domingo, 26 de janeiro de 2014

MEDIDA PROVISÓRIA: SETE DRAMAS SOBRE A FALTA DE ESPAÇO (RS)

Radicalidade cênica em forma de protesto
Medida provisória começa rompendo com a percepção tradicional, exigindo uma participação física da platéia, por meio de inserção no espaço cênico totalmente branco, onde a mistura entre atores e público auxilia, a priori, a descondicionar o olhar dos espectadores e a partir daí instaurar uma nova perspectiva, a de espectador-testemunha. A partir daí somos convidados a testemunhar um espetáculo que destila teatralidade calcada numa dramaturgia que mescla ficção e realidade. Segundo Pavis, a teatralidade é a espacialidade, a visualidade e a expressividade da cena. E acrescento que a teatralidade em Medida Provisória é a fissura provocada pela leitura do diretor Madureira, com a dramaturgia de Liberano. Não existe ilusão, tudo está lá, são pouco elementos, todos muito bem articulados a serviço da denúncia. Mas não se trata de denúncia panfletária, com discursos mofados, pelo contrário, é um espetáculo político assim como toda a arte deve ser política, mas não uma política vazia, trata-se de uma denúncia necessária que serve como alerta, até mesmo para o elenco que está dando seus primeiros passos no teatro, mas que já vem com esse olhar desglamourizado acerca de sua profissão.  
O espetáculo é repleto de metáforas, a começar pelo espaço branco, oco, vazio, justamente num trabalho que trata sobre a "falta" de espaços públicos dedicados a arte. Mas se a estética brinca com a questão da precariedade, a relação com a ética é encharcada de um discurso atual e necessário pelo qual a cidade, mas principalmente os artistas sediados na Usina do Gasômetro estão enfrentando. Trata-se de um grito no qual todos devemos ouvir com atenção, principalmente os governantes e administradores dos espaços destinados a arte. 
Medida provisória tem uma estrutura polifônica: a imagem de uma representação sem unidade, formada por diversos elementos em oposição: a unidade é justamente o discurso político potente acerca das políticas públicas da cidade de Porto Alegre (ou qualquer outra cidade do país, pois o descaso referente a politicas públicas culturais é o mesmo). 
Diogo Liberano nos propõe um teatro político, ou uma política no teatro, mas sem levantar bandeiras partidárias, sem ser panfletário, sem ser chato. Poderia dizer que Liberano é um estrangeiro referente as "nossas" politicas culturais, pois ele é carioca e como conseguiria escrever sobre as mazelas que assolam o teatro gaúcho? Mas posso dizer que o texto triunfa e é extremamente atual, pois aponta e atira nos alvos certos, citando nomes e situações pertinentes dentro da politica pública, inclusive o secretário de cultura Roque Jacoby. E na verdade, não se trata de escrever sobre as nossas políticas públicas, mas sobre a "falta" delas no Brasil. E isso independe de região, pois é comum a falta de espaços no Rio Grande do Sul ou no Rio de Janeiro. Diogo Liberano se utiliza de uma estrutura fragmentada buscando referencias em textos clássicos como Hamlet de Shakespeare, A Gaivota de Tchekov ou Entre quatro paredes do Sartre, aliados a um texto espetacular que mostra a realidade dos profissionais de teatro e as agruras que perpetuam o oficio. Na minha opinião, Liberano é uma dos destaques na safra de dramaturgia, sendo que já havia assistido outros trabalhos seus como Sinfonia Sonho e Maravilhoso. 
Já João Pedro Madureira que atua no projeto como diretor convidado constrói determinados paradigmas por meio de vários sistemas de significação da cena, principalmente através da fisicalidade dos atores, mas o interessante é que cada espectador faz e refaz sua leitura através dos estímulos provocados pela autonomia da representação, implicando na construção do não dito do texto dramático, ou seja, são duas construções na cena: uma que parte do texto de Liberano e a outra que vai além do texto, nos apresentando uma cena não realista, através de partituras expressivas que potencializam a teatralidade da cena mostrando-se como uma conjunção dos signos e manifestando sua confrontação sob o olhar do espectador. A teatralidade é mais do que uma construção, mas sim uma interrogação de  ideias. Madureira propõe uma radicalidade cênica em forma de protesto, e consegue articular muito bem a presença do seu elenco numeroso. 
Quanto ao elenco, é louvável a entrega e presença deste grande coletivo. Impossível destacar nomes, quando existe uma coesão. É perceptível a entrega de todos e o espetáculo exige isso, um ator disponível, que consiga construir e desconstruir o efêmero. Um elenco que tem uma presença física e vigor movido pela paixão. É mérito do Madureira conseguir esse equilíbrio num elenco grande, mas mérito também que merece ser dividido com todos os profissionais envolvidos, a Casa de Teatro, que consegue entregar ao público um espetáculo articulado e com qualidade detalhista, aos demais professores Carlota Albuquerque, Claudia Sachs, Graça Nunes e Zé Adão Barbosa que com certeza marcaram a trajetória destes jovens atores que começam muito bem encaminhados na profissão. 
Fiquem atentos a essa Medida Provisória e sejam também testemunhas deste desabafo necessário.

Ficha Técnica:

Direção: João Pedro Madureira
Dramaturgia: Diogo Liberano
Elenco: Alexandre Azevedo, Arthur Vinadé, Brenda Jobim, Charles Benevenuto, Cissa Madalozzo, Cleia Bertinetti, Elaine Segura, Ewerton Netto, Flavia Reckziegel, Chico Neves, Gustavo Acioli, Henrique Araujo, João Gabriel OM, Jonatan Vanzin, Juliana Luzardo, Letícia Souza, Luana Mendonça, Maiara Fantinel, Murilo Fontoura, Nathalia Lisboa, Ofélia Ferretjans, Priscila Jardim, Renata Ribeiro e Vinícius Magnus
Orientação: Carlota Albuquerque, Claudia Sachs, Graça Nunes e Zé Adão Barbosa
Assistentes de Direção: Jéssica Lusia e Patricia Soso
Iluminação: João Fraga
Figurinos e Cenografia: Antonio Rabadan
Assistente: Kethyene Sperhacke
Cenotécnico: Paulo Pereira
Hairstyle: Hanny Barcellos
Vídeos: Pátio Vazio - produções cinematográficas, artísticas e culturais
Pesquisa de Trilha Sonora: João Pedro Madureira
Design Gráfico: Diogo Liberano
Fotografia: Bethânia Dutra
Assessoria de Imprensa: Marcelo Coelho de Souza, João Pedro Madureira e Casa de Teatro de Porto Alegre
Produção: Iuri Wander
Realização; Casa de Teatro de Porto Alegre