VOZES NEGRAS NO CENTRO DA CENA
por Diego Ferreira*
“Taba
Taba” é uma adaptação do texto de Bernard Mariè Koltes
realizada por Rafael Sandino. Partimos da premissa que a escolha do texto para
a atual montagem é de extrema importância, pois trata de questões que remontam
a África e suas ancestralidades, confirmando a importância, podemos apenas
observar a noite da apresentação, onde a sala estava totalmente lotada, pessoas
tendo que ir embora, e na platéia a maioria dos espectadores eram negros para
ver no palco dois intérpretes também negros desvelarem suas histórias e de seus
pares.
“TabaTaba” é uma história em que a solidão é o ponto de
encontro. Dois irmãos, Maimouna e Abou, vivem além da impossibilidade de
sentir o comportamento "normal" das pessoas de sua cidade como
suas. O pequeno Abou deposita todo o seu desejo em sua Harley-Davidson e
passa o dia com ela; Maimouna, como irmã mais velha e responsável por sua
criação, sente-se humilhada por esse comportamento e tenta orientá-lo para uma
aparência mais social. Mas à medida que o tempo avança, pode-se ver uma
cumplicidade obscura entre os dois que mitiga a angústia de não
pertencer. A montagem evidencia este “não pertencer” através dos relatos
pessoais dos atores, numa espécie de distanciamento da narrativa de Koltes. A
perversão os mantém longe da sociedade, mas ao mesmo tempo é o elo que os une.
Maimouna aparece no
pátio de casa conversando com seu irmão mais novo. Ela o censura por se dedicar
apenas a polir a motocicleta em vez de perseguir as garotas, assim como todos
os garotos de sua idade. Lutas menores, os indivíduos grandes tratados com
ternura, no qual o autor francês Bernard Marie Koltès evoca a difícil missão que
é deixar a infância, território que um dia é necessário partir e que, no
entanto, nunca nos abandona.
O que mais exalto na
produção é a inserção de novos fragmentos e depoimentos pessoais que somados ao
texto de Koltes criam uma nova dimensão, tornando a dramaturgia intertextual,
com outras vozes que ressoam melhor no espectador contemporâneo.
A direção de Sandino
consegue extrair o melhor da sua dupla de intérpretes, estando exatamente aí o
que há de melhor da produção e a base da sustentação da produção são os atores. A
iluminação de Fabiana Santos é pontual e consegue exercer bem o seu papel de
criar atmosferas e texturas reportando o espectador para esta África quente.
Assim como a trilha sonora e figurinos que são simples e essenciais. A silhueta
da motocicleta talvez seja o elemento que mais tenha me intrigado no início,
pois é um elemento muito importante, quase um personagem, que desencadeia a narrativa
do espetáculo, e me intrigou justamente, pois no inicio da encenação víamos
apenas a silhueta chapada de motocicleta, e isto negava as ações dos
personagens, não combinava com a concepção que até então estávamos assistindo. Porém,
num determinado momento da montagem, a silhueta é virada e mostra a outra
faceta, demonstrando uma reprodução bastante fiel de uma motocicleta, um baita
acerto de Chico Machado, aí neste momento eu vibrei e penso que poderia estar
assim desde o inicio, pois a cena ficaria mais coerente, lógico que apenas um
pensamento meu.
Outro elemento que em
minha opinião seria desnecessário é a projeção de vídeos, pois serve apenas
para duplicar os atores, mas o problema maior é a operação e manipulação da câmera
e projetor que me incomodou enquanto espectador, pois desvia o foco da cena,
desestabilizando a cena, a não ser que este seja o propósito.
Tirando estes detalhes,
penso que Hayline da Rosa Vitória e Phillipe Coutinho são os senhores da cena,
dois atores tão jovens que se entregam em atuações vigorosas e intensas.
Hayline tem uma presença radiante que faz com que ela se agiganta em cena, se
utilizando de sutilezas e de uma voz precisa. Phillipe é daqueles atores que
puxam o foco para si, através de sua energia e sensibilidade, que sabe muito
bem o que está fazendo no palco. Lógico que é mérito de Sandino amarrar todos
os elementos através de sua direção, e nos oferece um espetáculo forte,
político e que reflete as questões da negritude e sua dimensão histórica e
atual na cena gaúcha.
FICHA
TÉCNICA
Direção: Sandino Rafael
Elenco: Hayline da Rosa
Vitória e Phillipe Coutinho
Iluminação: Fabiana
Santos
Operador de projeção:
Fabrício Zavareze
Sonoplastia: Sandino
Rafael
Cenografia: Chico
Machado
Fotografia: Dayane
Alencar
*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. Foi jurado do Prêmio do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. Diretor do Grupo Skatá de Canoas.