PRODUÇÃO INTELIGENTE DIRECIONADA AOS PEQUENOS
por Diego Ferreira*
"Zuleka e o tesouro do pirata careca" é uma produção do Laboratório Escola de Arte Popular e é uma grata surpresa na seara das produções digitais em tempos pandêmicos. Por se tratar de uma produção voltada as crianças e pelo fato da mesma abordar temas atuais, o coletivo conseguiu criar uma experiência viva e lúdica aproximando-se da realidade das crianças de hoje. O espetáculo virtual consegue utilizar de modo louvável uma série de plataformas como o you tube, o instagram, o whattssapp para colocar em cena as aventuras de Zuleka no mundo real. Aqui não existe o mundo das maravilhas, fadas ou duendes, pelo contrário, os temas abordados são os que estão todos os dias nos noticiários como pandemia, fake news, isolamento, o medo, o genocídio, a vacina e a relação com familiares separados pelo distanciamento. O que torna a experiência diferente é justamente a forma como foi apresentado, a começar pela dramaturgia e edição dos quadros apresentados no programa de entrevistas apresentado pela Zuleka. Apesar de a produção ser dirigida aos pequenos existe um discurso político e social bastante claro e apurado. A narrativa não fica em cima do muro e propõe uma reflexão interessante acerca dos temas abordados, mas a forma que esse discurso se manifesta é construído de modo lúdico e inteligente. Não é tarefa fácil dialogar com a infância atual por uma série de ideologias que infelizmente dominam a sociedade brasileira. Mas é importante falar. É importante dialogar. É salutar evidenciar qualquer tipo de tema, principalmente os que estão em alta na sociedade e que interfere diretamente na vida dos pequenos e suas respectivas famílias para assim tentar construir uma sociedade que busque um equilíbrio no campo das idéias. A dramaturgia de "Zuleka e o tesouro do pirata careca" é espetacular, destaco por exemplo a cena/quadro do formigueiro que estabelece uma relação direta com o governo. Outra cena que destaco é a da avó de Zuleka após ser vacinada se transformar em jacaré. São cenas/quadros muito bem construídos e divertidos. O elenco é um destaque a parte, pois consegue construir figuras interessantes e hilárias como o impagável Tio Miro e sua sereia Elvira que Rodrigo Reis nos brinda perfeitamente, assim como a personagem título Zuleka personificada pela Pam Magalhães, que tem uma tarefa difícil que é criar corpo/voz a uma personagem infantil, o que acontece de modo natural, pois quanto mais avança o espetáculo mais acreditados na sua construção da menina Zuleka. Vinicius Lima como o Avô e o pirata também está muito bem e seguro na personificação destas figuras que no caso de Vinicius percebo um tempo ótimo principalmente no avô falastrão, assim como Carini Pereira que no papel da avó consegue ser hilária e pontual agregando qualidade no projeto. Os personagens são fora do padrão de um universo infantil romantizado e isso faz com que consigam dialogar com a nossa realidade. O coletivo assim como Bruno Prandini estão de parabéns pela qualidade e principalmente pela resistência de seguir produzindo trabalhos com muita qualidade dentro da chamada região metropolitana de Porto Alegre. Que este trabalho possa chegar nas escolas e ser um bom exemplo de teatro que faz uma ótima reflexão da criança da atualidade aliada a diversão.
FICHA TÉCNICA
Montagem Coletiva do Laboratório-Escola de Arte Popular
Criação da Dramaturgia, Pesquisa de Referências, Elementos Cenográficos, Figurinos, Trilha Sonora: O Coletivo
Direção Artística: Bruno Flores Prandini
Elenco: Carini Pereira, Pam Magalhães, Rodrigo Reis e Vinicius Lima
Criação de Material Audiovisual: Rodrigo Reis e Pam Magalhães
Edição de Vídeo Espetáculo Digital: Renato Chama
Após a transmissão do espetáculo, haverá uma live no Youtube com toda a equipe artística. Para acompanhar acesse o Youtube do Laboratório-Escola de Arte Popular
Este espetáculo integra o projeto “Mostra 10 Gigabytes de História - Vacina para Corpos Digitais” sendo este um Projeto realizado com recursos da Lei nº 14.017/2020.
*Diego Ferreira é Dramaturgo, Diretor, Professor e Crítico Teatral. Graduado em Teatro UERGS/2009. Estudou Letras na FAPA/2002. Coordena o Núcleo de Dramaturgia do Espaço do Ator. Editor do blog Olhares da Cena. Participou do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É integrante da GiraDramatúrgica - Grupo de Estudos em Dramaturgia Negra coordenado por Carlos Canarin/UNESPAR. Professor do Espaço do Ator e da extensão na UNISINOS. Produziu “Três tempos para a dramaturgia negra no RS” contemplado no edital Diversidade nas Culturas da Fundação Marcopolo. Curador do 28º Porto Alegre em Cena/2021.