quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O REI CEGO (RS)



Hoje a tarde, enfim fui conhecer o trabalho dos meus amigos do Teatro do Clã. O trabalho em questão é "O Rei Cego", este é o 1º trabalho do grupo que surpreende muito pela qualidade da produção. Discorrer sobre o acontecimento cênico é algo muito difícil, tratando-se da efemeridade do fato teatral, do instante que perpetua cada ato, gesto ou apresentação. Por isso é muito difícil tecer comentários sobre o fazer teatral, ainda mais quando não somos críticos "de verdade", ainda mais quando falamos do trabalho de colegas e amigos. Mas fica bem mais fácil quando o trabalho é bom e sei o que falar aqui será filtrado e talvez aproveitado pelos colegas. É o que acontece com o Clã. 
"O Rei Cego" é um espetáculo indicado a todas as idades e apropriado para ser apresentado em diversos locais, rua, palco, praça, galpão, enfim, onde o público estiver. A platéia de hoje era formada por crianças de escolas públicas da cidade e alguns transeuntes, o que dá credibilidade a produção. 
O primeiro fato a ser destacado é que este espetáculo foi contemplado com o FUMDESC, um fundo de apoio a cultura de Montenegro, e o que vemos é que os recursos foram muito bem empregados. O espetáculo é rico esteticamente, nos figurinos, cenários, adereços e maquiagem. A concepção e elaboração destes elementos foram precisas e criativas, todas a serviço da cena. Os figurinos são um destaque, pela beleza, simplicidade e utilização, ponto para a escolha do tom das cores, que perpassa todos os elementos da cena. O cenário é prático, belo e funcional, destacando a disposição das escadas e cubos que se transformam em outros espaços de acordo com o solicitado na cena. Os adereços transpõem o espectador a outros espaços como a utilização das malas que se transformam em cavalos (bela sacada!), ou as saias azul que são as ondas (bela sacada!), demostrando a criatividade e inventividade que o teatro de rua pede para chamar a atenção da platéia. E não podemos deixar de destacar o trabalho da assistente de produção Jenifer Berlitz que estava realmente assessorando o grupo.
Vamos a história: "O Rei Cego" é a história de um jovem príncipe que enfrenta inúmeros perigos para trazer a visão de seu pai de volta. Logo no início somos apresentado a trupe de atores que contarão esta narrativa através de atores/contadores de histórias. Este recurso do ator/narrador é muito bem utilizado na cena, onde acontece um revezamento entre os atores que ora contam, ora personificam os personagens da peça, criando assim um ritmo que não deixa a narrativa cair num marasmo, pelo contrário, o espetáculo é repleto de acrobacias, rupturas e surpresas que provocam o olhar do espectador a ficar atento ao que está acontecendo no centro da arena, ou no centro do semi-círculo, espaço que o grupo escolheu como palco para contar a sua história. 
Quanto a espacialidade, penso que o teatro de rua tem uma especificidade que somente a rua oferece: um espaço urbano que não é o projetado para a manifestação teatral, mas que é tomado e transformado em palco para alguns momentos de magia e ilusão. O Clã escolheu muito bem o seu palco na Estação da Cultura, embaixo das árvores e montou a sua semi-arena, bem equipada, delimitada e com seus lindos cenários, porém, penso que poderia explorar um pouco melhor a espacialidade contemplando um pouco mais os espectadores que não estão dispostos frontalmente. Explorar a lateralidade do espaço, abrindo um pouco mais a cena, jogando com os espectadores que não estão no centro da roda, descentralizando a ação que aqui não está no palco italiano, mas sim na rua, onde tem espectadores por todos os lados. Isso acontece no desenrolar do espetáculo, mas timidamente, podendo potencializar a relação com o espectador, criando assim, uma maior cumplicidade com o público, pois entre o elenco a cumplicidade já está tão latente, sugiro que esta cumplicidade seja compartilhada com a gente, mas quando digo dividir a cumplicidade com o público, não me refiro a piadas ou ações cômicas (que não é o caso deste espetáculo), mas sim através de um simples olhar de cumplicidade.
O elenco da montagem é coeso e cúmplice e funciona muito bem. Coeso porque é funcional: canta, dança, representa, narra, anda sobre perna-de-pau, faz acrobacia e contorcionismo e muito mais em cena. Tuti Kerber, Marcos Cardoso, João Pedro Decarli e Júlio Schuster dominam a cena com maestria e dão vida a nove personagens. A eficiência do elenco se dá pelo fato de que os atores conseguem transitar entre o representar e o narrar sem resvalar em interpretações grandiloquentes, optando pela simplicidade que funciona muito bem ao espetáculo. O elenco é parelho, mas João Pedro Decarli se sobressai um pouco dos demais e é destaque pela disponibilidade corporal, ideal para o teatro de rua, mas não somente por isso, e sim pela verdade e facilidade que transita entre seus personagens com graça e competência, é muito bom vê-lo em cena. Cardoso e Kerber tem estofo e experiência com a linguagem da rua, demostrando segurança e belas composições e Júlio é uma revelação como ator, com potencial e com um belo caminho a ser trilhado, que está muito bem em cena, devendo cuidar somente a respiração que demostra o cansaço e a triangulação com o espectador. 
Por fim, destaco o trabalho de direção de Cassiano Azeredo que ao  eu ver é uma revelação. Consegue transformar um conto popular em um espetáculo redondo, simples mas ousado, colocando o Teatro do Clã, já em seu primeiro trabalho, num dos grupos mais promissores do estado. Digo isso baseado no que vi, mas também porque conheço todo o empenho e dedicação deste jovem grupo que está em permanente transformação. O que fica é a profissionalização deste grupo que merece a nossa atenção. 
Cássio consegue amarrar os elementos estéticos e nos presentear com um espetáculo bonito e muito bem acabado. O que assistimos é um trabalho que foi pensado em todos os detalhes, da concepção a concretização, vemos a mão do diretor, das idéias como o "gigante" que se transforma ao nosso olhar, ao ator que some dentro de uma caixa, a chuva de prata que é linda e surpreendente, são atrativos que prendem a atenção do espectador e evidencia um diretor em grande desenvolvimento. Para encerrar esta minha odisseia sobre "O Rei Cego" destaco dois pontos que podem ser ajustados ao longo da temporada: 1º A transposição do conto para o teatro de rua, tem algo ali no texto, na dramaturgia, que não consegui captar e isso faz com que eu não embarque totalmente na história, no drama, diferente da encenação que com seus ricos recursos faz com que embarcamos por inteiro, de imediato, mas é a história mesmo, me perdi no enredo, talvez pela troca rápida de papéis, fiquei meio perdido, as vezes sem saber quem é quem e o que está fazendo? No final consigo esclarecer um pouco, mas durante a peça algumas questões ficaram pendentes, talvez porque o meu olhar ficou encantado com o visual que me desatentei ao enredo e precisarei assistir novamente para captar esta outra camada da encenação. E 2º é a musicalidade  da peça, que ao meu ver está ainda em desenvolvimento, conforme o Cássio me confidencia. Penso que a rua necessita de potência musical, e temos tudo ali, instrumentos musicais, atores treinados e disponíveis e um diretor atento a tudo, mas vejo que falta desabrochar esta musicalidade que já está presente ali, só falta deixar acontecer de forma menos formal e mais visceral. 
Contudo volto a afirmar que "O Rei Cego" é um trabalho digno de aplausos, um dos destaques da cena gaúcha, que ainda vai dar muito o que falar, pela profissionalização, criatividade e entrega do coletivo. Escrevam o que estou dizendo, este trabalho vai estar nas principais mostras de teatro do País.  

FICHA TÉCNICA
Direção: Cassiano Azeredo
Assistente de Produção, Divulgação e Mídia: Jenifer Berlitz
Elenco: 
Marcos Cardoso 
Júlio César Schuster 
Tuti Kerber 
João Pedro Decarli 
FIGURINOS: Raquel Cappelletto 
ADEREÇOS: Lúcia da Motta e grupo 
CRIAÇÃO E ORIENTAÇÃO DE MANIPULAÇÃO DE BONECOS: Alice Ribeiro e Rita Spier
ORIENTAÇÃO VISUAL: João Carlos Machado (Chico Machado) 
CENOGRAFIA: O grupo 
CONCEPÇÃO: Cassiano Azeredo e Marcos Cardoso
PRODUÇÃO EXECUTIVA: Marca Produções Culturais 
DURAÇÃO:45 minutos 

Conheça o BLOG do Teatro do Clã. 
Publicado originalmente no BlogVálvula de Escape em  29 de setembro de 2011.


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