quarta-feira, 17 de abril de 2019

TABATABA - DOIS CONTRA O MUNDO (RS)

A imagem pode conter: 1 pessoa, noite e close-up


VOZES NEGRAS NO CENTRO DA CENA

por Diego Ferreira*

“Taba Taba” é uma adaptação do texto de Bernard Mariè Koltes realizada por Rafael Sandino. Partimos da premissa que a escolha do texto para a atual montagem é de extrema importância, pois trata de questões que remontam a África e suas ancestralidades, confirmando a importância, podemos apenas observar a noite da apresentação, onde a sala estava totalmente lotada, pessoas tendo que ir embora, e na platéia a maioria dos espectadores eram negros para ver no palco dois intérpretes também negros desvelarem suas histórias e de seus pares.
         TabaTaba” é uma história em que a solidão é o ponto de encontro. Dois irmãos, Maimouna e Abou, vivem além da impossibilidade de sentir o comportamento "normal" das pessoas de sua cidade como suas. O pequeno Abou deposita todo o seu desejo em sua Harley-Davidson e passa o dia com ela; Maimouna, como irmã mais velha e responsável por sua criação, sente-se humilhada por esse comportamento e tenta orientá-lo para uma aparência mais social. Mas à medida que o tempo avança, pode-se ver uma cumplicidade obscura entre os dois que mitiga a angústia de não pertencer.  A montagem evidencia este “não pertencer” através dos relatos pessoais dos atores, numa espécie de distanciamento da narrativa de Koltes. A perversão os mantém longe da sociedade, mas ao mesmo tempo é o elo que os une.  
Maimouna aparece no pátio de casa conversando com seu irmão mais novo. Ela o censura por se dedicar apenas a polir a motocicleta em vez de perseguir as garotas, assim como todos os garotos de sua idade. Lutas menores, os indivíduos grandes tratados com ternura, no qual o autor francês Bernard Marie Koltès evoca a difícil missão que é deixar a infância, território que um dia é necessário partir e que, no entanto, nunca nos abandona.
O que mais exalto na produção é a inserção de novos fragmentos e depoimentos pessoais que somados ao texto de Koltes criam uma nova dimensão, tornando a dramaturgia intertextual, com outras vozes que ressoam melhor no espectador contemporâneo.
A direção de Sandino consegue extrair o melhor da sua dupla de intérpretes, estando exatamente aí o que há de melhor da produção e a base da sustentação da produção são os atores. A iluminação de Fabiana Santos é pontual e consegue exercer bem o seu papel de criar atmosferas e texturas reportando o espectador para esta África quente. Assim como a trilha sonora e figurinos que são simples e essenciais. A silhueta da motocicleta talvez seja o elemento que mais tenha me intrigado no início, pois é um elemento muito importante, quase um personagem, que desencadeia a narrativa do espetáculo, e me intrigou justamente, pois no inicio da encenação víamos apenas a silhueta chapada de motocicleta, e isto negava as ações dos personagens, não combinava com a concepção que até então estávamos assistindo. Porém, num determinado momento da montagem, a silhueta é virada e mostra a outra faceta, demonstrando uma reprodução bastante fiel de uma motocicleta, um baita acerto de Chico Machado, aí neste momento eu vibrei e penso que poderia estar assim desde o inicio, pois a cena ficaria mais coerente, lógico que apenas um pensamento meu.
Outro elemento que em minha opinião seria desnecessário é a projeção de vídeos, pois serve apenas para duplicar os atores, mas o problema maior é a operação e manipulação da câmera e projetor que me incomodou enquanto espectador, pois desvia o foco da cena, desestabilizando a cena, a não ser que este seja o propósito.
Tirando estes detalhes, penso que Hayline da Rosa Vitória e Phillipe Coutinho são os senhores da cena, dois atores tão jovens que se entregam em atuações vigorosas e intensas. Hayline tem uma presença radiante que faz com que ela se agiganta em cena, se utilizando de sutilezas e de uma voz precisa. Phillipe é daqueles atores que puxam o foco para si, através de sua energia e sensibilidade, que sabe muito bem o que está fazendo no palco. Lógico que é mérito de Sandino amarrar todos os elementos através de sua direção, e nos oferece um espetáculo forte, político e que reflete as questões da negritude e sua dimensão histórica e atual na cena gaúcha.

FICHA TÉCNICA
Direção: Sandino Rafael
Elenco: Hayline da Rosa Vitória e Phillipe Coutinho
Iluminação: Fabiana Santos
Operador de projeção: Fabrício Zavareze
Sonoplastia: Sandino Rafael
Cenografia: Chico Machado
Fotografia: Dayane Alencar

*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. Foi jurado do Prêmio do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. Diretor do Grupo Skatá de Canoas.