“Tombé” foi um dos melhores espetáculos que assisti dentro da programação do Palco Giratório/Porto Alegre. O que me levou ao teatro para assistir a proposta do Grupo Dimenti de Salvador/Bahia foi para tirar a má impressão que fiquei em relação ao grupo. Já havia assistido a outro espetáculo do coletivo, “Batata” inspirado livremente na obra de Nelson Rodrigues, que esteve anos atrás dentro da programação do Porto Alegre em Cena, e que sinceramente saí decepcionado, e que não cabe aqui esmiuçar os motivos, mas ainda bem que pude conferir a este trabalho e desconstruir esta impressão, e aplaudir em pé a esta nova proposta.
Tombé é simples e complexo ao mesmo tempo. É hibrido, pois mescla teatro, dança, performance, artes plásticas (como é citado no discurso do espetáculo) e politica. Sim, pois uma das discussões que o espetáculo trata é a questão de um corpo político, um corpo social, a política presente na pedagogia da dança. O modo de ensinar, o modo de transmitir, internalizar e (re) significar a dança no contexto atual. E tudo isso é realizado de uma forma apropriada e divertida. Pode-se dizer que o Dimenti cria uma tese e subverte essa, ao criar uma obra recheada de conceitos, que são apresentados de forma divertida, aberta, escancarada, com um humor sarcástico e inteligente. O espetáculo é recheado de méritos, e um deles ó de trazer a comicidade para a dança, rir do outro e ao mesmo tempo rir de si mesmo.
Tombé parte de uma explanação sobre o fazer dança e suas diferentes facetas. Em cena, assistimos um grupo de bailarinos que exibem variados estilos de dança: clássica, hip-hop, moderna, jazz, contato-improvisação (hilária esta cena), entre outras, de modo caricato. Em cena a personificação da professora de dança trás ao foco o arcaico se confrontando com o contemporâneo, e eis que surge justamente a questão: o que é dança contemporânea? Esta questão permeia todo o trabalho que não fornece uma resposta, porém vai muito, além disso, pois ao mesmo tempo em que diverte, trás uma reflexão sobre criação e sobre como está se produzindo dança atualmente. Será que há avanços? Retrocessos? Como se dá a relação da academia com a dança?
Muitas questões formuladas, muitas sem respostas, porém o que fica do espetáculo do Dimenti é a qualidade e inteligência empregada na cena. O espetáculo desmitifica e critica os códigos da dança. Quatro bailarinos-performers-atores, incluindo o diretor, somando a eles um técnico, que na verdade é um ator, bailarino-performer cria o ambiente despojado e envolvente de Tombé. A performance do elenco é louvável, todos disponíveis e entregues a proposta, inclusive na segmentação da fronteira entre as linguagens, pois poderíamos nos questionar: mas isso é teatro ou dança? É teatro. É dança. E o trabalho dos bailarinos é incrível, com um corpo preparado e treinado. E o trabalho dos atores é admirável, criando tipos críveis e engraçados. Acredito na bailarina fanha, acredito na professora, acredito nos conflitos dos bailarinos. E me divirto muito com as tiradas e inserções do técnico de som que interfere a todo o momento, ganhando a cena.
Parabéns ao Dimenti pelo trabalho que demostra sua seriedade e pesquisa que desenvolvem em Salvador, demostrando que o oficio pode e deve ser a todo tempo ser colocado em cheque, para não estagnar, para criticar, para movimentar, e isso o Dimenti consegue provocar no público. Qualidade e ousadia num espetáculo para quem gosta de dança e para quem não sabe nada de dança.
Direção: Jorge Alencar
Intérpretes-criadores: Daniel Moura, Fábio Osório Monteiro, Jorge Alencar, Márcio Nonato, Vanessa Mello
Tema original: Tiago Rocha
Projeto de luz: Ellen Mello e Márcio Nonato
Direção de Produção: Ellen Mello
Produtor assistente: Fábio Osório Monteiro
Fotos: Mariana David
Logomarca: Moisés Garcia