segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

FRANKENSTEIN (RS)

Foto: Cláudio Etges



SOB OLHAR DA CONFRONTAÇÃO, ESPETÁCULO TRIUNFA NA CENA ATUAL


por Diego Ferreira*

" Frankenstein" é o novo e ousado projeto do Coletivo Gompa, que a cada novo trabalho nos coloca diante de novas possibilidades no campo das artes da cena. Fica difícil categorizar e encaixotar em rótulos as produções deste coletivo que nos últimos cinco anos tem se dedicado a pesquisa de linguagem e levado a risca o hibridismo em suas produções. A chamada pós-modernidade teatral articulou novos padrões de encenação, requisitando do espectador uma percepção centrada nas sensações, ora desconstruindo a fábula e evitando qualquer significado racional, ora centrando a experiência estética no campo mítico ou performático da representação. E "Frankenstein" vai ao encontro destes dois vértices, que ao mesmo tempo eclode com a fábula presente no original de Mary Shelley buscando a essência da narrativa para expandir o conceito de pertencimento, além de trazer a tona questões sobre beleza, aceitação, mutilação, através de um olhar crítico e contemporâneo que evidencia o corpo e partes dele, pedaços, composições, deformações que vão criando fragmentos de um monstro que podemos fazer um paralelo com temas que estão sendo discutidos na atualidade como amputações, doação de órgãos, mutilações entre outras interferências e violências que nosso corpo está propenso a receber. Camila Bauer na direção do espetáculo mais uma vez surpreende, pois percebe-se que sua busca está sempre voltada para a reinvenção de si e dos códigos cênicos colocados em cena, sua direção passa a ser mais do que uma construção, mas a interrogação dos sentidos sob o olhar da confrontação de idéias e isso é louvável, pois o que vemos na cena é sempre algo novo, provocante sob a perspectiva contemporânea. 
Fabiane Severo é uma artista múltipla da cena, que mesmo nas montagens teatrais sempre evidencia a sua técnica apurada e refinada, com um corpo disponível que emana energia e que se comunica fortemente com o espectador. Sua performance em "Frankenstein" está nada menos que sensacional, com uma entrega que torna um corpo expansivo, conseguindo articular pequenas tensões através de um corpo presente e expressivo, um trabalho espetacular que fica na nossa memória como aqueles espetáculos inesquecíveis pela entrega de seus realizadores. Douglas Jung demonstra um corpo experiente, hábil para fazer qualquer coisa em cena, através de uma técnica apurada. Através de sua performance conseguimos visualizar pequenas pulsões de vida/morte, percepções de movimentos que tornam a experiência radical, no sentido em que vislumbramos a potência de um corpo preparado e habilitado para dialogar com a cena fragmentada e repleta de climas e tensões que é "Frankenstein". Um trabalho imagético e com uma paisagem sonora que é um novo personagem em cena, pelo fato de provocar os corpos e o espectador a adentrar nesse universo de terror. Alvaro RosaCosta é mestre em criar essas  paisagem que ultrapassam o que convencionamos a chamar de trilha sonora, cria uma paisagem sonora pois é elemento fundamental para a construção e fruição do espetáculo. Assim como a iluminação de Ricardo Vivian que auxilia na construção de texturas e delimitação do tempo/espaço da cena. Cabe citar o inventivo cenário de Élcio Rossini e os figurinos de Renan Vilas que são provocativos em sua essência e dentro da proposta dão o tom necessário para nos provocar e nos colocar dentro do clima da cena.
O projeto Gompa mais uma vez está de parabéns não apenas pelo trabalho, mas pelo conjunto de sua obra que a cada novo passo eleva as produções gaúchas a outros patamares, qualificando tecnicamente o teatro feito por aqui, prova disso é o reconhecimento que o coletivo vem conquistando por onde passa. 
Bravo!!!


FICHA TÉCNICA

​Direção: Camila Bauer
Elenco: Fabiane Severo e Douglas Jung
Composição e cena sonora: Álvaro RosaCosta
Coreografia: Fabiane Severo e Douglas Jung
Provocações coreográficas: Carlota Albuquerque
Cenografia e objetos: Élcio Rossini
Iluminação: Ricardo Vivian
Figurinos: Renan Vilas
Dramaturgia: Camila Bauer, Carina Corá e Pedro Bertoldi
Arte gráfica: Jéssica Barbosa
Fotografia: Regina Protskof e Cláudio Etges

Produção e realização: Projeto GOMPA


*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. 

domingo, 15 de dezembro de 2019

OS SALTIM(B)ANCOS (RS)


SIMPLICIDADE EFICIENTE

por Diego Ferreira*


"Os Saltimbancos" é um das mais importantes obras do nosso país. Lançado no ano de 1977, o disco infantil “Os saltimbancos” foi um projeto composto por importantes figuras da música popular brasileira. A inspiração desse disco aparece como uma adaptação da obra literária “Os músicos de Bremen”, criada pelos lendários irmãos Jacob e Wilhelm Grimm.
Essa obra trata da união de um grupo de animais contra a exploração realizada por seus patrões. Ao longo das canções vemos que cada um dos animais canta as suas angústias e decidem se reunir para que tivessem a oportunidade de mudar o rumo de suas vidas. Os protagonistas envolvidos são um jumento, um cachorro, uma galinha e uma gata. Cada um reclama da exploração que sofria e contam com suas diferenças para se tornarem livres.
De modo geral, essa obra  assinada por Fabrizio Gorziza tem uma elaboração interessante  e bastante simples e explora de modo muito eficiente o uso de elementos lúdicos calcados na fisicalidade  dos atores e nas canções executadas ao vivo com arranjos bastante simples também, porém eficientes. As crianças apreendem a história com grande facilidade e podem aprender sobre valores muito importantes. Questões como união, solidariedade, justiça e diversidade são alguns dos conceitos que a narrativa dos saltimbancos consegue transmitir aos que tem a oportunidade de apreciá-la. Contudo, não podemos entender que “Os saltimbancos” seja uma simples obra pensada para crianças. A história desses animais tem uma relação muito importante com o contexto histórico vivido no Brasil daquela época. Ao falar sobre união, exploração e justiça, os animais que figuram essa fábula davam voz a uma série de questões políticas que marcavam o regime militar brasileiro e que infelizmente estão muito atuais pelo fato das atrocidades e retrocessos estarem de volta com a ascensão do governo atual. Não tendo liberdade para abertamente se opor ao governo da época, era comum que os artistas utilizassem de elementos e recursos estéticos que de forma indireta expressassem as suas opiniões. Na produção do Coletivo Teatral o único elemento cenográfico que depois se transforma na lua, é uma esfera, um picadeiro, com a bandeira do Brasil estilizada que já denota um pouco destas referências. O elenco Lucas Sampaio, Luciano Pieper, Leticia Paranhos e Yuri Niederaurer conseguem valorizar o enredo da peça e numa obra com um tempo bastante condensado, conseguem explorar as características dos personagens, cantando e encantando a platéia.
Percebemos que “Os Saltimbancos” é um rico documento histórico capaz de marcar adultos e crianças. Para o universo infantil, percebemos a construção de uma ferramenta didática capaz de introduzir a reflexão de valores muito interessantes para a formação dos pequenos. Aos adultos, uma obra que hoje atesta a falta de liberdade artística que impunha desafios e estratégias para se falar o que se pensava naquela época. Assim, temos um rico universo de questões educacionais e históricas a serem notadas por meio desse memorável disco.

FICHA TÉCNICA:

Direção Fabrizio Gorziza
Elenco:
Jumento - Lucas Sampaio
Cachorro - Luciano Pieper
Galinha - Leticia Paranhos
Gato - Yuri Niederaurer
Iluminação: Nara Maia
Figurinos e Cenário: Diãne Sbardelloto 
Duração: 50min
Faixa Etária: Livre

*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. 



quinta-feira, 7 de novembro de 2019

TOC - UMA COMÉDIA OBSESSIVA COMPULSIVA (RS)


TOC - A COMÉDIA DO ANO

por Diego Ferreira*

O espetáculo "TOC - Uma comédia obsessiva compulsiva" é daqueles espetáculos que provocam o riso e uma reflexão acerca de um transtorno sério e presente a vida de muitas pessoas. O espetáculo se destaca primeiramente pelo cuidado com a produção. Em todas as temporadas é visível o trabalho de qualidade realizado por Lutti Pereira e Daniel Lion em colocar o trabalho na rua através de campanhas publicitárias bem elaboradas realizadas pela TOP Agência e que sempre chamam a atenção. 
Em relação ao espetáculo vemos uma ficha técnica recheada de profissionais conhecidos e competentes da cena gaúcha, o que reflete no bom resultado da peça. O texto de Artur José Pinto é inteligente e sagaz, consegue criar uma narrativa que além da comicidade constrói uma trama que vai se desenrolando através de fatos e histórias dos quatro personagens trancafiados no consultório e consegue criar um final surpreendente, trazendo diálogos sutis e engraçados, trazendo mais uma dramaturgia inteligente aos palcos, o que confere a Artur José Pinto um dos mais escritores mais encenados no estado. 
A direção de Lutti Pereira é inteligente pois consegue articular todos os elementos estéticos do espetáculo assim como explorar o melhor de cada ator que está em cena. O cenário de Daniel Lion é baseado em linhas que criam um ambiente vazado e de extremo bom gosto, assim como os figurinos que traz cores que são distintas entre si, mas que no todo constroem uma unidade, um visual simples e sofisticado ao mesmo tempo. O elenco traz ao palco Letícia Kleemann, atriz destaque do ano, pois trabalhou em diversos projetos como atriz e diretora e aqui comprova mais uma vez a grande atriz que é, tem facilidade e consegue atingir um timing cômico perfeito, conseguindo através de seu registro franzino e frágil arrancar gargalhadas da platéia. Kleemann se destaca como uma das melhores atrizes cômicas da atualidade, não desprezando seus trabalhos dramáticos, mas na comédia creio que ela atinge sua plenitude. Daniel Lion surpreende na sua construção pois é muito famoso dos nossos palcos como gabaritado  profissional que é na construção de figurinos e cenários, mas como ator se sai muito bem, e espero que volte em outras produções. Lembro de Daniel Lion num espetáculo de 1995 chamado "As aventuras do Avião Vermelho", um dos primeiros espetáculos que assisti e lembro até hoje pois era extremamente belo, e aqui o ator volta ao ofício de ator conseguindo atingir um trabalho muito bom. Vinicius Petry é um ator que sempre nos apresenta boas atuações, já o assisti em muitos espetáculos infantis e aqui está muito a vontade na construção do personagem que é responsável pela grande reviravolta da narrativa (sem dar spoiler) e merece os parabéns pelo grande ator que é, assim como a Juliana Barros, que já tinha assistido no espetáculo "Os dois gêmeos venezianos" e em TOC demonstra outra faceta enquanto atriz atingindo um belo resultado. Ou seja, pela descrição acima do elenco e equipe técnica percebemos porque o espetáculo TOC é a comédia do ano, por reunir uma equipe extremamente profissional e experiente, e que fazem um trabalho cômico muito sério, e que por isso se destaca na cena gaúcha. 

Ficha técnica:

Texto: Artur José Pinto / Direção: Lutti Pereira / Elenco: Daniel Lion, Juliana Barros, Letícia Kleemann e Vinícius Petry / Cenografia e figurinos: Daniel Lion / Iluminação: Fernando Ochoa / Trilha sonora: Vinícius Petry / Assessoria de imprensa: Bebê Baumgarten / Assessoria de redes sociais: Pedro Santos / Fotos de divulgação: Pedro Mendes / Programação visual : Top Agencia / Realização e produção: Lutti Pereira e Daniel Lion / Classificação etária: 14 anos / Duração: 60min



*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. 


domingo, 27 de outubro de 2019

ALICE - ALÉM DA TOCA DO COELHO (RS)


CLÁSSICO REINVENTADO COM EXCELÊNCIA

por Diego Ferreira*

É sempre bom assistir clássicos no teatro.
É sempre bom assistir clássicos bem feitos no teatro.
É sempre bom assistir clássicos reinventados no teatro, sem perder a essência e ainda por cima executado com excelência. 
A narrativa de "Alice no país das maravilhas" é um clássico da literatura mundial e por isso já gerou uma gama de adaptações para o teatro, cinema e TV e faz parte do imaginário de crianças e adultos. Pós a adaptação cinematográfica  de Tim Burton, parece difícil imaginar que algo novo ainda possa surgir, mas este trabalho da Soul Produções surpreende no sentido de trabalhar questões sobre as diferenças através da obra sem ser didático. Já sabemos de antemão tudo o que vai acontecer, mas aqui o "como" é feito, é o que traz inventividade ao espetáculo. Sue Gotardo foi bastante feliz na direção pois o colocar quatro atores  se revezando na construção de todas as personagens, acerta em também provocar o espectador colocando em cena quatro "Alices", o que gera inquietações interessantes e importantes de serem levantadas na atualidade e que também é um reflexo das metamorfoses a que a personagem é submetida ao longo do espetáculo. 
A montagem tem uma dinâmica que brinca o tempo inteiro com as situações e o ritmo das ações. A construção do imaginário surrealista é criado através da direção que foi rigorosa e inventiva, explorando muito bem o tempo/espaço através de seus corpos que criam movimentos físicos que ajudam a compor este outro universo. A cenografia de Alex Limberger e Daniel Fetter nos coloca em diversos planos através do movimento provocado pelos atores e principalmente pela iluminação de Marga Ferreira que além de criar ambientes distintos consegue criar uma poesia imagética. Outro ponto positivo são os objetos cênicos criados por Gustavo Dienstmann que através de materiais reutilizados dão um fôlego a encenação, como a cena do desaniversário. Cau Netto através de sua trilha sonora consegue criar espaços para que o público embarque com Alice no País das maravilhas, principalmente pelas canções que brincam com paródias de músicas como a da Lady Gaga, por exemplo, que além de serem hilárias são muito bem construídas através de arranjos e bem executadas pelo elenco. Daniel Lion como sempre criativo, demonstra conhecer não apenas o ofício de figurinista, mas consegue criar sempre soluções criativas pois também é artista do plco e isso faz toda a diferença. Todos os figurinos são extremamente belos e funcionais, como o da borboleta, do cacto, da Rainha de Copas. 
O elenco é ótimo e me surpreende pelo fato de encontrar Thiago Silva como ator, pois nestes últimos anos acompanho seu trabalho com dramaturgia e direção e aqui consegue surpreender e se articular da melhor forma possível, sua composição como cacto é hilária. Fabiana Santos também não conheci dos palcos, creio que apenas da iluminação e tem uma ótima energia nas suas composições especialmente na rainha. Luiz Manoel é um dos bons atores da capital e me surpreende sempre e aqui a sua criação do gato é boa demais. E Danuta Zaghetto na minha opinião é a atriz do ano pela série de espetáculos que participou e todos eles consegue imprimir a sua marca de ótima atriz que é, e aqui mais uma vez ela consegue diversificar e criar personalidade em cada personagem. Ou seja, se o espetáculo é bom, reflexo do bom elenco que tem e a confluência de todos os elementos estéticos que fazem parte deste Alice que encanta a todos. 

FICHA TÉCNICA 
Direção: Sue Gotardo 
Assistência de Direção: O Grupo 
Elenco: Danuta Zaghetto, Fabiana Santos, Luiz Manoel e Thiago Silva
Concepção e Dramaturgia:Danuta Zaghetto, Fabiana Santos, Luiz Manoel, Sue Gotardo e Thiago Silva;
Cenografia: Alex Limberger
Cenotécnica: Alex Limberger e Daniel Fetter
Figurino: Daniel Lion
Acessórios: Marga Ferreira
Trilha Sonora: Cau Netto
Canções Originais: Danuta Zaghetto, Fabiana Santos, Luiz Manoel 
Operação de Som: Manu Goulart
Preparação Corporal: Béthany Martínez
Coreografias: Béthany Martínez e grupo
Fotografia: Adriana Marchiori
Produção: Sue Gotardo


*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. 



quarta-feira, 16 de outubro de 2019

F.R.A.M.E.S (RS)



MONTAGEM CRIATIVA TRIUNFA EM ESPAÇO NÃO CONVENCIONAL


por Diego Ferreira

F.R.A.M.E.S é o espetáculo resultante de um projeto inédito realizado em Porto Alegre, a Fábrica de Experiências Cênicas, para encenar um texto do dramaturgo Diones Camargo. O espetáculo é um mergulho numa pesquisa de linguagem que articula procedimentos teatrais da contemporaneidade, provocando o espectador e o artista participante a gerar novas abordagens e novos pontos de vista em relação a cena, transitando por algumas zonas de fronteira, tais como; a presença real (aqui e agora) do ator na cena e a referência ficcional do personagem, o real e o ficcional na dramaturgia se misturando e gerando uma terceira zona teatral, a indefinição proposital entre o território do ator e o do público, o diálogo com outras áreas artísticas e o uso de espaços não convencionais ou uso não convencional de espaços tradicionais como a Galeria La Photo na qual o projeto e o espetáculo se instalam. A produção abre frestas para que o espectador colabore com o que vê, saindo da passividade receptiva para uma atividade construtiva da cena, buscando devolver ao teatro seu caráter participativo e de reflexão através de um espetáculo vertiginoso, com um ritmo acelerado, onde cenas são criadas e personagens evocados para criar um universo que brinca com uma linguagem híbrida entre o teatro/performance e o cinema com forte inspiração no universo surrealista de David Linch. Diones Camargo mais uma vez nos presenteia com um texto que mescla narrativas rápidas, mas não rasas, sobre personagens e seus dramas vividos nos bastidores de um filme que nunca estreou. O texto é ágil e inteligente e se utiliza de uma sagacidade colocando em cena uma multiplicidade de histórias que flertam com nosso cotidiano. Carlos Ramiro merece muitos méritos pelo projeto e pela direção consistente que consegue atingir com um elenco oriundo de uma experiencia que coloca em cena atores com diferentes formações, mas no palco percebemos que o elenco é coeso, com exceção de Fernanda Petit que triunfa em cena. A montagem é criativa e se utiliza de uma concepção que abusa de elementos não tradicionais, a começar pelo espaço, seguido pela cenografia de Valeria Verba e Sheila Marafon e iluminação de Nara Maia que auxiliam muito na construção e (des)construção destes pequenos frames que constroem o todo do espetáculo. Voltando ao elenco, todos os atores tem o seu momento em cena, e estão muito a vontade na construção de suas figuras, todos muito bem preparados por Liane Venturella e Raul Voges, demonstrando o quão importante foi esta fábrica de experiências, porém é inevitável citar que Fernanda Petit está acima um degrau dos seus colegas, e isto não é dizer que ela é uma atriz melhor que os demais, pelo contrário, apenas salientar que o elenco é ótimo, porém Petit agarra com uma gana a personagem da palestrante que é a responsável por fazer uma espécie de costura da dramaturgia e arrasa na construção da sua personagem, é tocante, é profunda, é engraçada e triste ao mesmo tempo e merece o meu aplauso. Saí do teatro completamente feliz e satisfeito com o que assisti e cabe um agradecimento a Regina Protskof por transformar o seu espaço da Galeria num espaço de formação e fruição teatral e apenas isso já é relevante. 




Ficha Técnica:
Fábrica de Experiências Cênicas apresenta
Texto: Diones Camargo
Direção: Carlos Ramiro Fensterseifer
Direção de atores: Liane Venturella
Direção Coreográfica: Raul Voges
Elenco: Elison Couto, Fernanda Petit, Gabriel Messias, Gabriela Iablonovski, Henrique Araújo, Henrique Lago, Lucas Prado, Martina Pilau,  Natália Ferreira, Pâmela Mânica, Odila Bohrer, Sibele Garroni, Zé Passos
Iluminação: Nara Maia
Trilha Sonora: Ian Ramil
Cenografia e produção de arte: Valeria Verba e Sheila Marafon
Vídeos: Maurício Casiraghi
Figurinos: Carlos Ramiro Fensterseifer
Assistentes de figurinos: Liane Venturella e Titi Lopes
Produção: Carlos Ramiro Fensterseifer e Regina Protskof
Fotografia: Regina Protskof
Assessoria de imprensa: Léo Sant'Anna
Design Gráfico: Henrique Lago
Realização: Galeria La Photo e INCOMODE-TE




*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. 

domingo, 6 de outubro de 2019

HOMEM DE LUGAR NENHUM (RS)




REFLEXÃO COM OLHAR APURADO SOBRE TEMAS DO NOSSO TEMPO

por Diego Ferreira*

Homens
      Trânsito
           Lugares
                     Lugar Nenhum
                                        Lugar 
Um lugar pode ser definido pelo espaço e seus usos. Para a geografia, por exemplo, ao se acrescentar a variável “poder”, você tem o conceito de território. Ou seja, o espaço não é só a parte física, é o que o sujeito faz ali. Existe uma face material e outra humana. Teorizar sobre isso clareia algo que sabemos intuitivamente, embora às vezes nos doa constatar: é impossível revisitar os mesmos lugares. O tempo não só muda a paisagem como distancia os usos. Outras pessoas ocupam o pátio da faculdade, os bancos de praça, o boteco preferido… E os homens de teatro escolhem o palco para construir uma reflexão sobre política e amor, não necessariamente nesta ordem. "Homem de lugar nenhum" se utiliza de metáforas para se referir a lugares transitórios que não possuem significado suficiente para serem definidos como "um lugar". Lugares transitórios, passageiros, provisórios, breves. Lugar. Não lugar. Lugar nenhum. O espaço do palco é o ponto de partida que Eduardo Kraemer encontrou para transitar em cenas breves e fragmentadas sobre a condição do homem e seu espaço no nosso tempo, e para isso recorreu a diversos autores para construir um ato político e simbólico sobre questões atuais. O resultado combina uma narrativa que parte da intertextualidade e que encontra na direção de Kraemer uma estética que combina a iluminação do próprio Eduardo e o espaço cênico de Alexandre Navarro Moreira que constrói uma bela instalação que além de ser esteticamente interessante, serve de arena para o embate entre os atores destilarem suas (in)certezas. Creio que a força do espetáculo vem desta tríade formada pela direção, iluminação e cenário, lógico que a dupla de atores tem grande peso, mas a estética e a teatralidade proposta pelo olhar de Kraemer propõe um olhar diferenciado e apurado para falar sobre temas provocantes, perturbadores e conflitantes sobre nosso tempo que agoniza, que é fugaz, que é sórdido, rápido e acelerado. E tudo isso encontramos neste não lugar. Zé Adão Barbosa e Renato Del Campão são verdadeiros homens de teatro, experientes e experimentados e encontram seu lugar dentro deste verdadeiro ringue, através de um verborrágico embate de idéias, de textos, de narrativas que nos situam no lugar do homem contemporâneo e todas as questões que este homem carrega, principalmente sobre política, mas não sobre a política partidária que nos aterra a cada dia, mas sobre micro-políticas que afetam o dia a dia do homem moderno, sobre o afeto, sobre o amor. João Petrillo, Caio Lopes e Artur Gaudenzi Luzardo estão ali para presentificar o alter ego destas figuras e provocar o espectador. "Homem de lugar nenhum" é um belo espetáculo esteticamente e que em tempos de políticas infundadas e vazias, merece ser assistido, para que possamos construir juntos um reflexão sobre o nosso lugar nesta sociedade que muitas vezes preza apenas pelo material e se furta das relações humanas.



Ficha Técnica:
Autores: diversos autores clássicos e contemporâneos
Atuação/Roteiro: Zé Adão Barbosa e Renato Del Campão
Direção/Roteiro/Iluminação/ Trilha pesquisada: Eduardo Kraemer
Atores convidados: João Petrillo, Caio Lopes e Artur Gaudenzi Luzardo
Cenografia: Alexandre Navarro Moreira
Figurinos: Zé Adão Barbosa e grupo 
Vídeos/Projeções: Daniel Jainequine
Arte por: Vitor Facchi
Fotos: Luciã Lopes  e Gustavo Razzera 
Produção: Cia Teatrofídico



*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. 

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

ABOBRINHAS RECHEADAS - DANCE A LETRA (RS)


ABOBRINHAS RECHEADAS COM MOLHO DE INOVAÇÃO E CRIATIVIDADE

por Diego Ferreira*

É possível hoje criar algo novo na dança contemporânea? 
Ainda é possível se desvencilhar de códigos e convenções batidos e já ultrapassados? 
Sim, é possível ainda se utilizar da criatividade e inovação na dança para criar novos mecanismos, e para isso acontecer é necessário retroceder para avançar na construção de novos paradigmas quando tratamos de criação em dança.
A obra "Abobrinhas Recheadas - Dance a Letra" se constrói com diversos vocabulários corporais e apresenta um espetáculo repleto de elementos cômicos, apresentados de forma teatral, levando ao público uma série de coreografias em duplas, solos e em grupos, fazendo referência a cultura pop mas com alta sofistificação criativa e inventiva. 
Assim se dá uma dança-rapsódia-infernal irreverente, brincalhona, provocadora, indecente, furiosa, astuciosa e sensual. Uma dança emanada por um corpo carregado de outros, de contradições, ambiguidades, bens e males, ou seja, um corpo humano, de gente, da nossa gente e ainda ri de si e de nós. O mais interessante é a pesquisa ddança com o humor e o quanto isso acarreta na qualidade do trabalho. Para fazer rir é necessário ser sério antes, é é justamente essa seriedade que percebo no trabalho da Macarenando Dance Concept, nas suas ações e modos de produção e como isso acarreta nos modos de sobrevivência do seu trabalho e a interferência na cultura local.  
O espetáculo é bastante simples se o espectador desavisado atentar apenas para as coreografias que codificam literalmente as letras de música do nosso cancioneiro popular, porém penso que o trabalho é consistente justamente por fomentar as discussões sobre estereótipos em diversos tipos de dança e isso não é tão simples como parece, pois é preciso pensar, experimentar para conseguir desconstruir e construir novos paradigmas no cenário da dança. E o grande mérito da Macarenando é esse, pois apresenta um trabalho autoral, coerente e extremamente engraçado. Diego Mac e Gui Malgarizi foram muito feliz na concepção do espetáculo e Daniela Aquino, Diego Mac, Juliana Rutkowski e Nilton Gaffree são brilhantes em suas composições, através dos seus gestos e coreografias conseguimos nos identificar com o demonstrado em cena. Todos os bailarinos destilam competencia para criar pequenos números de dança neste grande picadeiro e destilam humor e capacidade de extrair de seus corpos em movimento graça e comunicação direta com o espectador. 


FICHA TÉCNICA  
 Direção e coreografia: Diego Mac e Gui Malgarizi  Bailarinos: Daniela Aquino, Diego Mac, Juliana Rutkowski e Nilton Gaffree  Produção: Sandra Santos  Assistência de produção: Giulia Baptista Vieira e Arthur Bonfanti  Iluminação: Gui Malgarizi e Sandra Santos  Operação de som: Dani Dutra  Fotos: Gui Malgarizi e Dani Dutra  Arte gráfica: Diego Mac  Duração: 75 minutos  Classificação etária: livre  Realização: Macarenando Dance Concept 


*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. 

sábado, 7 de setembro de 2019

VIRA E REVIRA - NA COZINHA TUDO VIRA POESIA (RS)


BOA RESSIGNIFICAÇÃO DE OBJETOS NO TEATRO DE ANIMAÇÃO

*Diego Ferreira


O espetáculo "Vira e revira - na cozinha tudo vira poesia" coloca em cena dois cozinheiros que estão meio amargurados da vida e encontram um renovo entre os utensílios da sua cozinha. O espetáculo se utiliza de várias linguagens para exaltar a poesia cênica como o teatro de animação de objetos, a linguagem clownesca,  o teatro físico aliado a uma língua inventada e a participação da platéia. Em sua essência a produção é bastante simples em todos os aspectos, mas a relação com os objetos é potencializada através do deslocamento da sua função original  e conferindo-lhes novos significados, sem transformar, porém, a sua natureza, explorando uma dramaturgia que se vale de figuras de linguagem, em detrimento da importância da manipulação propriamente dita. Dentro deste conceito, novos significados foram dados a colheres e utensílios que todos temos na nossa cozinha, sem transformar a sua natureza, por meio de associações que se podem dar pela forma, pelo movimento, pela cor, pela textura, pela função do objeto. Neste aspecto o Teatro Nó Cego consegue grande êxito que é o de dar vida a objetos inanimados. No aspecto das figuras clownescas penso que o grupo juntamente com a direção poderia aprofundar um pouco mais a essência do clown, uma linguagem que coloca em cena o ridículo das relações calcado na verdade do intérprete. As vezes o jogo estabelecido é rompido pelo fato das figuras potencializarem a caricatura ao invés de uma energia característica da linguagem do palhaço. Mas Morgana Rosa e Alexandre Malta tem segurança, empatia e domínio do trabalho e conseguem apresentar um espetáculo cativante. Outros elementos como cenário, figurinos, iluminação e trilha sonora são extremamente simples mas cumprem sua função dentro do espetáculo que tem como destaque a participação ativa do espectador, que embarca na poesia criada através do mundo dos objetos. Um espetáculo leve, divertido e indicado a todas as idades.

FICHA TÉCNICA:
Direção: Juliano Canal
Elenco: Alexandre Malta e Morgana Rosa
Apoio técnico: Brenda Fernandez
Classificação: Livre
Duração: 50 minutos

*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. 

5 MARIAS (RS)


RESGATE DE BRINCADEIRAS EM ESPETÁCULO INFANTIL

por Diego Ferreira*


"5 Marias" é um espetáculo bastante simples voltado ao público infantil que retrata no palco a perda da inocência da criança e implica no ato de suspensão da brincadeira. A começar pelo título a produção resgata o valor da brincadeira na infância através da arte teatral através de um pequenino trabalho. A dramaturgia da peça se constrói através de uma linguagem não verbal, numa lingua inventada, uma espécie de gromelô e versa sobre o ato de brincar. Como o espetáculo é sem palavras o elenco poderia se permitir a brincar mais em cena, potencializando o jogo através de brincadeiras e a utilização de um gestualidade que se comunicasse melhor com o espectador. O cenário e iluminação são belíssimos e conseguem provocar o espectador a adentrar neste outro universo lúdico. Cabe também a necessidade de criar atmosferas que aproximem o público da proposta do trabalho.

Já que o espetáculo trás as brincadeiras a tona de uma maneira muito lúdica, uma dica seria a de perceber o pequeno espectador na platéia, não fechando a quarta parede, pelo contrário ver em que momento incluir ele na brincadeira pois na sessão que fui tinham crianças que estavam ávidas para participar, porém o elenco estava fechado e por isso perde-se a possibilidade de incluir o pequeno espectador no ato de brincar e se o trabalho se propõe a isso, o interessante seria estar atento as reações da platéia. Outra questão que vale ressaltar no espetáculo é quanto ao elenco formado apenas por atrizes que representam uma diversidade, colocando em cena atrizes que já tem uma grande experiência e estão ali, disponíveis embarcando na grande aventura teatral.
A direção consegue perceber as possibilidades que seu elenco oferece e transforma tudo em poesia e brincadeiras.
Mas no geral o espetáculo é lindo em sua essência, carecendo aprofundar a relação do brincar com as atrizes, e estarem atentas ao pequeno público.



Ficha Técnica:
Direção e Dramaturgia: Leticia Kleemann
Assistência de Direção: Italo Cassará
Atuação: Danielle Salmória, Elizabeth d ́Avila Seadi, Maria Schwertner, Maria Cacilia Sandri e
Maria Cristina D Schuler
Cenografia: Coletivo Tramando Arte
Sonoplastia: Adriano Kleemann
Técnica de Áudio: Pedro dos Santos
Criação de Luz: Leandro Gass
Operação de Luz: Veridiana Matias
Figurino: Grupo
Arte e Fotografia: Jean Pierre Kruze
Assessoria de Comunicação: Amanda Hamermüller
Produção: Valeska Barcellos
Assistência de Produção: Everson Silva
Realização: Nós - Cia de Teatro

*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. 

domingo, 1 de setembro de 2019

INIMIGOS NA CASA DE BONECAS (RS)


TRANSPOSIÇÃO ATUAL DE IBSEN NA CENA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA

por Diego Ferreira*


"Inimigos na casa de bonecas" do Projeto Gompa é uma livre transposição para a cena contemporânea dos textos "Um inimigo do povo" e " Uma casa de Bonecas" de Ibsen. Na história atual do Brasil vivemos num tempo de incertezas, retrocessos e todos os dias somos bombardeados com notícias sobre os esquemas de corrupção, manipulação da opinião pública, jogos e armações políticas e as notícias falsas sobre o triste cotidiano que estamos vivenciando. E baseados nestes fatos o projeto consegue encontrar paralelos na obra de Ibsen que ressoam muito na realidade do Brasil pois tanto a obra do autor quanto a dramaturgia criada para o espetáculo chamam a atenção pela sua atualidade ao destacar a preocupação com a fragilidade de um sistema político que muitas vezes se pauta na opinião de massa e no caso de Ibsen muito antes do uso das "fake news". A dramaturgia de Marco Catalão, Pedro Bertoldi e Camila Bauer é efetiva na medida em que consegue encontrar esses pontos de ressonância com a nossa realidade e faz ecoar na cena pautada pela fragmentação, procedimento apropriado para uma dramaturgia que busca uma visão integrada de mundo através de um processamento dialético do conhecimento e que reflete diretamente num modelo experimental da prática cênica,como se verifica na encenação que se apoia no texto, mas tem forte utilização da performance, dança, música, além de forte apelo estético. A dramaturgia ainda se pauta no procedimento da revelação das contradições, despedindo-se  da narração linear e do realismo para investir em narrativas que enfatiza o discurso e tensões que estamos vivendo agora. O fragmento em "Inimigos na casa de bonecas" é visto como texto que pode variar no tocante à extensão, gênero ou tipo de linguagem cênica, funcionando como "unidades em si", onde são apresentados minidramas, imagens, cenas alegóricas e metafóricas e visões que unificam a obra de Ibsen ao Brasil. Com isso a dramaturgia do espetáculo é forte pois torna-se um produtor de conteúdos, abrindo-se a subjetividades do espectador, pois se assistirmos ao espetáculo com a expectativa de entendimento de uma linha de tempo linear, ou até mesmo buscar encontrar o cerne do drama de Ibsen talvez ocorra uma frustração, pois a lógica aqui é outra, na minha visão o texto de Ibsen é utilizado apenas como pretexto e mola propulsora para enfocar uma série de conflitos éticos e divergências políticas que movem tanto nosso país como a dramaturgia do autor noruegues. 
No que tange a encenação de Camila Bauer, o espetáculo parte de cruzamentos das diferentes artes do espetáculo e tem forte apelo estético se pautando na performance, fisicalidade, música, projeções e iluminação, assim como os figurinos e mascaras que com suas cores e texturas conseguem expandir o campo de fruição. Assim como a criação sonora de RosaCosta que sempre é efetiva e dialoga diretamente com a obra.
Destaque para o elenco de peso que o projeto conseguiu reunir encabeçado por Sandra Dani, Nelson Diniz, Liane Venturella, Lauro Ramalho, Janaína Pelizzon, Fabiane Severo (que com sua presença física cria subjetividades e atemporalidades na obra, cavando espaços para manifestar o que palavras não dão conta), Alvaro RosaCosta e Pedro Bertoldi destacando os dois últimos que com propriedade colocam em cena relatos fortes sobre temas atuais, mas todo o elenco é coeso e consegue colocar em cena toda a provocação estética e que possibilita diferentes camadas de leituras dentro de um contexto contemporâneo de proposição teatral, mantendo a coerência que a encenadora Camila Bauer vem desenvolvendo ao longo dos anos.

Ficha técnica
Elenco:

Sandra Dani

Janaina Pelizzon

Nelson Diniz

Liane Venturella

Lauro Ramalho

Álvaro RosaCosta

Fabiane Severo

Pedro Bertoldi

Direção: Camila Bauer

Dramaturgia: Marco Catalão, Pedro Bertoldi e Camila Bauer, a partir das obras Uma Casa de Bonecas e O Inimigo do Povo, de Henrik Ibsen (tradução Leonardo Pinto Silva), em colaboração com o elenco.

Direção coreográfica: Carlota Albuquerque            

Composição e desenho sonoro: Álvaro RosaCosta

Iluminação e videografia: Ricardo Vivian

Cenografia: Elcio Rossini

Figurinos e maquiagem: Liane Venturella

Desenhos e pinturas figurino: Lipe Albuquerque

Criação e confecção de máscaras: Fábio Cuelli

Mídias sociais e criação de memes em vídeo: Laura Hickmann

Assessoria de imprensa: Lauro Ramalho

Arte gráfica: Jéssica Barbosa

Fotografia: Adriana Marchiori

Realização e produção:
Projeto Gompa


*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle. 





sábado, 24 de agosto de 2019

O GATO DE BOTAS E BOMBACHAS (RS)



CUIDADOSA PRODUÇÃO DEDICADA AOS PEQUENOS (E AOS GRANDES TAMBÉM)


por Diego Ferreira*


O espetáculo "O gato de botas e bombachas" da Cia Vento Minuano é surpreendente pelo cuidado e zelo em todas as etapas da produção, desde a divulgação até a estética da proposta. A obra que assistimos é uma adaptação do famoso conto de Charles Perrault numa dramaturgia original de Charles Ferreira que revela um texto todo construído em rima para contar a história de um gato de estimação que usa botas e bombachas e mora no interior do Rio Grande do Sul. A narrativa do espetáculo é cheia de trapalhadas para desvendar uma série de roubos de gados de um fazendeiro gaúcho, e é rica em detalhes e se utiliza de humor e musicalidade para se comunicar com o espectador. 
A produção está impecável e como é bom assistir ao bom teatro dirigido a infância, pois auxilia muita na formação das platéias futuras. Airton de Oliveira foi muito feliz ao escolher sua equipe técnica pois se cercou de profissionais que souberam explorar o melhor de cada unidade da produção. Airton na direção consegue explorar o melhor de um elenco redondo com um naipe de atores que sabem cada qual utilizar suas melhores potencialidades em cena e a direção também tem êxito em articular todos os elementos estéticos que consegue traduzir de ótima forma as cores e sons do interior do Rio Grande do Sul sem cair em clichês. 
O cenário de Marcos Buffon e todos elementos são belíssimos e funcionam muito bem em cena, associados a iluminação de Nara Lucia Maia que consegue imprimir na cena uma paleta de cores que parece uma tela de pintura, assim como os belos e funcionais figurinos de Claudio Benevenga que agregam muito na produção. Por se tratar de um musical a trilha sonora é destaque e muito bem executada ao vivo pelos atores, e por ser muito bem executada gostaria de ver o elenco tocar mais em cena, ao invés de passagens onde música de estúdio são executadas, talvez essa seja a única exceção do trabalho, de valorizar ainda mais este elenco que domina o canto e os instrumentos, sendo que a trilha gravada não atrapalha a produção, mas por se tratar de um musical poderia privilegiar ainda mais a execução ao vivo. 
O elenco foi escolhido a dedo e está ótimo formado pelos atores Dejayr Ferreira, Fabrizio Gorziza, Luciano Pieper, Rodrigo Waschburguer e Tom Peres e estão muito bem em cena, cantando e representando esta história campeira. Todos, sem exceção, estão entregues e inteiros em cena, um elenco coeso e dentro do jogo e da proposta creditando o mérito disso a direção de Airton que tem um grande aproveitamento dos atores. 
É muito bom ver um espetáculo com a temática regional ganhar um status de bom teatro principalmente por valorizar e resgatar nossa cultura através das músicas e vestimentas e por nos fazer rir de um gato trapaceiro que ganha os nossos corações. Que a produção tenha uma longa trajetória e possa ganhar a estrada de outras paragens para que conheçam o bom trabalho produzido no estado. 

Ficha técnica:


Elenco: Dejayr Ferreira, Fabrizio Gorziza, Luciano Pieper, Rodrigo Waschburguer e Tom Peres
Texto: Charles Ferreira
Direção: Airton de Oliveira
Assistente de direção: Sandra Loureiro
Direção musical e trilha sonora gravada: Arthur Barbosa
Músicos na trilha gravada: Arthur Barbosa (violino e regente), Dhouglas Umabel (viola e violino), Diego Silveira (percussão e bateria), Eduardo Knobe (piano), Henrique Amado (flauta e flautín), José Milton Vieira (trombone), Matheus Kleber (acordeon) e Rafael Honório (violoncelo).
Gravação da trilha sonora: Estúdio Porta da Toca
Técnico de gravação: Bruno Klein
Trilha sonora acústica: Dejayr Ferreira (percussão), Fabrizio Gorziza (acordeon), Luciano Pieper (violão), Rodrigo Waschburguer (violão e bombo leguero) e Tom Peres (violão e percussão)
Criação do figurino: Claudio Benevenga
Criação e execução do cenário: Marcos Buffon
Criação de luz: Nara Lúcia Maia
Coreografias: Sayonara Sosa
Preparador vocal: Márcio Buzatto
Programação visual: Bento Abreu
Confecção de figurino: Naray Pereira
Administração e produção executiva: Marcos Buffon
Diretor de produção: Airton de Oliveira
Montagem: Cia Vento Minuano
Realização: Telúrica Produções

*Diego Ferreira é Graduado em Teatro/UERGS. Escreve comentários críticos no blog Olhares da Cena. É integrante do Grupo de Estudos em Dramaturgia de Porto Alegre coordenado por Diones Camargo. É jurado no Prêmio Olhares da Cena. Foi jurado do Prêmio Açorianos de Teatro em 2013 e 2018. Professor de Teatro na Unisinos e Unilasalle.