domingo, 6 de outubro de 2019

HOMEM DE LUGAR NENHUM (RS)




REFLEXÃO COM OLHAR APURADO SOBRE TEMAS DO NOSSO TEMPO

por Diego Ferreira*

Homens
      Trânsito
           Lugares
                     Lugar Nenhum
                                        Lugar 
Um lugar pode ser definido pelo espaço e seus usos. Para a geografia, por exemplo, ao se acrescentar a variável “poder”, você tem o conceito de território. Ou seja, o espaço não é só a parte física, é o que o sujeito faz ali. Existe uma face material e outra humana. Teorizar sobre isso clareia algo que sabemos intuitivamente, embora às vezes nos doa constatar: é impossível revisitar os mesmos lugares. O tempo não só muda a paisagem como distancia os usos. Outras pessoas ocupam o pátio da faculdade, os bancos de praça, o boteco preferido… E os homens de teatro escolhem o palco para construir uma reflexão sobre política e amor, não necessariamente nesta ordem. "Homem de lugar nenhum" se utiliza de metáforas para se referir a lugares transitórios que não possuem significado suficiente para serem definidos como "um lugar". Lugares transitórios, passageiros, provisórios, breves. Lugar. Não lugar. Lugar nenhum. O espaço do palco é o ponto de partida que Eduardo Kraemer encontrou para transitar em cenas breves e fragmentadas sobre a condição do homem e seu espaço no nosso tempo, e para isso recorreu a diversos autores para construir um ato político e simbólico sobre questões atuais. O resultado combina uma narrativa que parte da intertextualidade e que encontra na direção de Kraemer uma estética que combina a iluminação do próprio Eduardo e o espaço cênico de Alexandre Navarro Moreira que constrói uma bela instalação que além de ser esteticamente interessante, serve de arena para o embate entre os atores destilarem suas (in)certezas. Creio que a força do espetáculo vem desta tríade formada pela direção, iluminação e cenário, lógico que a dupla de atores tem grande peso, mas a estética e a teatralidade proposta pelo olhar de Kraemer propõe um olhar diferenciado e apurado para falar sobre temas provocantes, perturbadores e conflitantes sobre nosso tempo que agoniza, que é fugaz, que é sórdido, rápido e acelerado. E tudo isso encontramos neste não lugar. Zé Adão Barbosa e Renato Del Campão são verdadeiros homens de teatro, experientes e experimentados e encontram seu lugar dentro deste verdadeiro ringue, através de um verborrágico embate de idéias, de textos, de narrativas que nos situam no lugar do homem contemporâneo e todas as questões que este homem carrega, principalmente sobre política, mas não sobre a política partidária que nos aterra a cada dia, mas sobre micro-políticas que afetam o dia a dia do homem moderno, sobre o afeto, sobre o amor. João Petrillo, Caio Lopes e Artur Gaudenzi Luzardo estão ali para presentificar o alter ego destas figuras e provocar o espectador. "Homem de lugar nenhum" é um belo espetáculo esteticamente e que em tempos de políticas infundadas e vazias, merece ser assistido, para que possamos construir juntos um reflexão sobre o nosso lugar nesta sociedade que muitas vezes preza apenas pelo material e se furta das relações humanas.



Ficha Técnica:
Autores: diversos autores clássicos e contemporâneos
Atuação/Roteiro: Zé Adão Barbosa e Renato Del Campão
Direção/Roteiro/Iluminação/ Trilha pesquisada: Eduardo Kraemer
Atores convidados: João Petrillo, Caio Lopes e Artur Gaudenzi Luzardo
Cenografia: Alexandre Navarro Moreira
Figurinos: Zé Adão Barbosa e grupo 
Vídeos/Projeções: Daniel Jainequine
Arte por: Vitor Facchi
Fotos: Luciã Lopes  e Gustavo Razzera 
Produção: Cia Teatrofídico



*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle.