Foto: Adriana Marchiori |
Qualidade, bom gosto e requinte nos palcos gaúchos
“Dona Flor e seus dois maridos”, abriu
a programação do Porto Verão Alegre. Trata-se de uma adaptação e apropriação da
obra de Jorge Amado. O espetáculo gaúcho parte de uma das obras mais conhecidas
do Brasil. O que diferencia este trabalho das outras linguagens ao qual já fora
adaptado: o cinema, a literatura e a
televisão é a apropriação da teatralidade latente e potente vistos no palco. Dirigido
por Zé Adão Barbosa, Carlota Albuquerque e Larissa Sanguiné “Dona Flor” destila
na cena uma série de sensações provocadas por sons, cores, texturas, aromas e
os corpos dos atores provocando no espectador uma verdadeira catarse.
O espetáculo é uma verdadeira
homenagem a obra de Jorge Amado, pois os diretores não se contaminaram pela
grande oferta de referenciais existentes e já realizados acerca da obra, pelo
contrário, souberam criar, cada um a seu modo, uma cena inventiva e poética,
recheada de signos e simbologias partindo de elementos muito simples que
remetem a vida noturna de Salvador.
A chamada pós modernidade teatral
articulou novos padrões de encenação, requisitando do espectador uma percepção
centrada nas sensações, ora desconstruindo a fábula, e evitando qualquer
significado racional, ora centrado na experiência estética da performance da
representação. E é justamente o que acontece neste trabalho. A priori, o
espectador já conhece a fábula da narrativa, o triângulo Flor-Vadinho-Teodoro
está enraizado na cultura brasileira principalmente pela abordagem televisiva,
mas no caso desta encenação o acerto está justamente em colocar em cena um
retrato teatralizado através de uma estrutura polifônica, fazendo da obra de Jorge Amado um meio e não
um fim. Cabe salientar que o espetáculo não é uma simples tradução do texto
literário, mas um mergulho nas potencialidades que tornam a cena inventiva a
cada quadro.
A trilha sonora do espetáculo é
um dos elementos que contribuem para que esta estrutura polifônica funcione
muito bem. A direção musical de Simone Rasslan e Álvaro RosaCosta é um dos
destaques da encenação, demonstrando mais uma vez a qualidade destes
profissionais. Recheada de canções autorais e clássicos de domínio público que
incluem samba, valsa, tango entre outros, interpretados ao vivo pelos atores e
com acompanhamento instrumental da própria Simone Rasslan e de Kiti Santos.
Qualidade, bom gosto e requinte que nos reportam para a Bahia, seu folclore e
sua cultura.
Outro destaque é a estética da
montagem com seu cenário de Paulo Pereira, que a priori é muito simples, mas
que a direção soube aproveitar muito bem. Uma mesa, algumas janelas com seus
ladrilhos, tecidos, um lustre (e que belo lustre!) e uma infinidade de
possibilidades que transportam o espectador a outros lugares. A cena inicial é
de uma beleza rara. A iluminação de Bathista Freire é uma das mais lindas que
já vi, pois consegue criar ambientes e texturas diferenciadas, dialogando o
tempo todo com a obra. Ora com cores vibrantes, ora limitando espaços, deixando
claramente sua marca. Zé Adão Barbosa assina também os figurinos que além de
numerosos, são ricos em detalhes, com seus adereços e perucas coloridas, que
dão um tom divertido as cenas.
Mas sem sombra de dúvida, o
elenco é a força motriz deste espetáculo. Cassiano Ranzolin é muito feliz na
personificação de seu Vadinho, um ator com uma disponibilidade e malemolência que
o personagem pede, canta, dança e encanta em cena. Uma grande aposta dos
diretores e consegue alcançar um resultado admirável em cena. Kaya Rodrigues é Dona Flor e traz ao palco a força da
mulher, sua sensualidade e dualidade necessária para gravitar ora no mundo de
Vadinho, ora no universo de Teodoro, creio que durante as próximas
apresentações essa personagem ganhará ainda mais vida no corpo/alma desta linda
atriz. Tom Peres é uma grata revelação, pois consegue tirar o máximo de
proveito de seu personagem, construindo um modo de se expressar e deslocar em
cena que cativa o espectador, realmente uma grande aposta desta montagem. Angela
Spiazzi acompanho através das montagens do Terpsí e já admirava muito toda a
sua expressividade, mas atuando e cantando ainda não a tinha visto, e confesso
que me surpreende muito, positivamente. Suas participações além de serem
pontuais, são cômicas e enérgicas, trazendo toda sua potencialidade expressiva
para a personificação de suas personagens, seu corpo sempre em desequilíbrio chama
para si o foco sempre que está em cena. Giovana de Figueiredo é outro nome que
é destaque, que atriz maravilhosa que os diretores têm em mãos, tem um tom
perfeito de comédia, simplesmente irretocável, um grande prazer de ver em cena.
Léo Maciel e Álvaro RosaCosta, dois nomes já reconhecidos dos nossos palcos contribuem
e muito para a condução do espetáculo, RosaCosta com sua perfeita emissão vocal
e sua figura simpática, assim como Maciel que com uma garra constrói
personagens potentes, que no canto faz tremer o espectador. Emilio Farias
sempre com sua presença carismática e aqui surpreende por sua capacidade vocal,
Maya Rodrigues mais uma aposta, pois é segura e tem força nas suas construções
e Bruno Pontes é mais um que se revela e mostra a que veio. Ou seja, elenco afiadíssimo
revelando novos atores que constroem um espetáculo repleto de méritos. Bravo!!!
Produção cuidadosa que merece ser vista e revista por todos aqueles que amam o
bom teatro. Vida longa a “Dona Flor e seus dois maridos”! Vida longa a produção
e a todos os seus realizadores!
Dona Flor e seus Dois Maridos
Texto: Jorge Amado
Elenco: Kaya
Rodrigues, Cassiano Ranzolin, Tom Peres, Álvaro RosaCosta, Giovana de
Figueiredo, Maya Rodrigues, Leo Maciel, Angela Spiazzi, Bruno Pontes e Emílio
Farias
Musicistas: Simone Rasslan (voz e piano) e
Kiti Santos (flauta e cello)
Direção: Zé Adão Barbosa, Carlota
Albuquerque e Larissa Sanguiné
Direção musical, trilha sonora
original e arranjos: Simone Rasslan e Álvaro RosaCosta
Direção de produção: Joice Rossato
Iluminação: Bathista Freire
Assistência de iluminação : Daniel
Fetter
Vídeos: Daniel Jainechine
Figurino: Zé Adão Barbosa
Trilha pesquisada: Simone Rasslan e Zé
Adão Barbosa
Letras: Ronald Augusto, Denise Martins
e Álvaro RosaCosta
Cenotécnico: Paulo Pereira
Assistência de cenotécnica: Jony
Pereira
Operação de som: Beto Chedid
Consultoria técnica de som: Marcelo
Bullum
Fotografia: Tom Peres
Fotografia de cena: Adriana Marchiori
Assessoria de imprensa: Liane
Strapazzon
Produção executiva: Ana Cristina de Oliveira
Confecção do lustre: Daniel
Jainechine
Preparação musical: Simone
Rasslan
Costureiras: Almeri Souza, Mari
Falcão, Maria Vilma Rossato
Passadeira: Carol Ferraz
Contraregra: Carol Ferraz, Gustavo Dienstmann e Jony Pereira
Aderecista de cabeça: Gustavo
Dienstmann
Aderecista: Dinara Dorneles
Projeto gráfico: Daniel Jainechine
Diagramação: pH ácido | Criação e
Cultura
Produção: Aresta Cultural
Realização: Casa de Teatro