Ao assistir “O Idiota
experimental” percebi que o trabalho é a cara do Projeto Teatro Aberto da
Prefeitura de Porto Alegre, pelo caráter aberto e experimental da obra em
questão.
Trata-se da transposição para
o teatro de um fragmento do livro “O Idiota” de Dostoiéwski, mas especifico do
capítulo 6, onde a história é narrada por Michkin, um príncipe russo, que
conhece Maria na Suíça, enquanto passava alguns anos internado num sanatório
para doentes mentais, submetido ao tratamento de sua epilepsia.
O material disponibilizado
pela produção diz que o espetáculo conta a história de Maria, focando como tema
central da trama o individuo puro que imerso numa sociedade corrompida, cruel e
desumana, torna-se um inadaptado, sendo rechaçado e marginalizado.
Júlio Saraiva que dirigi
Gutto Basso neste experimento, já é conhecido dos palcos gaúchos por seus
trabalhos, como “Van Gogh”, que sempre buscam uma renovação de linguagem, e
aqui não é diferente. A dupla de criadores propõe uma cena onde o espectador
precisa desvelar pelo menos duas camadas para adentrar no universo do
espetáculo, vou chamar estas camadas de dramaturgia(s): a dramaturgia do texto,
que consiste no fragmento do livro de Dostoiévski, que é narrado e
disponibilizado ao espectador através de uma gravação em off, enquanto temos a
dramaturgia do corpo, onde o ator/performer corporifica as imagens/ações
sugeridas pelo narrador onipresente.
Estas dramaturgias não
conseguem dar a dimensão da obra de Dostoévski, mesmo que reduzida, pois penso
que fica muito distante a relação corpo/texto, são duas propostas opostas dentro
do mesmo espetáculo, pois ou o espectador presta atenção ao texto narrado ou
foca na performance do ator, acabo me desinteressando pela narração porque o
texto gravado é linear, sempre dito no mesmo tom, sem alterações e variações, o
que acaba se tornando monocórdio e chato, e me atento na performance de Gutto
Basso, que através de ações e partituras físicas tenta traduzir este universo
proposto pelo texto. O que me parece é que o ator tenta mostrar uma virtuose
corporal, mesmo tendo um corpo limitado, mas não consegue se comunicar com a
plateia, algumas passagens e imagens são bastante interessante, outras são
muito literais, quase uma mimica do que esta sendo dito pelo texto.
O experimento apresentado é
apenas a primeira etapa de um projeto maior que consiste em trazer à cena a
obra de Dostoiévski, mas enquanto cena experimental e aberta, que foi o que
assistimos, percebo que o projeto carece de um foco, de perceber quais
possibilidades textuais podem servir de motes para criar outras possibilidades
corporais, sem que isso torne-se apenas uma cena literária, onde as ações do
ator apenas sublinhe o que é dito pela narração. Percebo também que o
experimento carece de pausas e silêncios, momentos de ausência de trilha
sonora, que apesar de ser linda, às vezes atrapalha, irrita, pelo fato de estar
presente durante quase todo tempo da ação.
Outros elementos da
encenação estão a serviço da cena, como a iluminação, que ainda poderia ser
melhor utilizada, podendo criar climas e tensões ao invés de inundar o palco
com uma paleta de cores, a trilha sonora criada pelo Gutto Basso que é linda,
porém as vezes demasiada e com um volume mais alto que o texto, o figurino foi
um dos elementos que mais gostei, pela composição que traduz signos da
personagem.
Apesar de tudo apontado
acima, que espero que auxilie os criadores nas próximas etapas do processo,
digo que o que Júlio Saraiva e Gutto Basso nos propõe é um processo aberto que
trabalha e subverte a própria linguagem cênica, pois brinca com códigos
teatrais, desmitificando e abrindo a cena, propondo coisas novas para sacudir o
teatro feito atualmente, que tem seus méritos, porém que precisam ser
reajustados para que a cena ganhe a dimensão poética e teatralizada para
conseguir se comunicar com o público.
FICHA TÉCNICA
Texto “O Idiota”, cap.6, de
Fiódor Dostoiévski
Tradução e adaptação Gutto
Basso e Julio Saraiva
Atuação, bonecos, adereços e
música Gutto Basso
Direção, Programação Visual
e Plástica Julio Saraiva
Coreógrafos Carla Vendramini
e Gislaine Sachet
Músicos Gutto Basso, Alison
Peyrot Bassani e William Tsuhako
Operação de luz e som Fábio
Cuelli
Registro fotográfico Marcelo
Casagrande
Gestora Cultural Elisabete
S. Silva