sábado, 17 de agosto de 2019

MEU IRMÃO, O MEDO (RS)


IMPORTANTE REFLEXÃO HISTÓRICA EM ESPETÁCULO IRREGULAR

por Diego Ferreira*

O espetáculo "Meu irmão, o medo" é uma produção do Grupo Atrito que pretende (re)mexer nas feridas históricas do nosso país. Diante do momento que o Brasil está mergulhado, com a eleição e a tomada do poder por um (des)governo que está diretamente ligado as ideologias que nos reportam diretamente aos horrores provocados pela ditadura militar, um espetáculo como esse merece destaque na cena atual, justamente por provocar uma reflexão sobre o que pretendemos para nosso futuro nos reportando ao passado.
Diante disso, temos um espetáculo que considero irregular, que precisa ajustar muitas arestas, mas que também tem alguns destaques como a dramaturgia de Fernanda Moreno que cria uma narrativa que mexe nas feridas históricas e políticas do Brasil sobre a campanha da Legalidade liderada pelo Brizola, e é neste pano de fundo que a história se desenvolve. Fernanda cria um entrecruzamento de histórias, colocando em cena vários personagens fazendo com que os atores tenham que interpretar vários personagens e isso provoca uma lentidão na cena, pois alguns atores são pouco experientes não conseguindo internalizar a proposta dramatúrgica. A dramaturgia é boa, mas para o espetáculo alavancar é necessário que o elenco se coloque em cena de corpo e alma, com toda a gana necessária para fazer ecoar no espectador os traumas históricos que os personagens solicitam. Se a Fernanda dramaturga é boa, a Fernanda diretora carece de trabalhar junto ao seu elenco a criação e projeção dos personagens que montam este quebra-cabeças político, pois as interpretações estão muito rasas, periféricas, precisando de uma orientação atenta, para conseguir extrair a humanidade destes personagens, assim como a presença em cena e dicção. Do elenco irregular destaque para Marcia Schuler, Juliana Katz e Ismael Goulart que conseguem se sobressair aos demais, mas que tem potencial para crescer ainda mais em cena. O cenário construído com caixas é muito bem pensado e funciona em cena, como se tirássemos das caixas estas memórias, empilhamos as mesmas e depois destruímos, como acontece em cena. Da parte técnica o grupo poderia atentar para a trilha sonora que as vezes entra de forma exagerada em volume e extensão, podendo eleger alguns momentos para realçar a ação da peça, assim como a iluminação que as vezes deixa os atores no escuro.
O grupo Atrito é um grupo novo na cena teatral de Porto Alegre que com este trabalho traz a tona um texto que tem muitos paralelos com a política atual e soube explorar isso com muitas sutilezas, mas carece de ajustes para se comunicar melhor com o espectador, mas que mesmo assim merece ser assistido quando retornar aos palcos justamente por esse engajamento que percebemos no coletivo.

Direção e Dramaturgia: Fernanda Moreno
Assistente de Direção: Ismael Goulart
Elenco: Camila Salton, Domingos Berwanger, Giordano Spencer, Ismael Goulart, Jacque Sabater, Juliana Katz, Marcia Schuler, Rafael Mog e Tiago Martinelli .
Maquiagem: Victória Guella
Iluminação: Fabiana Santos
Sonoplastia: Ismael Goulart
Figurino: Grupo ATritO
Cenografia: Grupo ATritO


*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle.