domingo, 23 de junho de 2013

O IDIOTA EXPERIMENTAL (RS)


Ao assistir “O Idiota experimental” percebi que o trabalho é a cara do Projeto Teatro Aberto da Prefeitura de Porto Alegre, pelo caráter aberto e experimental da obra em questão.
Trata-se da transposição para o teatro de um fragmento do livro “O Idiota” de Dostoiéwski, mas especifico do capítulo 6, onde a história é narrada por Michkin, um príncipe russo, que conhece Maria na Suíça, enquanto passava alguns anos internado num sanatório para doentes mentais, submetido ao tratamento de sua epilepsia.
O material disponibilizado pela produção diz que o espetáculo conta a história de Maria, focando como tema central da trama o individuo puro que imerso numa sociedade corrompida, cruel e desumana, torna-se um inadaptado, sendo rechaçado e marginalizado.
Júlio Saraiva que dirigi Gutto Basso neste experimento, já é conhecido dos palcos gaúchos por seus trabalhos, como “Van Gogh”, que sempre buscam uma renovação de linguagem, e aqui não é diferente. A dupla de criadores propõe uma cena onde o espectador precisa desvelar pelo menos duas camadas para adentrar no universo do espetáculo, vou chamar estas camadas de dramaturgia(s): a dramaturgia do texto, que consiste no fragmento do livro de Dostoiévski, que é narrado e disponibilizado ao espectador através de uma gravação em off, enquanto temos a dramaturgia do corpo, onde o ator/performer corporifica as imagens/ações sugeridas pelo narrador onipresente.
Estas dramaturgias não conseguem dar a dimensão da obra de Dostoévski, mesmo que reduzida, pois penso que fica muito distante a relação corpo/texto, são duas propostas opostas dentro do mesmo espetáculo, pois ou o espectador presta atenção ao texto narrado ou foca na performance do ator, acabo me desinteressando pela narração porque o texto gravado é linear, sempre dito no mesmo tom, sem alterações e variações, o que acaba se tornando monocórdio e chato, e me atento na performance de Gutto Basso, que através de ações e partituras físicas tenta traduzir este universo proposto pelo texto. O que me parece é que o ator tenta mostrar uma virtuose corporal, mesmo tendo um corpo limitado, mas não consegue se comunicar com a plateia, algumas passagens e imagens são bastante interessante, outras são muito literais, quase uma mimica do que esta sendo dito pelo texto.
O experimento apresentado é apenas a primeira etapa de um projeto maior que consiste em trazer à cena a obra de Dostoiévski, mas enquanto cena experimental e aberta, que foi o que assistimos, percebo que o projeto carece de um foco, de perceber quais possibilidades textuais podem servir de motes para criar outras possibilidades corporais, sem que isso torne-se apenas uma cena literária, onde as ações do ator apenas sublinhe o que é dito pela narração. Percebo também que o experimento carece de pausas e silêncios, momentos de ausência de trilha sonora, que apesar de ser linda, às vezes atrapalha, irrita, pelo fato de estar presente durante quase todo tempo da ação.
Outros elementos da encenação estão a serviço da cena, como a iluminação, que ainda poderia ser melhor utilizada, podendo criar climas e tensões ao invés de inundar o palco com uma paleta de cores, a trilha sonora criada pelo Gutto Basso que é linda, porém as vezes demasiada e com um volume mais alto que o texto, o figurino foi um dos elementos que mais gostei, pela composição que traduz signos da personagem.
Apesar de tudo apontado acima, que espero que auxilie os criadores nas próximas etapas do processo, digo que o que Júlio Saraiva e Gutto Basso nos propõe é um processo aberto que trabalha e subverte a própria linguagem cênica, pois brinca com códigos teatrais, desmitificando e abrindo a cena, propondo coisas novas para sacudir o teatro feito atualmente, que tem seus méritos, porém que precisam ser reajustados para que a cena ganhe a dimensão poética e teatralizada para conseguir se comunicar com o público.
FICHA TÉCNICA
Texto “O Idiota”, cap.6, de Fiódor Dostoiévski
Tradução e adaptação Gutto Basso e Julio Saraiva
Atuação, bonecos, adereços e música Gutto Basso
Direção, Programação Visual e Plástica Julio Saraiva
Coreógrafos Carla Vendramini e Gislaine Sachet        
Músicos Gutto Basso, Alison Peyrot Bassani e William Tsuhako        
Operação de luz e som Fábio Cuelli     
Registro fotográfico Marcelo Casagrande
Gestora Cultural Elisabete S. Silva