se desvelem para cada espectador, mas ficam isoladas com o todo da obra.
Textos interessantes são digitados e sugerem imagens e algumas frases projetadas na tela demonstram bem a proposta da obra como:
"e como dizer o que não se pode dizer" e são justamente estes textos que dão o tom de "Desplante.com", revelando a que veio esta obra que teve o financiamento do Prêmio Myrian Muniz.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O MÁGICO DE ÓZ (RS)


Quando adentro numa sala de teatro e vejo o espaço vazio, sem cenários, primeiro vem um certo alivio, (não que eu não admire cenários, mas pela sugestão de limpeza do espaço) e depois me questiono: será que um espetáculo voltado para a infância precisa de cenários?
Quando se tem um bom elenco não precisa. E o Grupo Leva Eu tem um bom elenco e comprova que para se fazer bom teatro precisa apenas de bons atores.  
O espetáculo "O Mágico de Óz" que ficou em cartaz na sala 505 da Usina do Gasômetro é bastante simples e eficiente dentro de sua proposta. 
Conseguimos embarcar na história de Dorothy e seus amigos justamente pelo teatro minimalista apresentado pelo Grupo Leva Eu. A história da jovem que é levada por um furacão é encenada por um grupo de jovens que demostram ser apaixonados pelo teatro. A dramaturgia do espetáculo consegue adaptar o livro e deixar em cena apenas o que é realmente importante para a compreensão do enredo da peça. A direção de Igor Ramos é precisa e limpa, pois se utiliza de poucos recursos, a marcação é clara e eficiente e os elementos estão todos bem equalizados. 
Os figurinos são bonitos e alguns se utilizam de materiais bastante simples, como no caso do cachorro e Homem de lata, porém cumprem sua função de presentificar os personagens que já fazem parte do imaginário de todos, e os figurinos de Igor seguem essa tendência, de ilustrar através das vestimentas a quem veio cada personagem inspirados pelas montagens já realizadas e pela versão cinematográfica, claro que aqui as proporções são em uma escala menor, porém não menos criativa. Cabe salientar nos figurinos a boa paleta de cores utilizada pelo criador, pois temos um equilíbrio que vai do azul ao lilás, do cinza ao preto, brincando com as cores que dão a cena um efeito colorido.  
Uma sugestão para o diretor seria arriscar mais na utilização de imagens durante o espetáculo, um belo exemplo é a cena em que a bruxa é arrastada para fora de cena e apenas seus pés ficam a mostra. Além de ser esteticamente bonito, flerta com a teatralidade,  com o jogo teatral, detonando um outro clima e a abertura de novas possibilidades de leitura para a cena, onde nem tudo será explicito, deixando algumas informações suspensas. 
A trilha sonora pesquisada é pontual, mas segue os moldes do filme, o que na minha opinião não engrandece o espetáculo, ficando apenas no senso comum, talvez apostar numa trilha original ou algo fora dos padrões midiáticos tornaria a montagem mais atrativa e empolgante e traria também um elemento que senti falta, que é a "surpresa". Pois quando adaptamos uma obra literária que já foi transformada em filme, musical, teatro, enfim, o espectador já sabe de antemão o que lhe aguarda, e então é aí que entra o elemento surpresa, aquela carta na manga que o diretor e grupo decidem utilizar para surpreender seu público sem fugir do enredo. E penso que a trilha empobrece o espetáculo em questão, até mesmo com a conhecida canção final, que traz certa melancolia a cena, mas me parece que esta trilha não pertence a este espetáculo, mas sim ao filme, e isso me afasta de certo modo. Gostaria de ver algo que tivesse mais a cara do espetáculo do Grupo Leva Eu ao invés de apenas me remeter ao filme. Mas felizmente a trilha não chega a atrapalhar a fruição do espetáculo.  
Quanto ao elenco, apesar de jovens, conseguem construir personagens coesos e equilibrados. Destaco o trabalho de Gabriel Rocha, pois seu Homem de Lata é o que consegue ter uma presença   mais visceral, viva e verdadeira, uma energia que erradia através do seu olhar, demostrando que para acreditarmos em seu personagem não é preciso fazer muitas movimentações no palco e Gabriel agrada por sua presença contida e vibrante. 
Larissa Schneider é segura e imprime uma corporeidade bastante interessante ao seu espantalho. Thaina Rocha me lembrou a atriz Ruth de Souza pelo seu olhar e vivacidade, consegue através da emoção criar uma Dorothy forte e orgânica, que consegue fluir durante toda a peça, e está de parabéns pela desenvoltura. Na cena final quando a personagem (ou atriz?) vai as lágrimas, e como espectador sinto uma verdade e gostaria de compartilhar o choro juntamente com ela.
Gabriela é graciosa com seu Totó, mas creio que poderia ousar mais, Luisa na pele do Leão as vezes titubeia e percebo a verdade do ator através do olho, e o olho de Luisa as vezes vagueia, e em cena é preciso estar sempre presente e não apenas quando se diz um texto, atente-se a isso, pois em cena se está "sempre" no foco. Milena e Suelen tem boas participações e construções, mas por presentificarem figuras fabulosas (Bruxa e Mágico) poderiam extravasar mais em suas criações, para criar uma tensão dramática maior em relação aos demais personagens.  
Tudo isso para falar que "O Mágico de Óz" é um espetáculo simples que consegue tocar e encantar a platéia presente no teatro. Igor Ramos e seu grupo estão de parabéns pelo resultado alcançado e por toda a produção que é manter um espetáculo vivo em temporada. Vida longa ao Grupo Leva Eu e ao teatro produzido no interior do estado. 

Ficha Técnica:
Elenco: 
Thaina Rocha - Dorothy
Gabriela Schneider - Totó
Larissa Schneider - Espantalho
Luisa Ribeiro - Leão
Gabriel Rocha - Homem de Lata
Milena Pauli - Bruxa do Leste
Suelen Pereira - Mágico de Oz
Direção: Igor Ramos
Figurinos: Igor Ramos
Iluminação - Douglas de Lima
Maquiagem - Fernanda de Menezes

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Diego Ferreira - Graduado em Teatro/ UERGS, comentador crítico nos blogs Olhar(es) da Cena e Válvula de Escape.