segunda-feira, 18 de setembro de 2023

UM FASCISTA NO DIVÃ (RS)

 



HIBRIDISMO ESTÉTICO ENTRE TEATRO, PERFORMANCE E CINEMA 

por Diego Ferreira*

 

O fascismo é um conceito que gera muito debate por sua complexidade, movimento político que se adapta a diferentes circunstâncias e apropria-se de ideais de diferentes ideologias. De toda forma, o fascismo, enquanto movimento político e social, possui uma retórica populista que explora assuntos como a corrupção endêmica da nação, crises na economia ou “declínio dos valores tradicionais e morais” da sociedade. Além disso, defende que mudanças radicais no status quo devem acontecer.

O fascismo é forma radical da expressão do espectro político da direita conservadora. Partindo desse movimento e conceito no campo da radicalidade política, o espetáculo “Um fascista no divã” radicaliza a estrutura teatral propondo um hibridismo cênico visceral no que tange a atuação do ator e também no apelo estético e político que a obra oferece.

Alexandre Dill é um dos diretores mais provocativos da cena gaúcha atual, juntamente com Camila Bauer do Coletivo Gompa justamente por suas criações que não encerram as narrativas em si mesmas, mas provocam instabilidades que tensionam a relação entre a obra e o espectador. O caminho autoral do GrupoJogo tem se firmado por meio da aproximação e experimentação com outras linguagens como dança, teatro, a música, artes visuais, digitais e audiovisual no que resulta em trabalhos com uma assinatura própria. E esse trabalho surge justamente pela parceria estabelecida entre o grupo, Reina Produções e o ator Vinícius Meneguzzi.

“Um Fascista no Divã” é experiência cênica que não faz concessões alguma, além da abordagem política extremamente necessária e atual sobre a ascensão de regimes totalitários no Brasil a partir do nebuloso período político que passamos e que ainda estamos mergulhados, de certo modo; aliados a um excelente trabalho do interprete Meneguzzi, que através de um diálogo direto com a plateia consegue criar um painel caustico em sua moldura e fervilhante no seu discurso. Vinícius cria três vias narrativas: a primeira é o ator em sua essência, dialogando com o espectador, evidenciando alguns conceitos e o que o levou a montagem da obra, a segunda é quando assume o papel de um psicólogo que tem o desafiador caso de um político com tendências e comportamentos fascistas (qualquer mera semelhança com a realidade é mera coincidência) . E a terceira é justamente quando performa o próprio fascista, criando uma instigante figura bestial, quase infantil que aos poucos vai desvelando o seu pensamento psicopata, sendo que essa figura é projetada através de vídeos, alias uma marca do grupo e que nesta produção merece grande destaque para Gabriel Pontes que faz a dramaturgia e  direção audiovisual, e na performance é um dos elementos que torna o espetáculo radical. O ator, a direção de Dill, e a direção audiovisual tem muito êxito em seus respectivos trabalhos justamente para ajustar os tempos e a relação do performer que dialoga grande parte com o audiovisual, e esta simbiose é perfeita e provocante. Assim como a música “Macho-Rey” de Ian Ramil que dá a tônica da performance, com ironia e humor que dialoga muito com a performance.

Nos últimos anos, aqui no Olhares da Cena sempre destacamos o trabalho do GrupoJogo que parte de uma pesquisa experimental séria e de investigação cênica. É notável a maturação do coletivo e o compromisso com a investigação cênica, a radicalidade nos posicionamentos e propostas, o engajamento em perguntas sintonizadas com nosso tempo.  

 

 

FICHA TÉCNICA 

ATUAÇÃO
VINÍCIUS MENEGUZZI

DIREÇÃO
ALEXANDRE DILL

PRODUÇÃO EXECUTIVA
SOFIA FERREIRA

DRAMATURGIA E DIREÇÃOAUDIOVISUAL
GABRIEL PONTES

MUSICA
IAN RAMIL

ASSISTENTE DE PRODUÇÃO
JEFERSON SILVA

DESENHO DE MOVIMENTO
GUILHERME CONRAD

ORIENTAÇÃO CORPORAL
NATÁLIA KARAM

TÉCNICO DE LUZ
LUCCA SIMAS

TÉCNICO AUDIOVISUAL
HENRIQUE STRIEDER

ASSESSORIA DE IMPRENSA
BEBÊ BAUNGARTEN

FOTOS
JÚLIO APPEL

 

*Diego Ferreira - Editor do Olhares da Cena. Dramaturgo, Professor e Crítico de Teatro. Graduado em Teatro/UERGS. Curador do 28º Porto Alegre em Cena. Integrante da Comissão Julgadora do 9º Prêmio Nacional de Dramaturgia Carlos Carvalho. Integrante da Comissão do Prêmio Tibicuera de Teatro Infanto-Juvenil 2023. Vencedor do Prêmio Açorianos 2021 na categoria Ação Periférica com o projeto "Três tempos para a Dramaturgia Negra no RS." Colunista da Revista Brasa. Integrante do CEN – Coletivo de Escritores Negros do RS.