domingo, 2 de junho de 2013

FALA COMIGO DOCE COMO A CHUVA (RS)


No momento em que escrevo este texto, lá fora cai uma chuva considerável, e a chuva me faz relembrar “Fala comigo doce como a chuva”, que perpassa toda a ação da peça que foi apresentado dentro do Projeto Teatro Aberto. 
O espetáculo apresenta através de um jogo realista e emocionante a visão solitária do mundo e das relações humanas. Este texto em um ato apresenta a fragmentação da vida de um jovem casal que, desgastados pela pobreza e fracassos contínuos, não conseguem mais se relacionar. Esta pérola do dramaturgo americano Tennessee Williams, que neste espetáculo ganha outros fragmentos textuais como vozes dos próprios atores e de Jéssica Lusia, e Rihanna concentra grande parte do desespero existencial com o qual o autor dota suas personagens. A crueldade maior da peça é que ela fala da desilusão do amor, da solidão e da incapacidade do ser humano ser feliz. O casal da peça não foge a tais regras: cheios de ilusões e sonhos que a dura realidade da grande cidade não titubeia em esmagar. “Fale comigo doce como a chuva”, denuncia de forma poética e pungente, a falta de alento que permeia nossas relações e nossas vidas em uma sociedade que se alimenta de solidão.
A impressão que tenho ao assistir ao espetáculo é que o casal está junto e a sós ao mesmo tempo. Qual a ligação, o que une e move estes dois seres? Pois não há mais sonhos, esperanças e alentos, só a chuva que cai lá fora do apartamento, traduzindo a tristeza que assim como a chuva, escorre e se esvai não se sabendo qual o destino de suas vidas.   
O espetáculo dura pouco mais de 30 minutos, porém é grande em intensidade e entrega. Fernanda Petit é uma atriz que tem suas qualidades reconhecidas, e neste caso volta a exibir toda a sua potencialidade, mergulhando de cabeça em sua personagem, calcando sua criação na verdade, na emoção e no perfeito equilíbrio que não a deixa em nenhum momento cair em clichês, pelo contrário, se utiliza de climas e tensões que auxiliam na criação da densidade necessária a um espetáculo como este. Ander Belotto é um bom ator, consegue acompanhar sua colega, mas não responde tanto quanto sua colega de cena, é correto em sua criação, porém em alguns momentos a verdade da personagem se esvai e sua ação não é mais crível, e isso se justifica nas suas intenções, na respiração, no andar, e penso que o que o atrapalha um pouco, é o despojamento do inicio da peça, onde Ander recebe o público, indicando lugares e conversando com o público, para depois adentrar no espaço da ficção, sendo que Petit já está imersa na atmosfera da peça desde a entrada do público. 
A direção de Matheus Melchionna é segura e forte, pois conseguiu imprimir a encenação uma densidade que faz com que o espectador mergulhe juntamente com o casal em cena. O espaço tomado por bilhetes, garrafas e cigarros, traduz esteticamente o universo dos personagens, enquanto a mulher projeta e escreve seus pensamentos e sonhos nos papéis, o homem devasta e destrói através da sua incapacidade de reação, mergulhando no álcool e no cigarro. Melchionna consegue extrair o melhor dos seus atores, guiando sua encenação através de silêncios e intenções pontuais, violência e agressões físicas e verbais, tudo isso ao som da chuva que cai lá fora. A iluminação é ótima, valorizando o espaço da sala e os climas necessários à cena. 
Tudo isso faz de “Fala comigo doce como a chuva” um espetáculo tocante e emocionante, onde todos os elementos estão a serviço da cena, voltados para que o espectador adentre no degradante universo do casal, e isso acontece de modo sutil e verdadeiro. Um espetáculo que merece ser assistido quando retornar a cartaz. 


Ficha Técnica
Elenco: Fernanda Petit e Ander Belotto
Stand By: Luiz Manoel Oliveira Alves
Direção e Dramaturgia: Matheus Melchionna
Orientação Teórica: Inês Marocco
Figurinos, Cenário e Trilha Sonora: Matheus Melchionna, Fernanda Petit e Filippi Mazutti
Iluminação: Lucca Simas
Direção Audiovisual: Guilherme Pires
Textos: Tennessee Williams, Jéssica Lusia, Fernanda Petit e Rihanna
Projeto Gráfico: Gustavo Susin
Produção: Viviane Falkembach